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por Luciana Saddi

Perfil Luciana Saddi é psicanalista e escritora

Perfil completo

Subjetividade e história

Por Luciana Saddi
16/09/13 09:13

“O homens fazem sua própria história, mas eles não fazem como bem entendem; não a fazem sob circunstâncias escolhidas por eles mesmos, mas sob circunstâncias diretamente encontradas, dadas e transmitidas pelo passado.”

Karl Marx – MECW, vol. 11, p103-4 Marx, Carl e Frederick Engels, collected Works vol.1 -50 (citado em Amor e Capital, de Mary Gabriel, ed. Zahar)

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Ich bin Adolf

Por Luciana Saddi
13/09/13 10:51

escrito por  J. B. de Souza Freitas

O aniversário de 70 anos da II Guerra Mundial tem propiciado a divulgação dos mais variados documentos referentes ao conflito. Tais os exemplos dos excertos a seguir, constantes de biografia não autorizada, a ser publicada por um consórcio de editoras do Azerbaijão, com data de lançamento ainda não definida. A versão completa em alemão gótico encontra-se disponível em www.zweitweltkrieg.hi.com

 

Nasci na cidade de Braunau am Inn que, posteriormente, em minha homenagem, passou a se chamar Braunau am Inn.

#

Infância, fase terrível. Tenho já quase seis anos de idade e ninguém ainda acredita em mim.

Vou deixar crescer um bigodinho.

#

Minha terceira semana de aula.

Uma força irresistível me levou a fazer um discurso aos coleguinhas, no qual lhes disse da necessidade urgente de um expurgo em nossa classe, no sentido de limpá-la da presença de representantes das raças inferiores.

Fui pilhado pelo mestre, que me deu um tapa no pé do ouvido, ao mesmo tempo em que exclamava: “Adolf, seu psicoticozinho!”.

Desastrado educador. Um dia Eu o despacharia para Treblinka.

#

Natal. Ganhei de presente um revólver de espoleta.

Destrocei-o a marteladas. Eu tinha pedido um canhão de 88 milímetros.

#

O diretor da escola me chamou hoje em seu gabinete.

Disse-me que não tenho jeito para línguas, sou fraco em ciências e história e péssimo em matemática.

− O que você pretende fazer da vida, menino?

Respondi-lhe que desejava ser artista, um grande pintor.

− Só se for um grande pintor… de paredes! – uivou ele, caindo numa gargalhada que fez balouçar seus 120 quilos de banha.

Gordo e balofo idiota. Em 1941 ou 42 estaria reduzido a pouco mais de 30 quilos de pele e ossos em Maidanek.

#

Com a certeza de ganhar, investi todas as minhas economias num bilhete inteiro de loteria.

Já sei até o que fazer com a grana. Compro um chalé nas montanhas, um apartamento em Berlim e passo a me dedicar somente a pintar e a gozar a vida.

#

A má sorte me persegue. Não ganhei nada. Sequer o mesmo dinheiro do bilhete. Acho que vou entrar na política.

#

Lancei as bases de um novo partido. Se pegar, estou feito.

#

Me encanaram. Justo agora que as coisas estavam começando a engrenar.

Mas já decidi o que farei na prisão com meu tempo livre (eh, eh, boa essa, hem!). Escreverei.

Tenho dúvidas apenas sobre o quê? Poesia. Um romance de aventuras à la Karl May? Um longo ensaio, recheado de referências e notas de rodapé?

#

Resolvi. Vou mandar ver um livro misturando ficção, política, economia, direitos do poder, teorias raciais, autoajuda e o diabo a quatro. Sobretudo o diabo a quatro.

O título tem de ser forte e sugestivo: Da prisão ao panteão? Melhor, Com vocês, Eu! Ou, talvez, Minha epopeia chegou. Quer saber, o editor que se vire.

#

Um povo, uma nação e um guia.

Ein Volk, ein Reich, ein Führer.

É isso aí, pessoal!

E o Führer sou Eu.

#

Dei hoje início à II Guerra Mundial.

Desta vez, ou vamos ou rachamos!

#

Pesquisam, abrem túneis e cavam buracos como marmotas para descobrir ouro, o vil metal amarelo.

Meu método e simplicíssimo e facílimo. Vou buscá-lo logo na fonte.

Isto é, nas obturações dentais de todos os impuros não-arianos.

#

Ordenei que administradores, gráficos, redatores, revisores e entregadores do semanário Herrenvolks fossem removidos para Birkenau.

Em sua última edição, o jornal estampou a palavra Führer em caixa-baixa e sem o devido trema.

#

O Papa é um chato. Mas como se veste bem.

#

Lá se foi minha esperança de trocar selos com Roosevelt.

Declarei guerra aos Estados Unidos.

#

Um cientista do nosso centro de pesquisas, Von Braun, apresentou um modelo de foguete que, segundo ele, tanto serve para ir para a Lua como para bombardear a Inglaterra e acabar de uma vez por todas com as discurseiras do Churchill.

Garanti-lhe que tudo bem. Senãozinho, porém: se o foguete não chegar nem em um lugar nem em outro, ele é quem fará uma viagenzinha para a frente oriental, ver como é bom ser bucha de canhão.

#

Abri uma conta numerada na Suiça.

Como dizia minha avó: quem guarda, tem.

#

Meu xará¹ fez questão de vir comunicar pessoalmente a 500.000ª execução no campo que atualmente supervisiona.

Muito gentil da parte dele.

(¹Trata-se, sem dúvida, de Karl Adolf Eichmann.)

#

Depois de dobrar a União Soviética, invadirei a América.

O plano está traçado. Será levado a efeito num domingo de verão.

Trinta divisões serão transportadas sigilosamente para Nova York. Ali, depois de um curso rápido de inglês – indispensável para qualquer eventualidade −, os homens serão distribuídos por todo o país.

No domingo, dia D, quando a americanada estiver feliz da vida fazendo churrasquinho de hambúrguer no quintal, meu pessoal começará a entregar telegramas que dirão simplesmente: “Tua mãe morreu. Venha imediatamente”.

Em menos de uma hora, creio, o país inteiro estará convulsionado.

#

Pode haver coisa mais brega que aquele bigodão do Stálin?

#

Vou completar 50 anos e es ist ein Hundewetter!²

Compus e cantei para o pessoal do bunker uma cançãozinha que começa assim: “Ninguém sabe a dor que eu sinto, dentro de miiim…”.

(²No original. Corresponde mais ou menos a “o tempo tá ruim pra cachorro”.)

#

Nessa altura do campeonato, vem a Eva reclamar que seu lápis para sobrancelha está reduzido a um toquinho.

#

Os russos estão chegando em Berlim.

Os americanos estão chegando em Berlim.

Todos os Aliados estão chegando em Berlim.

Desta vez eles não escapam.

#

Afirmei que o III Reich duraria 1.000 anos.

Durou 12 anos e 4 meses.

Errei por 9 séculos, 87 anos e 8 meses.

# #

 

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A mentalidade de dieta na História

Por Luciana Saddi
12/09/13 10:36

A mulher do século XIX é vista como uma eterna doente. A suposta fragilidade física das mulheres é argumento contra a profissionalização, contra a exposição das mulheres ao tumulto das ruas e à vida noturna, contra quase todos os esforços físicos, contra o abuso nos estudos, contra os excessos sexuais. A medicina da época apresenta as etapas da vida feminina como uma sucessão de crises temíveis, independentemente de qualquer patologia. Além da gravidez e do parto, a puberdade e a menopausa são consideradas “provações perigosas” e as menstruações, “feridas dos ovários que abalam o equilíbrio nervoso”. Todas as estatísticas provam que as mulheres sofreram, no século XIX, uma morbidez e uma mortalidade superior às dos homens. Justo na época das guerras napoleônicas, quando a mortalidade masculina cresceu enormemente.

A opinião pública e numerosos médicos incriminavam a fraqueza da ‘natureza feminina’, causa biológica eterna e universal, a justificar um fatalismo insuperável. A mortalidade das meninas, a partir dos cinco anos, em todos os países ocidentais no período oitocentista, aumenta. As causas confundem-se com as próprias “precauções” justificadas pela dita fragilidade feminina: uma vida menos sadia, alimentação insuficiente a pretexto de ser “mais leve” (a exclusão de carnes vermelhas na dieta das meninas era hábito corrente), falta de exercícios físicos e ar puro – as meninas viviam trancadas em casa – freqüência baixíssima de banhos em nome do pudor (uma vez por mês depois do período menstrual) além de, uma negligência maior nos cuidados maternos e uma acolhida pouco calorosa, desde o nascimento.

Pela descrição acima podemos entender de que forma ocorreu e ocorre o controle social sobre o corpo feminino. Antes éramos doentes. Hoje, não há mulher que não se sinta gorda e feia – não importa seu peso ou medidas.

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Ciúmes dos irmãos

Por Luciana Saddi
11/09/13 10:22

Quando os irmãos chegam, ou mesmo quando uma criança se sente ameaçada com a vinda de primos e amigos, o que está em jogo é a disputa pelo amor dos pais.

Imagine o que você sentiria se seu marido voltasse do trabalho trazendo outra mulher e lhe dissesse: – meu bem, te amo tanto que resolvi trazer mais uma esposa para casa!

É assim que muitas crianças se sentem diante da vinda de um novo irmão. Sentimentos de raiva, de menos valia e medo de perder o lugar já conquistado prevalecem. Com o passar do tempo sentimentos de amor podem se fazer presentes.

A chegada dos novos rivais não aguça apenas a forte rivalidade infantil, aguça também a ambivalência entre o amor e o ódio, aumentando ainda mais o sofrimento daquele que se viu ameaçado pela perda do amor dos pais.

Por mais raiva que a criança sinta desse pequeno irmão ou grande rival, ela também o ama e também percebe que seus pais esperam dela um sentimento bom e de cuidado para com o recém-chegado.

Fortes conflitos entre o amor e os impulsos agressivos levam ao sentimento de culpa e ao desejo de oferecer alguma compensação por um dano real ou imaginado.

Na vida adulta encontramos essa mistura de sentimentos não apenas em relação aos nossos irmãos, também em nossas relações sociais e no desejo de compensar e reparar tão forte para algumas pessoas. Muitos dos nossos comportamentos são moldados nos padrões infantis, nascidos de conflitos poderosos quando os sentimentos eram vividos de forma absoluta e sem disfarce algum.

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Pré-conceitos e bigornas

Por Luciana Saddi
10/09/13 09:48

Internauta: Tenho 23 anos, e iniciei um relacionamento com uma mulher de 32. Aparento ser mais velho e ela mais nova. Temos uma relação saudável, boas conversas e a química tem dado certo. Porém, ela sempre teve preconceito em se relacionar com uma pessoa mais nova, mas, surpreendendo-a com a minha maturidade. No entanto, a idade tem sido um empecilho. Mesmo ela sendo uma pessoa independente, que mora sozinha e ganha muito bem, como eu – que já iniciei minha independência e tenho uma condição de vida estável – ela se diz em dúvida, e tem vergonha de me apresentar para a família e me assumir para a sociedade.

Luciana: Há muitos anos atrás uma adorável garotinha, de 10 ou 11 anos, me disse que iria se casar com um moço chamado Gustavo, moreno, de olhos azuis, no Havaí e que teria cinco filhos. Perguntei como ela sabia o futuro, e se o Gustavo não aparecesse? Ela me respondeu que, então, se casaria com um Henrique, loiro de olhos verdes, em Londres e teriam seis filhos. A garotinha não foi capaz de questionar sua ideia fixa e imutável, mudou o nome do noivo, o local da cerimônia, a quantidade de filhos, mas não abriu mão das “certezas bigornáticas” – transformou o desconhecido em conhecido. Aboliu o medo do futuro, o medo de não ser capaz de realizar seus sonhos.

Os pré-conceitos funcionam como bigornas caindo em nossas cabeças. Ideias pré-formadas sem base experiencial podem impulsionar a vida e, muitas vezes, até parecem protetoras, quando ligadas a sonhos e desejos antigos, mas podem se tornar verdadeiras prisões se dominadas pela rigidez e inflexibilidade. São um dos maiores impeditivos para aprendermos com a experiência.

 

As três palavras mais estranhas

Quando pronuncio a palavra Futuro,
a primeira sílaba já se perde no passado.

Quando pronuncio a palavra Silêncio,
suprimo-o.

Quando pronuncio a palavra Nada,
crio algo que não cabe em nenhum não ser.

Wislawa Symborska

 

Dica: Ondas do destino, filme de Lars von Trier. Qual a diferença entre uma ideia delirante de salvação, advinda do desespero, e um preconceito?  

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Fé e Razão - dois universos, que ora se opõem, ora se complementam.

Por Luciana Saddi
09/09/13 09:44

“Como podemos pensar, atualmente, a questão, Fé e Razão, considerando a decadência das religiões ao lado da proliferação dos fanatismos religiosos com suas guerras santas? Hoje a globalização, a economia capitalista de mercado, o excesso de consumo, a tecnologia, o anonimato urbano e o desenraizamento generalizado com o declínio das autoridades públicas e religiosas deixam os indivíduos confusos, sem os referenciais estáveis que lhes permitiam encontrar respostas. Como reinventar novas inscrições dotadas de valor humano? Como dar valor à experiência espiritual dos indivíduos, sem cair nas interdições do pensar praticadas pelas diferentes instituições religiosas? É possível a construção de uma cosmogonia atual que leve em conta as últimas descobertas da ciência?” 

O questionamento acima estava na carta-convite da Revista Ide, número 56. Conversamos com José Canelas*, editor da Ide, sobre a escolha do tema e sobre o conteúdo da Revista.

Luciana: Como foi que surgiu o tema, Fé e Razão?

Canelas: As escolhas de tema na Ide se fazem em reuniões do Corpo Editorial, nas quais tentamos delimitar um assunto que seja atual e que tenha alguma interface com a psicanálise. O tema da “espiritualidade” era caro a mim desde o início da minha função como editor da revista. Dessa vez, pensamos que seria muito interessante além da fé, incluir a razão. Trata-se de um tema que remonta à Antiguidade, mas hoje os conflitos decorrentes das diferenças e dos fundamentalismos religiosos torna o tema ainda mais atual. Poderíamos ter preferido “religião e ciência”, por exemplo. No entanto, ao escolhermos “fé e razão” tivemos a intenção de abrir uma perspectiva interessante para a reflexão dos psicanalistas. Em “fé e razão” estamos mais próximos do funcionamento psíquico que estaria por detrás da religião e da ciência.

Luciana: Quais as relações entre psicanálise e fé?

Canelas: Freud escreveu um livro (O futuro de uma ilusão, 1927), entre outros artigos, no qual desenvolve uma reflexão sobre a religião e sua função de “ilusão”. Já a fé tem relação com a crença, a convicção absoluta em algo, sem necessidade de provas. 

Freud também fala do “tesouro de representações” criado pelas tradições religiosas. Esse tesouro psíquico nasceria da necessidade de “tornar suportável o desamparo humano, [representações que são] edificadas a partir das lembranças do desamparo da própria infância e do gênero humano”.

Penso que hoje em dia podemos falar que a espiritualidade e a religiosidade são tão necessárias para o ser humano quanto as funções digestiva ou cardíaca. Assim, vários psicanalistas já abordaram a questão da crença, a qual tem uma relação próxima com a fé, no sentido de “se ter fé em algo”.

Luciana: Quais as diferenças entre razão e ciência?

Canelas: A ciência constitui um corpo dinâmico e heterogêneo de conhecimentos sobre diferentes aspectos da natureza. A razão, em uma primeira definição, aponta para uma função e uma capacidade psíquica. Isto é, algo do intrapsíquico. É necessário diferenciarmos razão e racionalização. Esta última é definida pela psicanálise como um mecanismo de defesa. Por exemplo, ficar evocando numa sessão de análise uma série de questões racionais sobre determinado tema, para evitar entrar em contato com uma dimensão afetiva inconsciente que está ligada às fantasias inconscientes.

Luciana: A psicanálise nasce do projeto racional e cientifico da modernidade, mas a ideia que Freud nos traz do inconsciente dominando a vida psíquica coloca em crise tal projeto. Mais de cem anos se passaram, como você vê a psicanálise hoje?

Canelas: Continuo muito satisfeito com a ideia de Freud de um sujeito que não é todo, que é produto de uma “vida psíquica” inconsciente. A dimensão do julgamento racional é fortemente influenciada pela dimensão afetiva inconsciente. Isso dá uma base sólida à psicanálise, uma vez que ela é uma disciplina que estuda as formações do inconsciente e sua influência na cultura humana. Nesse sentido, passados mais de cem anos, penso que a psicanálise ainda é mais importante que em seu início, dados todos os horrores que a “racionalidade científica moderna” não conseguiu impedir desde o século XIX até hoje (vide tantas guerras e a contribuição das ciências para com as mesmas).

Luciana: É possível conciliar a religião do analista com sua prática psicanalítica?

Canelas: Essa pergunta toca a questão da neutralidade do analista. A religião, assim como as convicções políticas, morais e ideológicas do analista sempre podem interferir em sua escuta. Se, por um lado, o analista não é um ser apático e sem convicções, por outro ele deve ser submetido a uma psicanálise pessoal bastante longa e aprofundada, para conseguir manter a neutralidade e a atenção flutuante em sua escuta do analisando.

Luciana: O que o leitor encontrará nesse numero da Revista IDE. Alguma surpresa?

Canelas: O leitor, estou convencido disso, vai poder aprender muito sobre o tema. Isso começa por uma surpresa que inventamos para esse número. Obtivemos os direitos para um texto até o momento inédito no Brasil, do filósofo Leo Strauss. Esse texto faz uma ampla reflexão sobre as religiões desde a antiguidade grega até as grandes religiões monoteístas do mundo ocidental. Além disso, temos vários artigos temáticos de psicanalistas, teólogos, filósofos. A revista também apresenta uma parte consagrada aos artigos não temáticos, na qual há, entre outro um excelente artigo sobre a cultura do “rap” e do hip hop e a situação dos jovens das periferias das cidades brasileiras.

Enfim, gostaria de convidar todos os leitores desse Blog para virem ao lançamento da Ide, que ocorrerá no sábado, dia 14/9, às 11h30, no Auditório Sigmund Freud da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, na Rua Cardoso de Melo, 1450, mezanino, Vila Olímpia. Nessa ocasião, o psicanalista e Professor Titular do Instituto de Psicologia da USP, Gilberto Safra e o Professor Doutor da Faculdade de Filosofia da USP, Mário Miranda, falarão brevemente sobre o tema e em seguida teremos um debate com a plateia.

Será um prazer recebê-los nessa ocasião, caro leitor!

*José Martins Canelas Neto é analista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.

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Poema para o sentimento de solidão e impotência

Por Luciana Saddi
05/09/13 10:38

Mundo grande

Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito,
por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.

Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.

Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens,
as diferentes dores dos homens,
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem… sem que ele estale.

Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
tão calma, não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! Vai inundando tudo…
Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos – voltarão?

Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro
como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam.)

Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.

Outrora viajei
países imaginários, fáceis de habitar,
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.

Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia
de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor.

Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode.
– Ó vida futura! Nós te criaremos.

Carlos Drummond de Andrade

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Sentimento de solidão

Por Luciana Saddi
04/09/13 09:52

Não me refiro à situação objetiva de estar sem companhia, sem parentes, amigos ou familiares, refiro-me ao fato de que, muitas vezes, estamos rodeados de pessoas, no entanto, prevalece um sentimento interior de solidão. Podemos nos sentir sós mesmo quando estamos entre amigos e até mesmo quando recebemos amor.

É possível que esse sentimento de solidão seja resultante de uma ânsia por viver um relacionamento perfeito e inalcançável. E nos remete aos primeiros meses de vida, quando houve uma comunicação íntima, direta, como se fosse de inconsciente para inconsciente com a mãe ou cuidadores amorosos e compreensíveis.

Parece ser esse o alicerce pré-verbal para a vivência adulta de ser compreendido e compreender.

A compreensão imediata, sem palavras, absoluta, permanece como resto desses primeiros tempos da vida e se torna um desejo incessante a partir da infância. Por mais gratificante e prazeroso que seja expressar pensamentos e sentimentos para alguém com quem temos afinidade e correspondência, ainda esperamos encontrar um tipo de comunicação quase mágica.

Cuidado com o que deseja, pois esse anseio, aumenta o sentimento de solidão e pode elevá-lo às alturas. Melhor seria se conformar com o trabalho que a comunicação exige e acreditar que a torre de babel faz parte da aventura de viver.

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Amamentação e Psiquismo

Por Luciana Saddi
03/09/13 12:27

A amamentação é uma das principais experiências que ocorre na relação entre o bebê e a mãe. Une a saciedade ao prazer e possibilita que a intimidade na dupla mãe/bebê se instale. Perturbações nesse vínculo inicial se refletem em dificuldades na hora de amamentar.  Diversos psicanalistas se dedicaram ao estudo dessa etapa da vida e possibilitaram estratégias de intervenção, visando construir um espaço de segurança e confiança entre mãe, bebê e pai. Vamos conversar com a psicanalista, Denise Feliciano*,  coordenadora do curso, Amamentação e Psiquismo: Reflexões**.

 

Luciana: Como se interessou pelo estudo da amamentação em relação ao psiquismo?

Denise: Ao me tornar mãe há quase 18 anos e frequentar o universo de mães e bebês, percebi que amamentação era uma conquista delicada e complexa, muito diferente do tom de simplicidade que a mídia pró-amamentação queria transmitir. Assisti cenas que expressavam um grande desencontro e sofrimento da dupla mãe-bebê que me levaram a pesquisar sobre o tema, na intenção de que o saber psicanalítico pudesse ajudar essas mulheres.

Freud, em 1893, foi chamado a ajudar uma mulher com dificuldades de amamentação. Ela apresentava pouca produção de leite e dores quando o bebê era colocado para mamar, além de inapetência e insônia. Esses sintomas já haviam aparecido anteriormente, quando o primeiro filho nasceu, ele foi entregue aos cuidados de uma ama-de-leite. Após ser submetida a sessões de hipnose ela pôde amamentar satisfatoriamente por oito meses.

À medida que fui pesquisando constatei que havia uma grande luta dos setores de saúde pública para evitar o elevado índice de desmame precoce (1º mês de vida). O mais intrigante foi saber que o insucesso na amamentação é uma herança de séculos e não uma consequência da agitada vida contemporânea das mulheres, como tantas vezes se escuta dizer. Pensei: por que tanta dificuldade em amamentar? Por que as campanhas e os inúmeros esforços dedicados à conscientização e treino das mães não são suficientes? Levantei a hipótese de que haveria fatores psíquicos que poderiam estar relacionados ao sucesso ou insucesso da amamentação.

Luciana: Quais as principais descobertas da psicanálise nessa área de estudo?

Denise: No que diz respeito às reverberações da amamentação no psiquismo feminino há várias. É importante ressaltar que são inconscientes e por isso causadores de sentimentos dolorosos de impotência e auto-desvalorização:

  • O artigo citado acima mostra que a vontade consciente não determina o sucesso da amamentação. Essa paciente confessou seu descontentamento ao perceber que a hipnose havia conseguido o que ela sozinha, com toda sua vontade, não havia conseguido. Freud com o tempo abandonou a prática da hipnose por ter se mostrado insuficiente para gerar mudanças mais significativas no mundo mental. Entretanto, esse caso ilustra que os fenômenos intrapsíquicos da mãe influenciam o amamentar.
  • Hélène Deutsch, em 1951, interessou-se sobre a psicologia da mulher e da maternidade. Em um estudo pormenorizado sobre a lactância mostra que as dificuldades de aleitar têm relação com conflitos inconscientes oriundo das experiências da mãe enquanto bebê (experiências não elaboradas), que são atualizadas na relação com o filho e com fantasias relacionadas à sexualidade. O seio, antes de ser um representante nutricional, ocupa na sociedade ocidental um importante lugar na sexualidade feminina. De modo geral, há uma negação desse aspecto, provocando na mulher sentimentos de culpa por sensações que são vividas como intoleráveis.
  • Mary Langer em seu livro, Maternidade e Sexo (1981), também investigou o tema. Afirmou que e a culpa em viver a amamentação de maneira satisfatória e prazerosa faria com que muitas mulheres desenvolvessem fissuras e infecções – como forma de proteção psíquica e autopunição, uma sabotagem do superego ao prazer.
  • Mas nem tudo depende da mãe. Middlemore, psicanalista inglêsa, na década de 40, interessou-se pelo vínculo na amamentação, considerando que a dinâmica da amamentação pode afetar a criança para toda a vida. Num estudo sistemático sobre o psiquismo na situação amamentar, observou muitas duplas e descreveu o processo de interação de acordo com características de personalidade tanto da mãe quanto do bebê, atribuindo a responsabilidade do sucesso de acordo com as possibilidades psíquicas de ambos.
  • A importância da amamentação para o vínculo mãe-bebê foi amplamente descrita por Winnicott, que afirmou que uma amamentação bem sucedida, que estaria relacionada a um vínculo de prazer mútuo, seria a grande riqueza do início de vida.
  • Melanie Klein em um artigo de 1936 também afirmou que ao lado de todas as dinâmicas simbólicas ligadas ao seio, a amamentação concreta teria importância fundamental na vida mental da criança, mas tudo dependerá das possibilidades da dupla mãe/bebê.

Luciana: Como usar as contribuições da psicanálise no trabalho prático com a dupla mãe/bebê?

Denise: Esses estudos permitem que tenhamos uma escuta para os aspectos inconscientes, subjacentes às dificuldades de encontro da dupla. Transtornos na amamentação comprometem o vínculo familiar. Entrar em contato com os afetos e fantasias inconscientes relacionados a esse período, permite maior fluidez emocional no casal parental, isso repercute no bebê.

Luciana: Você poderia nos contar alguns casos de intervenção psicanalítica para que o leitor entenda o trabalho que realiza?

Denise: Em geral, o pediatra encaminha a família após esgotarem-se os recursos referentes à adaptação da dupla e manejo do aleitamento. Muitas vezes, ele já percebe haver dificuldades de ordem emocional nas consultas de puericultura.

Certa vez fui ver uma mãe que já tinha tido três crises de mastite, o que surpreendeu a pediatra, que supôs haver um forte componente emocional na raiz dessas infecções. De fato, em nossos encontros conversamos sobre fantasias muito primitivas que estavam relacionadas à sua própria relação infantil com os pais e com o marido. Essa moça não conseguiu amamentar mais que seis meses, mas após a intervenção psicanalítica encontrou maneiras menos persecutórias de interação com seu bebê. Nem sempre a intervenção favorece a manutenção da amamentação concretamente, porque muitas vezes as dificuldades são relacionadas a esferas muito profundas do psiquismo, que só uma análise poderia acessar. O objetivo do trabalho é contribuir para que pai-mãe-bebê desenvolvam um vínculo de trocas afetivas.

Luciana: Qual o lugar do pai quando todas as atenções da mulher se voltam ao bebê, como ajuda-lo a enfrentar esse momento?

Denise: Lembro-me de uma família que comecei a atender quando o bebê estava com dois meses e quase desmamado. No primeiro encontro surgiu um traço competitivo entre o pai e o bebê pela atenção da mãe. Esse pai, extremamente dedicado, sentia-se menos valorizado que a mãe, pois considerava suas funções como sendo secundárias em relação aos cuidados com o bebê. A amamentação potencializava inconscientemente esse sofrimento e reverberava na mãe, que apresentava  diminuição do leite e no bebê, que não mamava bem. Quando pudemos conversar sobre esses sentimentos inconscientes, o sintoma se desfez e a amamentação seguiu muito bem, por mais de 1 ano. O pai ao tomar consciência de suas próprias dificuldades procurou uma análise para si, o que permitiu uma dinâmica familiar muito mais prazerosa para todos.

Luciana: E o desmame? O que devemos saber ou fazer para que essa etapa não se torne traumática?

Denise: O desmame é tão fundamental quanto à construção da amamentação, pois marca uma importante etapa de individuação na constituição da subjetividade. Para tanto é necessário que possa acontecer dentro de um tempo que não seja nem precoce e nem tão longo, que impeça o desenvolvimento necessário da autonomia. Quando a amamentação é coadjuvante de um vínculo bem constituído e saudável, o desmame acontece de modo gradativo e sem traumas para ambas as partes. Dificuldades nessa etapa também merecem a atenção de uma intervenção psicanalítica.

Luciana: Seu curso não é voltado exclusivamente para psicanalistas, abrange profissionais de outras áreas de saúde, por quê?

Denise: O objetivo do curso é desenvolver o olhar e a escuta do participante para compreender a complexa dinâmica que envolve a amamentação. Além dos aspectos psíquicos é preciso considerar a forte influência de fatores socioculturais. O profissional que está ao lado da família, nesse momento tão delicado, precisa respeitar os desencontros e limites da dupla amamentar. Muitas dificuldades tornam-se mais agudas e traumáticas pela falta de sensibilidade de alguns profissionais, que não sabem como ajudar e deixam as mulheres sozinhas com sentimentos de frustração e impotência.

A indiscutível qualidade do leite materno em suas características nutricionais e imunológicas leva, muitas vezes, alguns profissionais a insistências e cobranças para que a mãe amamente, quando, nem sempre, há condições psíquicas para isso. O reducionismo de associar a mulher à fêmea mamífera e o aleitamento a um suposto instinto materno tem causado desastres e marcas profundas para muitas mulheres e seus filhos.

 

*Denise de Sousa Feliciano é Psicóloga e Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise de Criança e Professora do Instituto Sedes Sapientiae; Doutora em psicologia pelo IPUSP-SP, especialização em Psicopatologia do Bebê pela USP e Université Paris 12; Membro Filiado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de SP; formação em Observação da Relação Mãe Bebê pelo Instituto da SBPSP; Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria e dos Departamentos de Saúde Mental e Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de SP.

Dissertação: A amamentação e seus enredamentos psíquicos.

Tese: Para além do seio: uma proposta de intervenção psicanalítica nas dificuldades de amamentação.

denisefeliciano@uol.com.br

** Destina-se a Pediatras, ginecologistas, obstetras, enfermeiros, psicólogos e demais profissionais de saúde materno-infantil. Início 13/09. Maiores informações no site:  http://www.sedes.org.br/ ou tel. 3866-2730.

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Espelho, espelho seu

Por Luciana Saddi
02/09/13 19:24

Mais uma crônica minha no site, Visonari:

 

http://visionari.com.br/atitude/cronicas/luciana-saddi/item/485-espelho-espelho-seu

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