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por Luciana Saddi

Perfil Luciana Saddi é psicanalista e escritora

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Poema para o dia dos mortos

Por Luciana Saddi
08/11/12 11:21

Como um presente

 

Teu aniversário, no escuro,

não se comemora.

 

Escusa de levar-te esta gravata.

Já não tens roupa, nem precisas.

Numa toalha no espaço há o jantar,

mas teu jantar é silêncio, tua fome não come.

 

Não mais te peço a mão enrugada

para beijar-lhe as veias grossas.

Nem procuro nos olhos estriados

aquela interrogação: está chegando?

 

Em verdade paraste de fazer anos.

Não envelheces. O último retrato

vale para sempre. És um homem cansado

mas fiel: carteira de identidade.

 

Tua imobilidade é perfeita. Embora a chuva,

o desconforto deste chão. Mas sempre amaste

o duro, o relento, a falta. O frio sente-se

em mim que te visito. Em ti, a calma.

 

Como compraste calma? Não a tinhas.

Como aceitaste a noite? Madrugavas.

Teu cavalo corta o ar, guardo uma espora

de tua bota, um grito de teus lábios,

sinto em mim teu corpo cheio, tua faca,

tua pressa, teu estrondo… encadeados.

 

Mas teu segredo não descubro.

Não está nos papéis

do cofre. Nem nas casas que habitaste.

No casarão azul

vejo a fieira de quartos sem chave, ouço teu passo

noturno, teu pigarro, e sinto os bois

e sinto as tropas que levavas pela Mata

e sinto as eleições (teu desprezo) e sinto a Câmara

e passos na escada, que sobem,

e soldados que sobem, vermelhos,

e armas que te vão talvez matar,

mas que não ousam.

Vejo, no rio, uma canoa,

nela três homens.

“Inda que mal pergunte, o Coronel sabe nadar?

Porque esta canoa, louvado Deus, pode virar,

e sua criação nunca mais que o senhor há de encontrar.”

Tua mão saca do bolso uma coisa. Tua voz vai à frente.

“Coronel, me desculpe, não se pode caçoar?”

Vejo-te mais longe. Ficaste pequeno.

Impossível reconhecer teu rosto, mas sei que és tu.

Vem da névoa, das memórias, dos baús atulhados,

da monarquia, da escravidão, da tirania familiar.

És bem frágil e a escola te engole.

Faria de ti talvez um farmacêutico ranzinza, um doutor confuso.

Para começar: uma dúzia de bolos!

Quem disse?

Entraste pela porta, saíste pela janela

– conheceu, seu mestre? – quem quiser que conte outra,

mas tu ganhavas o mundo e nele aprenderias tua sucinta gramática,

a mão do mundo pegaria de tua mão e desenharia tua letra firme,

o livro do mundo te entraria pelos olhos e te imprimiria sua completa e clara ciência,

mas não descubro teu segredo.

 

É talvez um erro amarmos assim nossos parentes.

A identidade do sangue age como cadeia,

fora melhor rompê-la. Procurar meus parentes na Ásia,

onde o pão seja outro e não haja bens de família a preservar.

Por que ficar neste município, neste sobrenome?

Taras, doenças, dívidas; mal se respira no sótão.

Quisera abrir um buraco, varar o túnel, largar minha terra,

passando por baixo de seus problemas e lavouras, de eterna agência do correio,

e inaugurar novos antepassados em uma nova cidade.

Quisera abandonar-te, negar-te, fugir-te, mas curioso:

já não estás, e te sinto,

não me falas, e te converso.

E tanto nos entendemos, no escuro,

no pó, no sono.

 

E pergunto teu segredo.

Não respondes. Não o tinhas.

Realmente não o tinhas, me enganavas?

Então aquele maravilhoso poder de abrir garrafas sem saca-rolha,

de desatar nós, atravessar rios a cavalo, assistir, sem chorar, morte de filho,

expulsar assombrações apenas com teu passo duro,

o gado que sumia e voltava, embora a peste varresse as fazendas,

o domínio total sobre irmãos, tios, primos, camaradas, caixeiros, fiscais do governo, beatas,

[padres, médicos, mendigos, loucos mansos, loucos agitados, animais, coisas:

então não era segredo?

 

E tu que me dizes tanto

disso não me contas nada.

 

Perdoa a longa conversa.

Palavras tão poucas, antes!

É certo que intimidavas.

Guardavas talvez o amor

em tripla cerca de espinhos.

Já não precisas guardá-lo.

No escuro em que fazes anos,

no escuro,

é permitido sorrir.

Carlos Drummond de Andrade

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Traições

Por Luciana Saddi
07/11/12 11:29

Internauta: A julgar pela mídia em geral, a traição está em alta – tanto a masculina quanto a feminina. A meu ver as coisas funcionam como dinheiro investido: se tiramos algum investimento (amoroso/sexual) de nosso casamento e colocamos num amante esse valor vai faltar em casa. Creio que um cônjuge já satisfeito sexualmente com a/o amante nem vai ligar se esposa/marido não quiser  sexo, queixando-se  de dor de cabeça, cansaço, etc.  Se  não houver amante é provável que insista, tenha paciência,  tente conquistar, o que  provavelmente  trará  intimidade para o casal. Eu nunca traí e sinceramente, de coração aberto, gostaria de ouvir, de saber das pessoas que traíram: vale a pena?

Luciana: A mídia, sem dúvida, influencia, e, talvez, crie um clima de oba-oba sobre um assunto sério, que machuca demais as pessoas. Mas, é a mídia que propaga também uma imagem de casamento e uma obrigação de monogamia muito difícil de ser sustentada na vida cotidiana. A dupla moral existe há tempos, é intrínseca ao casamento burguês e à família nuclear.

Penso que cada um tem seus motivos para trair, de forma que é imprudente generalizar ou fazer, apenas, uma conta baseada em princípios básicos de economia como a que você mesma explicitou em sua pergunta. Há tanta complexidade em cada ato humano!

A artista Sofie Calle fez uma exposição a partir de um e-mail recebido do namorado avisando sobre o fim do relacionamento. A exposição se chamou: Cuide-se. Palavras que ele usou no final do e-mail para transmitir carinho, mas, que se tornaram enigmáticas para a ela. A partir disso, Sofie mostrou o e-mail para 107 mulheres lhes perguntado o que achavam daquilo. As respostas se transformaram na exposição.

Sugiro que você pesquise o que é traição e como afeta a vida das pessoas. Cada um que tenha experimentado trair poderá lhe contar como foi o acontecimento, qual foi a experiência e, quem sabe, aplacar sua curiosidade a esse respeito. Depois, transforme esse material num livro, numa exposição, etc.

 

Canção

 

Mandaste a sombra de um beijo
Na brancura de um papel:
Tremi de susto e desejo,
Beijei chorando o papel.

No entanto, deste o teu beijo
A um homem que não amavas!
Esqueceste o meu desejo
Pelo de quem não amavas!

Da sombra daquele beijo
Que farei, se a tua boca
É dessas que sem desejo
Podem beijar outra boca?

 

Manuel Bandeira, In.: Lira dos Cinquent’anos (1940)

 

Poema escolhido por Ana Tanis, psicóloga, bacharel em letras e curadora de poesia desse blog.

 

Dica: O Paciente Inglês, filme de Anthony Minghella, baseado no romance homônimo de Michael Ondaatje. Trata-se de um grande envolvimento amoroso entre um homem e a esposa de seu melhor amigo. Nunca é fácil banalizar os grandes amores, mas é certo que os impossíveis duram eternamente.

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Uso prolongado de chupeta evidencia dificuldade em lidar com crescimento

Por Luciana Saddi
06/11/12 10:09

Fale Comigo na Rádio Folha

No programa “Fale Comigo” desta semana, a psicanalista e blogueira fala sobre a vida dos bebês. Para a especialista, não é tão fácil ser bebê.

“Ser tão pequeno e dependente, entender muito pouco sobre o que acontece no mundo à sua volta, sentir coisas e não ter as palavras para explicar e nem a compreensão dos outros, é bem difícil”, diz.

Um dos recursos usados pelos pais é a chupeta. “Ela substitui algumas das funções da mãe. É uma espécie de pílula de mãe à disposição a qualquer hora deve e pode ser bastante usada quando a criança é pequena”.

No áudio abaixo, Luciana explica como a chupeta, um paninho ou um travisseiro podem funcionar como calmante. Ela alerta, porém, que o uso desses objetos diante de qualquer frustração ou medo, principalmente quando a criança é mais velha, indica dificuldades em lidar com o crescimento.

http://www1.folha.uol.com.br/multimidia/podcasts/1171196-uso-prolongado-de-chupeta-evidencia-dificuldade-em-lidar-com-crescimento.shtml

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A importância de anunciar a separação dos pais para os filhos

Por Luciana Saddi
05/11/12 11:13

Algumas vezes, os pais não conseguem dar a devida atenção ao sofrimento dos filhos porque estão, eles mesmos, muito mobilizados pelo próprio sofrimento – passando por situação de ruptura, dor ou raiva. As mudanças na organização familiar diante da separação ou divórcio não podem ser subestimadas.

Os pais precisam ventilar os afetos entre si, exprimir suas desavenças, confessar o fracasso até amadurecer a decisão do divórcio. Colocar em palavras para não explodir em humores, depressivos ou excitados, que abalam o sentimento de segurança da criança. A responsabilidade pela decisão deve superar as queixas passionais. Se esse processo for bem digerido entre eles, é possível que encontrem as palavras adequadas para expressar para a criança a decisão. Não precisam nem devem explicar os motivos para justificar a culpa.  

A grande maioria das crianças percebe o desentendimento entre os pais. Algumas até perguntam se eles irão se separar. É essencial que os filhos sejam avisados do que está acontecendo, desde o inicio do processo judicial, e do que ficará decidido, mesmo quando a criança é bem pequena. Falar de forma clara acerca das decisões tomadas pelos pais e homologadas ou impostas pelo juiz é muito importante.

O divórcio é um estado civil tão honroso quanto o casamento, no entanto, o silêncio em torno dele, o faz parecer sujo, feio e vergonhoso. Quando a separação é vivida dessa forma pelos pais é, também, transmitida para criança, que poderá vivê-la com o teor de imoralidade.

É responsabilidade dos pais conduzir esse processo de forma a garantir para os filhos que os cuidados continuarão após o fim do casamento.

Muitos pais acreditam que os filhos não podem saber a verdade, porque não conseguem aguentar ou compreender o divórcio. O saber adquirido pela psicanálise a cerca da vida psíquica das crianças desmente essa afirmação.  A grande queixa dos adolescentes que enfrentaram o divórcio dos pais é não terem sido informados sobre a separação e sobre as consequências em suas vidas. Excluí-los do processo transforma a situação dolorosa em situação traumática.

 

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A roupa

Por Luciana Saddi
31/10/12 11:36

‘Ela precisa de uma roupa’, dizia o cunhado.

‘Uma roupa para quê?’ Falava a irmã aflita. ‘Pode enterrar pelada, tanto faz, já morreu mesmo’.

‘Pelada não pode, não. Onde já se viu, ninguém é enterrado pelado, isso é desumano’, retrucava ele.

Ela cansada dizia: ‘não vão pôr flor? Põe flor, ninguém vai ver, tanto faz.’

‘E precisa de sapato, também.’

‘Sapato? Onde já se viu, morto não anda. Quem foi que inventou uma desumanidade dessas? Quem disse que morto é vestido, maquiado, tratado e penteado? Que venha aqui, quero falar com essa gente que não entende que ela morreu e morto não anda, não tem sexo e nem vaidade.’

A família chegou dizendo o contrário, era bom ter roupa, sapato, batom e muita dignidade; porque até em assunto de morte há moda e costumes. Vencida, por vencida mesmo a irmã não se dava, mas consentiu, era minoria, não tinha a cultura da morte, fazer o quê?

Penteada, maquiada, vestida e calçada, melhor não ficava, porque a morte não podia ser  disfarçada com nenhuma artimanha de mulher fogosa. Morta estava, morta continuava. No caixão um monte de rosas, nem dava para ver o vestido e o sapato. Qual o sentido de um morto bem vestido? Grande coisa…E veio o problema: o caixão era pura desolação, era pequeno, a morta era muito baixa. Como é que ninguém pensou nisso? Caixão pequeno dá má impressão, tanto tempo perdido com roupa, sapato, problema dos vivos, que nem tempo tiveram para ver o problema dos mortos.

Ali estava um caixãozinho quase infantil, uma pérola, um objeto ridículo desfigurando a morta, roubando-lhe a natural dignidade de morta. Quem levaria a sério, quem choraria, quem sentiria dor por algo extremamente ridículo? Era só olhar, uma olhadela, nem precisava pousar os olhos longamente sobre a cena, todos davam risadas. As rosas até o pescoço, sufocando e apertando ainda mais o caixãozinho.

Um morto não pode ser bizarro, tamanho de criança e rosto de mulher, um caixão não pode se parecer com uma gargantilha muito grande e apertada, dessas que fazem saltar a banha do pescoço. Descalça, pelada, sim. Apertada em sua própria altura, não. Deviam ter pensado nisso, um caixão top model, disfarçando a pouca altura da morta,  já que nem mesmo os saltos altos dissimulavam o encolhimento.

Uma figura insólita, dava pena, coitadinha, nunca tinha sido tão humilhada,  tamanho de criança, rosto de mulher. A vida havia disfarçado o seu aspecto circense,  nunca havia sido tão baixa, tão anã, tão desengonçada. Era uma mulher graciosa, sensual de verdade, difícil acreditar, agora, quando a vemos enterrada até o pescoço num caixão luxuoso, que um dia foi capaz de despertar mais do que risadas.

Como era possível encolher assim, tão de repente? Como é que a vida havia conseguido a proeza de disfarçar tão bem esse aleijamento, hoje, no dia de sua morte, tão evidente? Será que a morte tem a capacidade de, ainda por cima, nos desnudar tão friamente? Como se não bastasse apenas morrer, ainda somos revelados, sem proteção, em nosso mais miserável defeito. Transforma-nos em uma aberração, justo no dia que não podemos, de forma alguma, nem correr, nem esconder. Será que é esse o motivo de vestir a morte?

O desespero tomou conta da irmã. Pensava em sua morte, em sua altura, em sua futura pele de morta, nas espinhas que poderiam aparecer e até nas rugas, que de certo um dia teria se o tempo lhe permitisse o luxo de viver. E quem se preocuparia com sua aparência de morta? Sem irmã, sem espelho e sem poder fazer nada.

Decerto haveria um cunhado sobrando em algum lugar, um cunhado é um cunhado, são os tipos que se preocupam com as roupas e os sapatos das pessoas que morrem, querem pôr flores e velas, chamar os amigos. Os cunhados gostam daquelas coroas de flores com dizeres impressionantes, grandiosos e esquecíveis. Quem sabe um desses, num lampejo de lucidez, poderia compreender a situação e comprar um caixão mais comprido, menos enfeitado, que ornasse melhor com sua pele, seu tipo físico e mesmo com seu gosto?

Uma mulher sofisticada e esnobe merece um tipo de caixão, outra mais sofisticada ainda merece outro tipo e assim por diante. Não basta ser de luxo, boa madeira e tudo mais, aliás isso é besteira, tem que ter design, estilo, pode até ser bem vagabundo que ninguém nota. O negócio é realçar as qualidades da morta ou do morto. Quadrado. Clubber. Fashion. Hippie. Intelectual. Redondo, tipo cama de motel. Com a toalha do lavabo combinando, sabonete combinando, um belo composê na decoração do velório. Manequim para caixão, revista de moda com as últimas tendências e tudo o mais para sua morte inesquecível. Morra feliz, morra com estilo! Não seja mais um morto sem graça neste mundo, lute pelo que é seu, até o fim — que slogan, não?

Enquanto o sonho da bela morta não se concretizava era preciso salvar a morta anã daquela vergonha horrorosa, da crueza ontológica em que fora arremessada. Ela que naquele instante representava todos os mortos que sofreram essa brutal alienação em suas personalidades após a morte, bem que poderia com toda a justiça se levantar, fazer discurso, sair de dentro daquele horrível objeto, pedir ordem no recinto, clamar por dignidade, por piedade e se transformar em líder do movimento pela morte com estilo e decência.

O cunhado veria quão tolo conseguira ser, pedindo sapato e vestido. A família saberia de uma só vez que a irmã estava certa, não havia mesmo moda e costume dos vivos que fosse útil para os mortos. E a morta, de tão humilhada, se levantaria como sempre havia se levantado contra as injustiças e toda aquela farsa ridícula teria fim. Era esperar, esperar, esperar…e um pouco mais esperar. Esperar para reaver o sentido do mundo, a ordem natural da vida, reverter o caos. Em poucos minutos a cena dantesca, sua irmã morta, num caixão anão, seria desfeita. Esperar. Ela quase via a respiração, os leves movimentos, as flores se mexendo, um som familiar…logo desapareceram. E era então, esperar…

Acontece que não acontecia nada, nadinha, além de tudo que já havia acontecido. Quer dizer, acontecer até que acontecia, mas não era no sentido esperado. Uma ponte de esperança que ia e vinha foi sendo desfeita, as idas cada vez mais lentas, as voltas mais tortuosas. E o frio se impôs, mandou para longe o jogo, as disputas e a razão. Um frio intenso, de arrepiar o coração, não havia mais o que fazer, sobrou a dor, nua e descalça.

do livro: O amor leva a um liquidificador (ed. Casa do Psicólogo).

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Felicidade

Por Luciana Saddi
30/10/12 12:03

Nos consultórios dos psicanalistas é comum escutarmos pais – apreensivos com o desenvolvimento de seus filhos – dizerem que desejam, apenas, que os pequenos sejam felizes.

Há muito se tornou lugar comum justificarmos atitudes e crenças em nome da felicidade, mas o que será que ela significa?

No século XVIII os filósofos iluministas pretenderam substituir a ideia de salvação pela de felicidade na terra. Os dogmas de Paraíso e Vida Eterna como compensação pelos sofrimentos da existência foram, então, rechaçados. O Homem moderno exigiu sua cota de vida digna e prosperidade em vida.

A providência divina foi substituída pela certeza científica. Vieram as ideologias do progresso que prometeram: a satisfação de nossos desejos e a utopia.

Nosso tempo prescreve um dever de felicidade cada vez mais uniforme e exagerado.

Se ser feliz aqui e agora era o mandato impossível da modernidade, o que dizer de um mandato de gozo permanente, característica do nosso tempo!

As consequências são visíveis, nos tornamos indiferentes ao mundo. Numa sociedade narcísica confundimos consumo com completude. E frustração se torna ressentimento. Acreditamos merecer tudo e um pouco mais, como se fossemos as vítimas a esperar ressarcimento pelos direitos negados. A posição de coitados é marca dos nossos dias, difundida entre adultos, jovens e crianças.

Vitimas a exigir reparação, eternos demandantes – ainda que nada no mundo possa alterar certas faltas ou oferecer satisfação plena. Vítimas passivas que reclamam e não se responsabilizam pelos próprios atos nem destino.

Cuidado, seu filho ou filha pode estar crescendo em ambiente permeado desses valores. Foi você quem os propagou, sem perceber. Por isso testemunhamos o aumento das compulsões, das adições a drogas e de infantilismo em adulto. Sintomas decorrentes da ideologia do gozo.

Nenhum psicanalista poderá garantir satisfação permanente com a vida. Não somos técnicos da felicidade. Uma análise pode promover autoconhecimento e responsabilidade. Propicia um encontro singular, sem máscaras. Uma aventura que favorece o desenvolvimento de autonomia, permitindo surgir pensamento e julgamento próprios.

Dá próxima vez que assistir alguém propagar com pompa o direito a ser feliz, desconfie.

 

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Não há quem não se canse dos filhos

Por Luciana Saddi
29/10/12 12:33

Fale Comigo na Rádio Folha

Poucos pais se dão conta que o amor materno é complicado, exige dedicação e condições internas de autoconhecimento. Na opinião da psicanalista e blogueira da Folha.com Luciana Saddi, a maternidade se desenvolve na relação com o bebê.

“É um momento de mudança e de crise, muitas vezes, de depressão. Exige esforço de guerra e nem todos estão preparados”, lembra a especialista.

No áudio abaixo, Luciana afirma que a cultura familiar “embrulha” a realidade com um papel colorido. “Vendem a maternidade como a oitava maravilha do mundo. Não há quem não se canse dos filhos”, diz Luciana. Ouçam o podcast:

http://www1.folha.uol.com.br/multimidia/podcasts/1171195-luciana-saddi-nao-ha-quem-nao-se-canse-dos-filhos.shtml

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O HOMEM DOS CROCODILOS

Por Luciana Saddi
26/10/12 10:00

Debate do Filme: “O Homem dos Crocodilos“, com o diretor, Arrigo Barnabé, a psicanalista, Cintia Buschinelli e Sidney Molina músico e crítico da Folha de S. Paulo.

Debate:  http://www.youtube.com/watch?v=AgeNepmrcIQ&feature=plcp

 

O HOMEM DOS CROCODILOS – ópera filme de Arrigo Barnabé

Inspirada livremente no relato de Sigmund Freud “O homem dos lobos”, essa opera, um caso clinico em dois atos, apresenta um compositor em crise, que procura ajuda na psicanalise. No decorrer do enredo, a trama revela ao publico um segredo desconhecido tanto pelo analisando quanto por seu analista.

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Maldade Humana - Psicanálise e Literatura

Por Luciana Saddi
25/10/12 10:49

Vale conferir a entrevista de Ralph Peter com Sylvia Loeb no programa Livros em Revista. A psicanalista e escritora lançou recentemente o romance, Heitor, que trata da maldade.

http://mais.uol.com.br/view/wxs5e3bsd547/psicanalise-e-literatura–maldade-humana-0402CD993660E4993326?types=A&

 

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A INFÂNCIA DE ADÃO e outras ficções freudianas

Por Luciana Saddi
24/10/12 10:30

DA INVEJA ENVERGONHADA

de Fabio Herrmann (Editora Casa do Psicólogo, 2002.)

A noção psicanalítica de afeto é basicamente quantitativa, resumindo-se suas qualidades em prazer e desprazer. Já o domínio dos sentimentos é qualitativo: cada sentimento — alegria ou bondade, nostalgia ou ressentimento — cria um mundo muito próprio, onde as coisas mesmas da realidade se ordenam e se transformam segundo suas regras. A casa de minha infância, de que me lembro com saudade, não é a mesma casa onde se alimentou talvez meu ressentimento edipiano ou onde experimentei certa perda irreparável. Nossos sonhos sabem exprimir este fato com eloqüência: os objetos que povoam uma casa, a própria casa e o espaço onde esta se situa dispõem-se segundo sua arquitetura sentimental.

A separação estrita que opõe razão a sentimento, por seu lado, nasce do fosso aberto entre humanidade e natureza, no terreno central da civilização cristã. O homem puramente racional e o cultivo de sentimentos ditos positivos, como se sabe, fazem parte do ideal abstrato de nossa cultura. Todavia, o corolário negativo deste ideal tem ainda maior interesse. Por exclusão, forma-se um resíduo de sentimentos reputados maus e nega-se não apenas racionalidade, mas até mesmo lógica interna aos sentimentos. Ademais, os sentimentos são considerados fatos internos, perdendo-se a riqueza da visão do quotidiano, reputada primitiva, que considera ser a realidade construída por sentimentos e emoções.

São, ao todo, quatro disjunções fortemente interligadas as que balizam a psicologia dos sentimentos: natureza X humanidade, razão X sentimentos (os sentimentos, as afecções da alma afetam a razão, logo, nela não se incluem), sentimentos bons X sentimentos maus, sentimentos X realidade. O surgimento da Psicanálise é, com certeza, um ponto de virada em nossa concepção do homem, no tocante à sua vida afetiva. Em princípio, a Psicanálise deveria criticar e superar essas quatro disjunções. Nosso homem é inteiramente natural e cultural ao mesmo tempo, é corpo que se transformou em psiquismo sem perder seu caráter orgânico, ou, ainda melhor, é psique encarnada. Negamos a oposição entre razão e sentimentos: o sentimento para a Psicanálise é uma forma lógica, bem como a razão é essencialmente emocional. O juízo moral, no que diz respeito aos sentimentos, é a rigor secundário para a Psicanálise. Por fim, é inconcebível qualquer descrição da realidade que ponha de parte sua natureza intrinsecamente emocional; realidade é representação e não existe representação neutra, sem carga afetiva. Para o psicanalista, como para o sonho, uma casa feita só de tijolos e madeira, sem estrutura emocional a sustentá-la, literalmente não pára em pé…

Isto, em princípio. Ocorre que, não obstante sua vocação crítica, o psicanalista é também fruto da árvore histórica das idéias de sua cultura. Assim, tendemos constantemente a oscilar entre a posição crítica e uma aceitação dos valores consensuais. Aqui, parece-me interessante destacar a terceira disjunção, a de caráter valorativo. Que a inveja nos sirva de guia.

No quarto século depois de Cristo, Sto. Agostinho escreve no Livro 1 primeiro de suas Confissões: “a fraqueza dos membros infantis é inocente, mas não a alma das crianças… vi uma, cheia de inveja, que ainda não falava, mas já olhava, pálida e colérica, seu irmãozinho mamar”. Está dado o tom do julgamento moral dos mil anos seguintes pelo menos. A inveja é má e é primária, constitucional no mais forte sentido do termo, pois vem com o pecado original. Giotto, na capela Scrovegni, a pintará como uma mulher de cuja boca sai uma serpente que lhe entra pelos olhos, parecendo acrescentar que, ao se passar do infante ao adulto, a palavra não remedia a situação, antes transtorna a própria percepção: a palavra invejosa retorna sobre o sujeito, cegando-o, envenenando seu olhar, infundindo-lhe um olho mau. Teremos de esperar por Espinosa, treze séculos depois de Agostinho, para escutar que “as afecções de ódio, de cólera, de inveja etc. resultam da Natureza” e não de um vício desta. Assim, quando na proposição XXIII, do livro terceiro da Ética, ele define a inveja, já o faz como um jogo de linhas de força, “ao modo dos geômetras”: “A inveja (Invidia) é o ódio na medida que afeta o homem de tal maneira que ele se entristece com a felicidade de outrem e, ao contrário, experimenta contentamento com o mal de outrem.” Do século IV ao XVII, a inveja continua perfeitamente detestável, porém, ocorreu uma mudança. O mal da inveja, que era um vício — Prognóstico de vícios, leva por título o capítulo citado das Confissões —, passa a ser natural e seu dano já não é moral, e sim uma perda de perfeição, uma queda na potência natural (potentia).

Digamos que, do ponto de vista valorativo, os psicanalistas geralmente oscilam entre Agostinho e Espinosa, mas não os superam — por simplicidade, restrinjamo-nos a esses dois grandes precursores da psicologia do mundo judaico-cristão. Agostinho mergulha no pântano afetivo da interioridade, para a depurar, portanto condena moralmente os “sentimentos maus”. Espinosa aproxima-se exteriormente do afeto, armado da razão geométrica, sua condenação é, por assim dizer, funcional. No fundo, trata-se de duas psicologias complementares: uma, intuitiva e marinha, a outra, racional e astronômica. Quando nós, psicanalistas, discutimos os sentimentos, procuramos evitar qualquer juízo manifestamente moral, mas este se transforma numa variante do juízo funcional espinosista. A inveja é prejudicial — já não dizemos errada ou pecaminosa —, como prejudiciais são ciúme e vergonha, por exemplo. O projeto agostiniano de depuração, por conseguinte, não foi abandonado, converteu-se em busca de “melhor rendimento psíquico”.

A aproximação psicanalítica aos sentimentos tende a situá-los numa esfera intermediária entre a psicologia e a psicopatologia. Para nós, não chegam a ser “vícios da natureza”, certamente, mas tampouco os estudamos como formas intrínsecas da construção da realidade. Os sentimentos parecem ser, antes de tudo, desvios subjetivos da apreensão do mundo. Por isso, talvez, sejam muito mais freqüentes os trabalhos psicanalíticos sobre os sentimentos social e individualmente recusados, vizinhos da patologia. Quase todos os sentimentos propostos para a discussão em nossos Congressos visam a essa classe. É raro ver analistas discutindo a alegria ou a bondade, por exemplo. Nisto seguimos a tradição que deu forma a nosso juízo moral, conquanto transformado este em juízo diagnóstico.

Reconhecer as fontes de nossos valores diagnósticos a respeito dos sentimentos é da maior importância para a prática psicanalítica. Aliás, reconhecer as fontes culturais de qualquer das nossas teorias pode evitar sua falsa naturalização e a conseqüente reificação da clínica. Tomemos um exemplo hipotético, sempre apoiados no valor negativo da inveja. Suponhamos que um psicanalista se depare com o mito da revolta dos anjos, movidos pela inveja contra o Criador. Concebivelmente, sua primeira reação deveria ser de espanto. “É preocupante”, quase o escutamos pensar, “que coincidam um mito de origem de minha cultura e certa teoria que venho desenvolvendo. Cumpre descobrir que campo cultural as determina e rompê-lo, a fim de descobrir quais regras inconscientes nele operam”. É provável que logo se desse conta de que a noção de pecado, que habita o escritor bíblico, também é atuante em seu pensamento teórico. Contudo, sua atitude costuma ser a oposta. Não é infreqüente pensar, nesse caso, que o mito endossa a teoria, confirmando que a inveja é mesmo o lado mau da natureza humana, e quem sabe da natureza angélica, pois se até o Antigo Testamento o confirma… Mais ou menos como o físico que usasse o mito da Criação, no Gênesis, para corroborar a teoria do Big Bang. A esta altura, talvez alguém pensasse em replicar: “Ora, os mitos desconhecem a física, mas dão testemunho do psiquismo humano, a comparação é injusta.” Certo. Mitos, porém, são amostras da psique, podemos aprender de sua interpretação, que mostra a lógica emocional que os concebeu. Outra coisa é tomar as afirmações dos mitos como lições de sabedoria psicanalítica. Assim procedendo, nossas teorias e nossa clínica correm sério risco de se tornarem míticas também, em muito pouco tempo, e depois, lendárias. “Conta-se que, no Século XX, havia um projeto científico muito popular, cujos adeptos acreditavam que os meninos querem matar seu pai, para casar com a mãe…”

Um fragmento póstumo de Nietzsche, intitulado A disputa homérica, pode talvez lançar alguma luz sobre a naturalização de valores culturais, principalmente se recordarmos como a invenção freudiana da Psicanálise mergulha suas raízes na cultura grega. “Nada distingue o mundo grego do nosso tanto quanto o juízo a respeito dos conceitos éticos individuais, como Éris (discórdia) e inveja…” — observa Nietzsche. “O grego é invejoso, e não considera tal qualidade vergonhosa, mas como dom de uma deidade benéfica”, a boa Éris, de que fala Hesíodo, aquela que através “do ciúme, ódio e inveja, impulsiona os homens à atividade: não a de destruição, mas a de disputa”. E completa: “que abismo de juízo ético separa-os de nós!”

Qual, pois, a diferença entre aqueles gregos que choravam e uivavam de inveja, sem a menor vergonha, e nossa concepção da inveja como um derivado do pecado original? Não é difícil responder. A inveja de que nos fala Nietzsche conduz à disputa pela excelência, ao combate singular entre os melhores e não é isenta de admiração. Sobretudo, nunca diminui o adversário, antes o eleva, para elevar-se com ele. Em nosso mundo, porém, a recusa de certos sentimentos produz uma estranha composição. A nossa é uma inveja envergonhada. Esta, que não se pode declarar ao outro nem mesmo reconhecer no próprio íntimo, leva, ao contrário, à difamação, à conspiração da mediocridade, à união dos fracos contra o pensamento forte. Inveja ou vergonha são sentimentos perfeitamente aceitáveis — o primeiro impulsiona a disputa pela primazia e pela perfeição, o segundo leva a evitar condutas repreensíveis por aqueles que se admira. A combinação dos dois sentimentos é que é doentia, do ponto de vista diagnóstico. Seria preciso refletir sobre a força da inveja envergonhada no seio das instituições psicanalíticas e em como nossas próprias teorias acabam por sustentá-la, ao defender sentimentos falsamente positivos.

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