Diante das demandas de performance, das sofisticadas tecnologias de comunicação e da rapidez com que os estímulos se apresentam, como o indivíduo pode se apropriar de sua experiência? Como transformar o excesso de estímulos em vivências significativas e plenas de sentido?
A III Jornada de Psicanálise e Educação: O tempo e o sujeito da experiência na era dos excessos busca maior compreensão a respeito de como somos impactados pelo excesso em suas diversas manifestações e pretende refletir sobre as formas de lidar com os desafios do mundo contemporâneo.
Um vídeo do educador, Ken Robinson, acompanhado por comentários de Heloisa Gurgel Rosenfeld, Membro filiado do Instituto da SBPSP, abrem a III Jornada. Vamos conversar com a psicanalista, Heloisa Helena Sitrângulo Ditolvo, uma das organizadoras do evento.
Luciana: Como surgiu o tema da Jornada?
Heloisa: Surgiu no primeiro encontro do grupo que organiza a III Jornada Conversamos a respeito do livro do Tales Ab’Saber, “A música do tempo infinito”, onde fala de um tempo infinito que nunca se esgota. Ele se referia a uma danceteria na Alemanha onde a balada pulsava quase que diariamente, entorpecendo seu público. Ele diz “ É uma festa intensa, que deseja não terminar jamais”. A partir daí, numa rede associativa, foi surgindo a questão da aceleração do tempo, a dificuldade de elaboração num tempo tão acelerado e a questão do excesso. O excesso de estímulos, o excesso de demandas, o empobrecimento psíquico cada vez mais observado nos consultórios, as patologias do vazio, o sofrimento precoce de nossas crianças e jovens com o paradoxo entre o idealizado e as reais insuficiências.
Luciana: Qual a relação entre psicanálise e educação?
Heloisa: Quanto a relação da Psicanálise e Educação, antes de mais nada, são duas profissões impossíveis. E, como bem coloca a filósofa Olgária Matos na entrevista para a Revista Brasileira de Psicanálise, tanto uma como outra são esperanças de transformações possíveis para o ser humano. Ela nos diz que ser professor não é uma profissão, é uma vocação. Podemos dizer o mesmo dos profissionais da psique. Ambos estão em busca do desenvolvimento. O conhecimento demanda profundidade, apego, vínculo, desejo e livre pensar. A psicanálise e a educação são facilitadores na formação de um campo fértil, que aproxime o sujeito do ato criativo. Ambas estão comprometidas na construção de lugares produtores de sentido, de narrativas e em última análise, na construção do humano.
Luciana: Qual a contribuição da Psicanálise para o tratamento dos problemas de aprendizagem?
Heloisa: Muitos problemas de aprendizagem estão calcados em questões emocionais e a medida que o trabalho analítico avança, muitas vezes, a criança ou mesmo o adolescente – estando mais livre – torna-se mais criativo e até mais “inteligente”.
Naturalmente somos curiosos, temos um impulso pela busca de conhecimento, porém o não saber nos coloca no terreno do estranho, do desconhecido. É preciso tolerar o desconforto, certa angústia e sustentar-se num tempo particular necessário, para que haja uma experiência carregada de significado e de sentido. O que era desprazer se transforma em prazer. O conhecimento é muito prazeroso e nos lança novamente em direção ao desconhecido, em busca da próxima descoberta. O aprender desperta ainda mais a curiosidade.
Quando esse processo é truncado por qualquer fator psíquico ou ambiental, a criança e o jovem acabam criando mecanismos defensivos que não permitem o desenvolvimento natural de suas potencialidades. Evitam o confronto e, por vezes, se alienam de si mesmos.
O que era satisfação passa a ser traumático, no sentido da repetição de algo que está aquém do aparato psíquico da criança ou do jovem.
Luciana: Qual a diferença entre atender as demandas de performance, numa sociedade baseada na informação, e a apropriação da experiência?
Heloisa: Em nossas discussões sobre a apropriação da experiência falamos a respeito do tempo como um fator que promove a incorporação; é quando a educação e a psicanálise de novo se imbricam, pois o tempo é fundamental para que as informações sejam “deglutidas”, elaboradas para se transformarem em experiência . Discutimos também como o excesso de informação torna o conteúdo superficial e fragmentado.
Sofremos a demanda de produção cada vez mais acelerada, temos que atingir metas e superá-las o que nos condena à vivências de permanente impotência e insuficiência. E assim nos distanciamos cada vez mais das metáforas, do simbólico e das fantasias, ou seja, da nossa própria natureza.
O sujeito da experiência é aquele que está aberto à sua própria transformação, com nos fala Jorge Bondia. Mas não conseguimos nos apropriar da nossa vida, num fluxo contínuo, sem pausa.
Luciana: Como transformar o excesso de estímulos em vivências significativas e plenas de sentido? E qual destino dar a essas vivências?
Heloisa: A mente humana tem seus limites. Quando há um excesso de estímulos, existe um quantum que não estava sendo esperado ou que, no caso da mente, ela não está preparada para receber. No desenvolvimento normal, a mente cria , como Freud diz, um “escudo protetor contra as excitações vindas de fora” , defendendo-a da angústia. Penso que a ideia de transformar o excesso de angústia liga-se a ideia de proteção, a psicanálise, nesse sentido pode ajudar a elaborar e construir possibilidades internas de lidar com o excesso de estímulos. Da experiência bruta, que não pode ser temporalizada, criar recursos mentais internos para a temporalidade, historicidade, onde, a experiência gera sentido, possa alimentar e não ser fonte de angústia.
Luciana: Por quê a escola parece estar cada vez mais distante do aluno?
Heloisa: Não será porque ainda oferece um modelo que, por vezes, não faz uso do potencial inovador que existe nas novas gerações e como diz o educador britânico, Ken Robinson, massifica e tenta criar alunos em série, padronizados. Aqueles se agitam, são medicados cada vez mais e acalmados em suas tensões. Mas como pode haver criação sem tensão?
E como pode haver interesse numa estrutura antiga, que apesar de todos os avanços sociais, culturais, e tecnológicos, ainda não se aculturou e mantém as exatas formatações de classe e de séries. Com passividade, repetições, ausência de críticas e pouca criação de conteúdo.
As escolas poderiam ou deveriam produzir um espaço democrático, ético e respeitoso. Como diz Rubem Alves, “A semente do pensamento é o sonho”.
Luciana: O que é vanguarda na área de ensino hoje?
Heloisa: Educação de vanguarda é o que o educador José Pacheco vai nos apresentar com sua experiência como idealizador da Escola da Ponte, uma referência mundial na área da Educação. Rubem Alves conta que quando foi a Portugal conhecer a Escola, uma aluna de 11 anos foi quem o acompanhou nesta visitação, fato que o deixou encantado e surpreso. Essa menina estava apta a falar de sua escola, era dela, havia um comprometimento e um vínculo profundo com aquele espaço acolhedor e de respeito. Ela conhecia a escola. Não será esse o prazer do conhecimento, do saber?
A relação profunda do professor e aluno numa vivência comum de descoberta, de confiança, de troca e de busca de sentido. Só podemos dizer que conhecemos algo, quando somos tocados afetivamente. Quando nos comprometemos e investimos. Quando podemos sonhar e criar os objetos.
Luciana: A quem se destina essa jornada?
Heloisa: Essa jornada se destina a psicanalistas, psicólogos, educadores, filósofos, profissionais da saúde, estudantes universitários dessas áreas e profissionais da rede pública de ensino. E também para quem se dispõem a participar de um diálogo sobre questões como: o excesso de estimulação; a relação das novas tecnologias com a formação da subjetividade, o tempo e o ritmo; o prazer e as insuficiências.
Pretendemos criar um espaço que nos aproxime, que comporte um debate informal, livre e criativo. Somos agentes e reféns dos tempos modernos, somos pais, somos cidadãos. Quem não se surpreende com os anos que passam cada vez mais acelerados, nos dando a impressão de que não os percebemos e quando nos damos conta, passou?
Onde: Av. Dr. Cardoso de Melo, 1450 – 9º andar
Quando: dia 5 de outubro próximo
Horário: a partir das 8:30 horas.
Inscrição: (11)2125.3777
Taxa:
Profissionais – R$ 100,00
Estudantes – R$ 65,00
Profissionais da Rede Pública de Ensino – R$ 55,00
Serão apresentadas três mesas:
A primeira cujo título é A construção do simbólico e o excesso de informação, está composta pelo psicólogo e educador, Lino de Macedo, que há anos desenvolve um brilhante trabalho na área da Educação tendo participado das concepções do ENEM, do novo currículo escolar da Escola Fundamental II e do Ensino Médio do Estado de São Paulo. Macedo interroga Onde e com quem estão conhecimento e saber, hoje?
A psicanalista da SBPSP, Leda Maria Condeço Barone, Doutora em Psicologia Escolar nos fala sobre o Excesso, trauma e simbolização. Leda tem seu percurso pautado pela interlocução da psicanálise com a educação. É professora de Pós-Graduação em Psicologia Educacional do Centro Universitário FIEO.
A segunda mesa, Mudança de paradigma e a constituição da subjetividade, conta com o educador José Francisco de Almeida Pacheco, criador e diretor por muitos anos da Escola da Ponte em Portugal, referência mundial de um conceito vanguardista de educação. Vai nos apresentar, Educação integral em comunidades de aprendizagem.
E Gina Khafif Levinzon, psicanalista da SBPSP, traz como tema a Educação, maturidade emocional e tempos atuais. Gina é professora do Curso de Especialização em Psicoterapia Psicanalítica na USP e tem no exercício da clínica psicanalítica um vasto campo de experiência e conhecimento do universo infantil.
A terceira mesa, O tempo e a fragmentação da experiência tem a Filósofa Olgária Matos que nos apresenta o Malestar na temporalidade e aceleração. Olgária é Professora Titular Livre-Docente do Departamento de Filosofia da USP e uma estudiosa do iluminismo e da escola de Frankfurt.
E Maria Bernadete Amêndola Contart de Assis, psicanalista da SBPSP, finaliza o evento com Ameaças à constituição da subjetividade. Bernadete é Doutora em Psicologia escolar e tem em sua trajetória profissional uma permanente aproximação com a educação.
Comissão Organizadora: Heloisa Helena Sitrângulo Ditolvo, Heloisa Gurgel Rosenfeld, Marina Kon Bilenky e Silvia Martinelli Deroualle.
Este evento faz parte da Diretoria de Atendimento à Comunidade, cuja diretora é Regina Elisabeth Lordello Coimbra.