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por Luciana Saddi

Perfil Luciana Saddi é psicanalista e escritora

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O amor acaba - crônica de Paulo Mendes Campos

Por Luciana Saddi
10/10/13 10:46

O presente dessa semana de Ana Tanis para o Fale Comigo é essa linda crônica, O amor acaba, de Paulo Mendes Campos.

O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.

In: O amor acaba, Paulo Mendes Campos, seleção e apresentação Flávio Pinheiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2013

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Comentários

  1. Karolyne comentou em 12/10/13 at 14:18

    Olá! Tudo bem com você?
    Linda, linda, linda a crônica do Paulo Mendes Campos, emocionou-me profundamente. Mas, sabe… Embora não tenha mais 15 anos (fiz 31, em setembro), embora a vida não tenha sido gentil comigo, embora ainda não tenha realizado meus sonhos de construir uma família, amar e ser amada por quem amo, embora infinitos “emboras”, para mim AMOR NÃO ACABA. Acho que se acabou, não era amor. Se realmente for amor, a vida com seus encontros e desencontros, reunirá novamente esses dois corações. Laços de amor são eternos…
    Eu acredito. Não sei se devia… Mas acredito.

    • Ana Tanis comentou em 16/10/13 at 15:40

      Karolyne, o amor também recomeça, em qualquer ocasião e por qualquer motivo. Mas gostei do seu modo de ver!

      • Nívia comentou em 17/10/13 at 0:25

        Concordo.
        O amor recomeça e pode ser com outra pessoa , pode ser um novo recomeço com a mesma, quem pode saber.
        Aliás é muito bom fazer “parte da história” se é que posso entender mentes de pessoas que desconheço inteiramente, o autor da frase, ele mesmo , pode avaliar a lógica e o bom senso de meu raciocínio cheio de discernimento. Nem mesmo sei de que se trata a frase, qual a sua implicação com a minha pessoa em particular ou sequer se tem algo a ver com o uso que faço dela, francamente , a mim pouco interessa. Mas salvaguardando o mínimo que tenha a ver comigo, se a mim se dirigem mesmo sendo desconhecidos por mim, a isso respondo dizendo que , sim, é bom fazer parte da história , pois a mim significa FIM significa que algo acabou, que estou livre de vc ou vcs …
        Mesmo considerando que jamais tenha tido a mínima consciência de ter feito parte de nada com vc ou vcs….
        Imundos…

        • Nívia comentou em 17/10/13 at 0:30

          Nada em meu comentário se refere à crônica de Paulo Mendes ou a autora do blog em questão , apenas acerca de uma referência lida em outra coluna.

  2. sergio felicissimo silva comentou em 13/10/13 at 23:39

    Lu Saddi, sua foto no perfil é tão linda que gostaria de fazer terapia com você mas, morando no Rio é difícil…Sua foto me passa a sensação de disponibilidade e ao mesmo tempo ternura…Parabéns pelo blog, venho sempre aqui…

    • Luciana Saddi comentou em 14/10/13 at 10:02

      obrigada!!!

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