A paixão é um tipo de ilusão, e o amor?
29/08/12 12:35O sentimento intenso de fusão está na base do apaixonamento – perder-se no outro diriam os poetas. Por isso os apaixonados inventam coincidências. São gordos? Coincidência. Descendentes de japoneses? Coincidência. As famílias imigraram há 200 anos da mesma cidade do Líbano? Coincidência. Gostam da mesma cor? São ruivos? Suas mães têm a letra C no nome? Tiraram as amídalas na infância? Seu filme predileto é estrelado pelo ator que ela mais odeia? Quanto mais coincidências mais intensa se torna a invenção.
Os apaixonados se sentem capazes de tudo, de superar tremendos obstáculos, de fazer sacrifícios descomunais. Tudo é superlativo na paixão, que pretende agir como um antidepressivo potente, mas que pode encobrir um grande vazio e enorme desamparo.
A paixão é um tipo particular de ilusão, pois é comum confundirmos desejo com realidade. É impulsionada pelo urgente necessidade de completude e costuma atribuir importância descomunal ao destinatário de tantos sentimentos. Resiste à realidade, gera perseguição, medo e loucura – não apenas prazer intenso. Funciona como uma droga excitante – algumas pessoas buscam estar num contínuo estado de apaixonamento, pois precisam disso para viver da mesma forma que um viciado precisa de sua droga.
Os apaixonados se tornam submetidos ao objeto da paixão, comportam-se como se estivessem diante de um Deus todo poderoso. Tal desamparo revela a idealização do amor e do amado – perfeição assim existe apenas em nossas fantasias e por isso associamos paixão à cegueira. De fato, quando estamos apaixonados nos tornamos mais vulneráveis ao autoengano e a farsa. Corremos riscos de violência e crime, embora o mais doído dos riscos seja a decepção e o fim desse estranho estado de excitação.
Mas a paixão não dura para sempre, o êxtase arrefece e diminui diante das inúmeras frustrações comuns a todos os relacionamentos. Muitos casais se separam nesse momento porque não querem ou não conseguem transformar em amor aquele forte sentimento.
O amor é um terreno misterioso, convoca sentimentos menos intensos do que a paixão, se consolida na solidariedade, nos cuidados e na ternura – revela afinidades. O amor suporta as diferenças, os conflitos e também os interesses próprios. Costuma ser meio preguiçoso, combate a solidão e se liga a coisas mais banais, menos idealizadas.
O amor é uma invenção miúda que passa à margem da vida. Como são os alfinetes, as linhas e agulhas de costura, ninguém se lembra disso, ninguém vive sem isso.
O amor costura, faz bainha de calça, prende botões e ajusta. É um sentimento raro, não é eterno, nem espetaculoso, embora seja espetacular. Opera de forma silenciosa. Como os botões das camisas, só os percebemos quando faltam.