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por Luciana Saddi

Perfil Luciana Saddi é psicanalista e escritora

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O que é o amor?

Por Luciana Saddi
13/08/13 09:57

Internauta: O que é o amor? O amor é causa ou fim? O fim do amor é o fim da vida?

Luciana: Minha visão do amor é bastante materialista. Ternura, tesão, cumplicidade e amizade bastam! Mas cada um deve dar uma resposta própria a essa pergunta dificílima.

Para uns a vida se resume a um amor específico. Para outros há inúmeras mortes ao longo da vida, a cada amor perdido! Acredito que o fim da capacidade de amar se iguala ao fim da vida, mas entendo que amar seja mais do que o amor sexual. Amar é gostar muito de qualquer coisa.

Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho,
e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor à procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa, amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.


Carlos Drummond de Andrade

 

Aurea Rampazzo, coordenadora das oficinas de criação literária do Museu Lasar Segall, escolheu o poema para essa pergunta/resposta.

 

Dicas: Vicky Cristina Barcelona, filme dirigido por Woody Allen. Relações amorosas se sobrepõem a relações amorosas. O que é o amor?

 

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Choque de Humanidade – um depoimento

Por Luciana Saddi
12/08/13 09:15

Inverno de 2010. Julho. Comecinho de noite. Num quarto de apartamento da Avenida Angélica iniciava meu processo psicanalítico que dura até os dias atuais. Um psicanalista havia sido contatado por minha família e, generosamente, dispôs-se a atender-me, naquele primeiro momento, em domicílio. Eu estava fragilizada, envergonhada e com dificuldade de locomoção porque quebrara o tornozelo esquerdo numa queda doméstica, após ingestão desmedida de bebida alcoólica. E aí, … chum!

Não. Não se trata de letra de música, de gosto no mínimo duvidoso, relatando ou reproduzindo o som de um mergulho de alguém em uma piscina de água gelada. Chum é a sigla usada pelos autores para “choque de humanidade”.

Aquela minha condição de estar acamada e deprimida, se de um lado era muito desfavorável, de outro já me colocava mais receptiva e sensível à fala do meu já adotado psicanalista (dera empatia à primeira vista!) que foi conversando comigo, a partir de palavras minhas, entre outras questões, sobre o real versus o ideal, sobre o humano versus o inumano (que não quer dizer desumano, diga-se). Amorosamente. Ao longo desses dois anos e meio fui compreendendo que amor e liberdade são substantivos concretos e que humanidade se constrói. Não nascemos humanos prontos e acabados; construímo-nos mais humanos (ou não) e não adianta querer fugir, por meio do álcool,  dessa condição humana: não tem saída!

Fui, durante algum tempo, praticante da religião degradada que tem como deus o álcool e/ou outras drogas. Da adolescência à idade adulta, eram as drogas para controlar o apetite (os chamados remédios para emagrecer, que se compra com receita médica) e, mais tarde, a ingestão compulsiva e voraz do álcool. Da euforia à depressão. Da alegria fugaz à melancolia profunda. Da coragem ao medo. Não! Não eu não tinha, exclusivamente, uma dependência da química do álcool (embora os efeitos físicos fossem arrasadores); eu ia inconscientemente de encontro a morte para aguentar a vida; uma tinha uma dependência religiosa, moral e psíquica do deus álcool, isto sim.

Hoje, com o chum sendo praticado por mim, sucessivamente, no setting psicanalítico, tenho aprendido e apreendido o gosto da liberdade, da alegria sem euforia.

Após cerca de quatro meses do início do meu processo psicanalítico, cheguei a ter não uma recaída, mas um pequeno lapso que já faz parte do meu passado. Tenho vindo “tenteando e pelejando”, como diz o meu psicanalista, um dia de cada vez, mas com uma qualidade de vida que antes nem imaginava existir. E viva o chum!

Assim, eu sou Bárbara, mas atendo também por Vera Lúcia, a ex-Vera alcoólatra.

Dizer que gostei muito do livro Idealcoolismo: um olhar psicanalítico sobre o alcoolismo, de Antonio Alves Xavier e Emir Tomazelli (ed. Casa do Psicólogo) pode parecer lugar-comum ou algo que se diz, geralmente, para agradar, mas, no meu caso não o é. Sofri no corpo, na mente e na alma os malefícios da drogadição e do idealcoolismo e posso avaliar o quão importantes são as elaborações teórico-clínicas de seus autores. Conceitos inéditos; abordagem inovadora. Uma grande contribuição à nossa humanização. A ambos sou muito grata. E expresso minha gratidão nesse pequeno depoimento.

Tendo vivido como educadora por muitos anos e atualmente experimentando a conquista de minha vida alcoólica de forma mais humanizada e mais livre, um pouco por dia, tenho propriedades para recomendar a leitura desse livro a pais, avós e educadores. É importante que aprendamos com os autores que a fraca presença ou a ausência da função paterna na infância associada a uma presença absorvente da mãe, pode realmente levar ao idealcoolismo.

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Do bebê ao adolescente - curso

Por Luciana Saddi
08/08/13 20:00

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A importância da frustração no desenvolvimento infantil

Por Luciana Saddi
08/08/13 09:18

A frustração é condição essencial para que o pensamento se desenvolva. Enquanto estamos seguros, confortáveis e ancorados nas experiências de prazer não ousamos novas soluções. Sabemos que é a necessidade que empurra o homem para as descobertas.

Com crianças também ocorre o mesmo. Elas desenvolverão capacidade de pensar se puderem colher o fruto de suas ações. O aprendizado com a experiência exige que a criança tenha vivências inteiras, com começo, meio e fim. Pais muito preocupados tendem a interromper esse processo sem perceber que promovem uma sensação de incompetência na criança. Muitas vezes encontramos crianças e pais com capacidade de cancelar determinadas situações frustrantes, apagando imediatamente o ocorrido. Quando a marca da frustração não permanece, o aprendizado com a experiência não ocorre.

Não deixar o filho cair e aprender com os tombos. Protegê-lo da sujeira antes que o mesmo se suje. Acalmar seus gritos furiosos atendendo imediatamente as exigências da criança. Esconder a morte de animais de estimação ou até de parentes. Os exemplos são os mais variados e corriqueiros, portanto quase imperceptíveis no cotidiano. Os pais movidos pela angústia e pela crença de que a criança é frágil e não aguenta a verdade, passam a superprotegê-la. A intolerância dos pais à dor e à frustração se torna a medida para lidarem com o filho.

Como os pequenos poderão crescer se seus pais não percebem que eles podem lidar com a verdade cotidiana, que estão aptos a conter angústias e são capazes de buscar soluções?

A superproteção não permite o desenvolvimento das capacidades da criança e funciona como  privação de amor e segurança. A punição severa e os castigos corporais não ajudam a desenvolver a capacidade de pensar e sentir. No entanto, a frustração e o intervalo entre um desejo e sua realização colocam o homem em movimento, obrigam-no a criar saídas e o fortalecem para aguentar a dor do viver.

 

 

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Somos livres?

Por Luciana Saddi
07/08/13 10:09

Internauta: Sou estudante de psicologia e tenho grande interesse pela psicanálise. Gostaria de saber qual caminho trilhar para ser psicanalista. Se possível também queria que você explicasse como a psicanálise vê a questão do livre arbítrio. Somos livres para fazer nossas escolhas sob o ponto de vista da psicanálise?

Luciana: Um analista se forma de maneira análoga à formação de um artista. O modelo do ateliê me parece ser o mais interessante para preservar e aguçar a criatividade e a capacidade crítica necessárias ao bom clínico. Sugiro fazer grupos de estudos e supervisões, ler bastante e conhecer diversos autores e escolas, depois escolher um centro de formação de analistas. É fundamental ter análise pessoal, nenhum analista pode prescindir de muitos anos de análise, se possível com alta frequência semanal. O sujeito de sua formação é você – nunca se submeta a grupos, escolas e ideologias – nem se esqueça do que te levou à psicanalise.

Freud dizia que somos sobredeterminados pelo inconsciente, sendo assim, muitas de nossas escolhas não seriam consideradas livres, pois sua força motora nos é desconhecida.  Portanto, ao falarmos em liberdade devemos falar em autoconhecimento e em responsabilidade. Conheça a si mesmo e terá mais condição de escolher e menos de repetir o sofrimento neurótico e estéril. Mesmo assim nada evita o sofrimento natural, advindo das perdas e frustrações da vida.

“Para vir a ser um laboratório científico, nosso consultório deve ser primeiro um estúdio artístico. A Psicanálise é assim: sendo arte, é ciência; querendo imitar a ciência, vira rotina.”

Fabio Herrmann, “Clínica extensa”. In. A Psicanálise e a Clínica Extensa. Org. Leda Barone et alt. Casa do Psicólogo, 2005, p. 26.

Dica: Freud: uma vida para nosso tempo, biografia realizada pelo historiador, Peter Gay. Por vezes é extensa demais e detalhada em excesso, mas não deixe de conhecer a vida de Freud, sua família, suas relações, a cidade onde viveu, sua formação, suas dificuldades profissionais. Seu modo de perseguir a verdade é o melhor modelo que temos, nem sempre precisamos acreditar em suas ideias, ele mesmo nunca deixou de se questionar e de reformular os pensamentos.

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Entenda o processo autoritário por trás da 'cura gay'

Por Luciana Saddi
06/08/13 09:17

A sexualidade humana, reprimida ao longo dos séculos e encoberta por preconceitos religiosos, se tornou objeto de estudo científico apenas no final do século 19.

Hoje, há um acúmulo sólido de conhecimento, além da facilidade em obter informações, pesquisas realizadas por diferentes métodos e estudiosos livres de preconceitos que se dedicam ao tema.

“Não é possível categorizar com rigidez a orientação sexual nem mesmo evitá-la por meio de qualquer técnica de treinamento comportamental”, diz a psicanalista e blogueira da Folha Luciana Saddi,

Abaixo, a especialista explica que qualquer tratamento psicológico deve levar em consideração a existência de fronteiras móveis, permeáveis e, por vezes, em conflito entre desejo, identidade e sexualidade. “Esses aspectos estão em constante transformação e não se congelam no tempo”.

Aos terapeutas compete escutar o conjunto e as partes, a estranheza e o assombro, conferir-lhes palavras e sentidos, aqui e agora.

“Falar em cura gay parece no mínimo anacronismo. Sem dúvida é um apego apaixonado à mentira”, afirma Luciana.

http://www1.folha.uol.com.br/multimidia/podcasts/2013/08/1320114-luciana-saddi-entenda-o-processo-autoritario-por-tras-da-cura-gay.shtml

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Psicanálise e Arte - entrevista

Por Luciana Saddi
05/08/13 10:08

As artes ocuparam um lugar privilegiado na construção da psicanálise. Freud, que sempre se interessou pelas artes plásticas e pela literatura, fundamentou teorias (ou ilustrou-as) e inovou conceitos, no corpo do pensamento psicanalítico, partir de sua formação clássica. Assim plantou nas novas gerações de analistas um interesse pelas artes que o transcendeu em muito. O que levou muitos analistas a se dedicarem ao estudo conceitual ou acadêmico das relações entre arte e psicanálise. As contribuições das artes, hoje, para o pensamento analítico são inesgotáveis, percorrem um amplo campo onde a questão do método, do objeto e da criação de sentido se tornam fundamentais.  Para conversarmos sobre psicanálise e arte, convidei Silvana Rea*, psicanalista que recentemente publicou o livro, Pelos poros do mundo: uma leitura psicanalítica da poética de Flávia Ribeiro, pela Edusp/Fapesp.

 

Luciana: Como se interessou por artes plásticas?

Silvana: Venho de uma família que tem relativo trânsito com este universo. Mas acho que o principal motivo de meu interesse é afetivo, ligado às lembranças que tenho de meu pai, que gostava de pintar em seus momentos de descanso. Todos nós convivíamos com o cheiro da tinta e com sua presença absorvida e concentrada diante da tela ou do papel. Para um amador, ele era bastante talentoso.

Acho fascinante algo surgir do que inicialmente parecia nada ser, uma forma se configurar a partir de uma latência ou de uma possibilidade. As artes plásticas trazem isso muito vivamente.  Assim como minha primeira escolha profissional, cinema, que remete às questões de visibilidade. E a maneira como entendo a psicanálise também se relaciona a tornar visível algo que estava ali, mas que era invisível até então, para usar uma ideia do filósofo Merleau-Ponty. Então, acho que pensar em termos de forma, é algo que sempre me acompanhou.

Luciana: Como surgiu a ideia do livro?

Silvana: Bem, esse livro é a minha tese de Doutorado, que defendi no Instituto de Psicologia da USP.

Ele brotou da minha dissertação de Mestrado, na qual eu me dedico ao processo criativo de três artistas plásticos brasileiros, de gerações diferentes e com linguagens plásticas diferentes: Renina Katz, Carlos Fajardo e Flávia Ribeiro. Nessa ocasião, centrei-me em seus processos de construção de obras e em suas relações com a psicanálise.

Quando concluí o Mestrado, outra questão surgiu: até que ponto a psicanálise serviria à leitura em profundidade da poética de um único artista, sem a preocupação direta com o processo de criação de uma obra específica?

Quis, então, me dedicar a uma pesquisa que abrangesse a obra de um artista como um todo e foi o início de tudo. Terminado o Doutorado, a Edusp se interessou por publicá-lo, o que para mim foi uma honra.

Luciana: Porque escolheu a artista Flávia Ribeiro?

Silvana: Eu conhecia o trabalho da Flávia de exposições e a admirava muito. Por isso ela foi uma das artistas que estudei no Mestrado. Com a proposta do Doutorado, a obra de Flávia novamente me interessou, pois ao pensar em tecer uma leitura poética da obra de um artista único, tomei como desafio encontrar um fio condutor para seus trabalhos executados no decorrer de vinte anos. São trabalhos elaborados com diferentes materiais, dimensões extremamente variadas e linguagens plásticas que vão da pintura, desenho, gravura à escultura. Isso, com certeza, despertou meu interesse. Porque aparentemente, a obra de Flávia é muito diversificada, dispare até, e o fio condutor com certeza está em sua coerência poética. É o que eu espero ter conseguido mostrar em Pelos poros do mundo.

Luciana: Como foi a experiência de acompanhar a artista?

Silvana: Foi muito rica. Tive a oportunidade de conviver com Flávia em seu ateliê por muito tempo. Contei com a generosidade dela, de abrir esse espaço para mim e vivi uma experiência única. Uma experiência de pesquisa, mas que trouxe uma aproximação muito grande entre nós. Tornamo-nos amigas. Eu pude entender melhor o seu trabalho e criei certa intimidade com as artes plásticas. E acho que ela descobriu uma maneira de ser psicanalista que contrariava todas as pré- concepções e preconceitos sobre psicanálise que muitas vezes os artistas têm.

Luciana: Quais as relações entre arte e psicanálise?

Silvana: Da maneira como eu entendo e pratico psicanálise, elas aproximam-se muito e de muitas maneiras. Mas vou me restringir ao que apresentei em Pelos poros do mundo.

Nesse livro, desenvolvi a ideia de que ao efetuar a leitura da poética de Flávia, tratava-se de um trabalho de curadoria. E penso que da mesma maneira poderia ser entendido o trabalho no consultório.

Veja, um curador de arte tem como tarefa produzir conhecimentos novos sobre a arte e sobre os modos de pensá-la. Ele busca um diálogo singular com o artista e sua obra para construir novos sentidos. Para isso, o curador é o depositário do signo do artista, usando as palavras do Paulo Herkenhoff. A partir daí ele vai tecer um discurso próprio; um recorte que vai evidenciar certas questões que a obra suscita para a leitura e algumas possíveis respostas. Ele cria um espaço de reflexão sobre a obra, possibilitando percepções de um mundo que já está ali, mas que pode ser outro. Percepções daquilo que só era possibilidade de sentido, até então.

Entendo o trabalho clínico de forma semelhante. O analista, na sessão de análise, abre-se à experiência de ser habitado pelo outro, como diz o psicanalista Thomas Ogden. Ao oferecer uma abertura em si mesmo, o analista recebe e pensa os pensamentos do paciente juntamente com os seus e, da mesma maneira, ao oferecer o que pensou ao paciente, possibilita aberturas no mundo dele.

Quando efetuei a leitura do universo poético de Flávia, o fiz por meio de um recorte pessoal, do singular para o singular, que só foi possível porque ela confiou em mim como seu depositário, porque se criou um campo transferencial.  Veja, todas as conversas que tive com a Flávia foram gravadas e transcritas. Você pode notar que no livro, organizo essas conversas em eixos que surgiram de minha leitura flutuante. Faço isso como na escuta psicanalítica, que, atenta à singularidade de cada paciente (ou a cada momento da análise do mesmo paciente), utiliza diferentes vértices psicanalíticos para tecer uma interpretação; os eixos de leitura que efetuo no livro adotam vértices psicanalíticos variados.

É nesse sentido que o trabalho do curador e o trabalho do psicanalista aproximam-se. Porque é tarefa da psicanálise construir um sentido para o que ainda não pode ser articulado, o que ainda é vir a ser. O analista também é um depositário do signo do seu paciente, a partir do qual produz com ele um conhecimento por meio da construção de uma leitura do que é do outro e que lhe foi confiado pelo outro, que nasce de um olhar aberto aos diferentes vértices teóricos, isento de uma grade interpretativa a priori – o que me parece fundamental para o exercício da psicanálise.

Luciana: O que é psicanálise implicada?

Silvana: Essa é uma maneira de trabalhar que aprendi com o meu orientador do Mestrado e do Doutorado, o João Augusto Frayze-Pereira. É uma maneira de trabalhar e de pensar que transforma o jeito da gente ser. Porque a psicanálise implicada na arte, compromete o leitor de maneira direta no trabalho de leitura. E não tem como alguém sair o mesmo da experiência.

Isso porque a psicanálise implicada, diferentemente dos exercícios de psicanálise aplicada, que usam a psicanálise como um molde ao qual o que é observado deve se conformar, utiliza o método psicanalítico para a leitura da obra. Ao fazer isso, ela insere o observador de modo encarnado no campo de observação, transformando seu inconsciente em instrumento de trabalho.  Ela implica o leitor “psicanaliticamente” na experiência. E como uma obra nos interroga, ao solicitar uma leitura, qualquer leitura sempre vai revelar os efeitos dessa obra sobre seu leitor. Não tem como ser diferente: toda interpretação põe em evidência tanto a obra quanto seu leitor.

Foi assim que eu trabalhei minha leitura da poética da Flávia. Precisa certa dose de coragem para se trabalhar dessa maneira. Mas para mim, não há possibilidade da psicanálise sem ser implicada, seja no trabalho com arte, seja com os pacientes no consultório. Trata-se de experiências onde todos os envolvidos saem transformados.

Luciana: De onde surgiu o título Pelos poros do mundo?

Silvana: Surgiu do próprio trabalho. Da pesquisa como um habitar-se um ao outro, através dos poros de cada uma: artista e psicanalista. E dos elementos da poética de Flávia: a gravura entendida de forma ampliada, como o registro do contato entre corpos, os trabalhos feitos em parcerias com outros artistas, sua obra posta no mundo por meio da porosidade dessas relações… Enfim, para saber mesmo, só lendo!

 

*Silvana Rea é Psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise, graduada em cinema e psicologia. Mestre e Doutora em Psicologia Social pela USP, publicou Transformatividade: uma aproximação entre psicanálise e artes plásticas, pela Anablume/Fapesp e Pelos poros do mundo: uma leitura psicanalítica da poética de Flávia Ribeiro, pela Edusp/Fapesp.

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Trocando de lugar – os estereótipos de gênero

Por Luciana Saddi
04/08/13 10:50

Mais uma demonstração do processo autoritário na construção da realidade!

Vejam a reportagem da revista Forum e o vídeo:

http://revistaforum.com.br/blog/2013/07/trocando-de-lugar/

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Anedotas do Isaías: os bebedores de cerveja ( escrito por J.B. de Souza Freitas)

Por Luciana Saddi
02/08/13 09:45

Seguramente o precursor na produção científica do pensamento psicanalítico brasileiro, Isaías Melsohn tinha cinco anos quando, vinda da Polônia, sua família aqui chegou (em 1945, ele se naturalizaria). Filosofia, poesia, literatura, cinema, teatro, música, artes plásticas: espírito renascentista, seu conhecimento era abrangente. Orador e mestre encantatório, sua produção escrita, pouco volumosa, foi poderosa. Disso é exemplo Psicanálise em nova chave (Perspectiva, 2002). A personagem de tal calibre, senso de humor não poderia faltar – nele sobrava. Suas anedotas e a maneira como ele as contava tornaram-se clássicas. Canhestramente tentamos a seguir reproduzir uma delas. Isaías nasceu em Lublin, em 1921, e morreu em São Paulo, em 2009.

 

No anoitecer do sábado, chegam os dois no boteco. Senhor de meia-idade e rapaz pelos seus vinte e tantos anos.

Sentam-se em frente ao balcão e atendidos são por garçom estreante na casa.

– Uma cerveja – pede o senhor.

Traz o novato garçom a bebida e mais dois copos.

Enche o rapaz os copos que numa só estalada são ingeridos.

O movimento inda nem começara e o garçom novato por ali fica.

– Você é de São Paulo? – pergunta pro rapaz o senhor.

– Sou – responde o rapaz.

– Eu também – repica o senhor.

– De que família é o senhor? – pergunta o rapaz.

– Sacramento da Assunção – responde o senhor.

– Ué, que coisa! – volve o rapaz. – Eu também sou da família Sacramento Assunção.

– Não diga! – espanta-se o senhor. E comanda:

– Garçom, mais uma cerveja.

Enchem-se os copos e o senhor retorna:

– Em que bairro você mora aqui em São Paulo?

– Moro na Liberdade – esclarece o rapaz estalando outro gole.

– Ah, ah, eu também! – garante o senhor estalando outro gole mais.

– Garçom – ordena o rapaz -, mais uma cerveja.

Traz o garçom a cerveja a mais pedida e por ali permanece.

– E… em que rua – indaga o senhor -, …em que rua você mora lá no bairro?

– Moro – esclarece o rapaz – na rua da Glória.

– Num pode ser – espanta-se o senhor -, eu também moro na rua da Glória!

– Em casa ou apartamento? – quer saber o rapaz.

– Apartamento – assente o senhor. – E você?

– Apartamento também – replica o rapaz.

– Garçom – pede o senhor -, mais iúma!

Traz o espantado garçom a quarta cerveja.

– I qualé o nome – interroga o rapaz – do prédio que o senhor mora?

– Sayonara – afirma o senhor.

– Brincadeira! – rejubila-se o rapaz. – Sayonara! O meu também chama Sayonara!

– I o númuro do prédio – inquere o senhor -, qui númuro tem o prédio?

– Númuro 142 – explica o rapaz.

– Qui cocha! – admira-se o senhor. – Gualzinho o do meu!

– Garchom! – bate palmas o rapaz. – Machi iúma cerveja.

Vem o esbugalhado garçom com mais outra.

– I o cheu apartamento – interroga o senhor – im qui andar é?

– O meu – soluça o rapaz -, o meu é no oitavo andarich!

– Chó faltava echa! – festeja o senhor. – O meu, hic!, também.

– Num diga, hic! – banga e balanga o rapaz

– Garchom! – garganteia o senhor. – Outra. Machi outra.

Outra destampa o garçom.

– Qui númuro é o apartamento hic! do chenhor? – o rapaz totalmente instável continua curioso.

– O meuche apartamento é o hic! 84 – igualmente instável comprova o senhor.

– Achi… – arrota o rapaz. – O meuche, hic!, também…

– Qui cocha, hic!, mucho loca! – surpreende-se o senhor.

Exato instante em que o garçom novato totalmente aparvalhado ante tão aparvalhante diálogo é alertado pelo proprietário do estabelecimento:

– Não esquenta não. Um é o pai e o outro é o filho. E todos os sábados é essa mesma lengalenga entre os dois.

 

 

 

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A neurose obsessiva

Por Luciana Saddi
31/07/13 09:52

A neurose obsessiva foi isolada dos diversos sintomas psiquiátricos por Sigmund Freud, entre 1894 e 1895.  Foi por ele compreendida como um quadro psiquiátrico autônomo e independente, da família das psiconeuroses. Portanto, originada no mundo mental, pelo psiquismo. Caracteriza-se por ideias estranhas e incontroláveis que atormentam incessantemente o sujeito e por constante luta contra esses mesmos pensamentos. Também se apresenta pela compulsão a realizar atos indesejáveis, rituais esconjuratórios e por um modo de pensar ruminante. Dúvidas e escrúpulos que levam a inibição do pensamento e da ação também fazem parte do quadro.

A neurose obsessiva se forma quando conflitos irremediáveis, recheados de afetos intensos e simultâneos de amor e ódio surgem e não se resolvem. Dá expressão à necessidade de controlar a vida pulsional, mas como é característico das formações sintomáticas, o tiro sai pela culatra e a defesa se torna adoecimento.

 Os mecanismos de defesa mais evidentes nesta neurose são: o deslocamento de afetos para ideias distantes da que originou o conflito, o isolamento e a anulação.

Imagine que uma jovem sensível tenha assistido a uma discussão entre seu pai e sua avó. No calor do embate, ao defender a  avó,  a jovem tropeça e derruba a velha senhora,  que quebra a perna. A jovem fica horrorizada, jamais quis machucar a avó. Poucos dias depois intercala a palavra: “desculpa”, em todos os inícios de frase. Passado mais um tempo, lava as mãos incessantemente, logo depois de falar, “desculpa”.

Para o inconsciente não existe o sem querer – por isso a moça falava desculpa e, ao mesmo tempo, lavava as mãos para se livrar da culpa. A ideia de ter sido agressiva foi isolada e a culpa assumida e anulada ao mesmo tempo. Ao interpretamos um complexo conjunto de sintomas, o modo de funcionar do psiquismo se evidencia.

Os psicanalistas hoje falam mais de estrutura mental obsessiva, do que de transtorno, o famoso TOC (transtorno obsessivo compulsivo).  Sabemos que a necessidade de ordem e limpeza constante, a dúvida sobre ter sido bom ou mal, a ambivalência dos impulsos, o ódio reprimido e as tentativas de controlar a realidade pelo pensamento, além de outros traços da personalidade, podem ser compreendidos pela tal estrutura mental obsessiva; que convenhamos se espalha na população em geral.

 

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