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por Luciana Saddi

Perfil Luciana Saddi é psicanalista e escritora

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Poema para animal racional

Por Luciana Saddi
18/01/13 10:41

Esqueleto de dinossauro

 

Queridos irmãos,

vemos aqui um exemplo de um erro de proporções:

eis à nossa frente o esqueleto de um dinossauro ─

 

Caros amigos,

à  esquerda a cauda se estende numa infinitude

à direita o pescoço se perde noutra ─

 

Prezados companheiros,

no meio quatro patas que se atolaram no lodo

sob um tronco colossal ─

 

Gentis cidadãos,

a natureza não se engana, mas gosta de brincar:

reparem, por favor, nessa cabecinha ridícula ─

 

Senhoras e senhores,

uma cabecinha dessas não poderia prever nada

e por isso é a cabeça de um réptil extinto ─

 

Honorável assembleia,

um cérebro minúsculo, um apetite gigante,

mais sono tolo do que medo sábio ─

 

Ilustres visitantes,

nesse aspecto estamos em bem melhor forma,

a vida é bela e a terra é nossa ─

 

Seletos delegados,

o céu estrelado sobre o caniço pensante,

e nele a lei moral ─

 

Digníssima comissão,

funcionou uma única vez

e talvez só debaixo deste sol

 

Conselho superior,

que mãos hábeis,

que boca eloquente,

quanta cabeça nos ombros ─

 

Suprema instância,

quanta responsabilidade no lugar de um rabo ─

 

Wislawa Szyborska (poemas), Ed. Companhia Das Letras.

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Temos muito que aprender com os cães

Por Luciana Saddi
17/01/13 10:12

O cão é um animal amigável e bonitinho, em geral. Nos últimos anos vem sendo tratado quase como gente.  As lojas especializadas em animais de estimação confirmam a crescente onda de desanimalização.  Roupas, acessórios, perfumes, alimentos e brinquedos são itens produzidos pela Indústria Pet e consumidos por felizardos donos de bichos – pessoas, em sua maioria, solitárias, infantis, desejosas de um amor especial e maníacas por limpeza. Mas, mesmo que nos esforcemos em tratar os bichos como gente ainda não conseguimos erradicar a animalidade deles, não totalmente.

Outro dia presenciei uma cena notável num shopping – parece que os cãezinhos de hoje adoram vitrines – um cachorro pequeno, peludinho, se depara com outro um pouco maior, abana o rabo, sorri. Os donos, posicionados no final das coleiras, pareciam orgulhosos com aquele tipo de socialização que antes era privilégio de crianças em parques. Eis que rapidamente o cão menor dá a volta no novo amigo e lhe cheira o cu. A diferença de altura entre ambos e a agilidade dos cães de pequeno porte favoreceram a investida do focinho atrevido no cu do cão maior. O cão maior esperou a sua vez e em seguida também abaixou o pescoço posicionando o focinho no fiofó do menor. Os donos que até então pareciam felizes montaram um sorriso amarelo diante da alegria animal de seus filhotes. E puxaram as coleiras – nada de cheira-cus em nossa família.

Que tipo de coisa é essa de cheirar cu? Até o mais lindinho pet se torna um cachorro nojento. Não adianta perfume, banho semanal, nada pode limpar a fuça de um cheira cu ou de um lambe merda. Qual o motivo dos cães para travar conhecimento dessa forma?

Nós os humanos olhamos no rosto, observamos os gestos, perguntamos o nome. Cara a cara. Os cães cara a cu.  Porque eles têm dentes afiados e focinho longo, um cara a cara, com duas bocas cheias de dentes nervosos pode acabar em fatalidade.  

Os humanos são curiosos, olham e cobiçam as roupas, sapatos, carros e tudo mais que um breve encontro pode proporcionar de informação e logo saem comparando. Minha mulher é mais gostosa, meu carro é mais caro, tenho mais cabelo. Os cachorros também estão interessados em saber o que os outros cachorros comem, quem está se dando melhor na selva center. Se é possível uma trepada rápida num dia de passeio. Por isso o cu, um órgão repleto de informação sobre alimentos consumidos e fases da procriação. Sem risco de levar uma mordida na cara é possível satisfazer a curiosidade competitiva da espécie. Temos muito que aprender com os cães.

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Sobre os sonhos

Por Luciana Saddi
16/01/13 10:14

Não há quem não tenha um dia se intrigado com essa capacidade humana. Desde a antiguidade, o Homem procurou sentido para o sonho. Foi na passagem do século XIX para o XX que eles ganharam uma interpretação psicológica. Freud entendeu que os sonhos eram expressão psíquica de vivências emocionais e desejos proibidos. Em 1900 lançou seu mais famoso trabalho, intitulado, a Interpretação dos Sonhos, obra que desvendou a vida onírica de forma científica e detalhada e mudou para sempre a concepção que temos sobre o sentido dos sonhos.

Os sonhos são vias nobres de acesso ao desconhecido e formam um valioso patrimônio para o autoconhecimento. 

Enquanto dormimos, sofisticados processos trabalham imagens, sons, percepções difusas, nacos de ideias, de sensações e de sentimentos vindos do passado ou de experiências recentes. Esse trabalho do sonho produz histórias inteligíveis, constrói cenas ou cria fragmentos incompreensíveis, pode também despertar fortes emoções, pois para o sonhador, o sonho é vivência, ele não sabe, na maior parte das vezes, que está sonhando.

Os sonhos realizam desejos inconfessos, informam sobre o funcionamento psíquico e apontam conflitos. Alguns são claros, objetivos; outros, labirínticos e tortuosos. Na posição de sonhador nos revelamos crianças, artistas criativos ou nostálgicos de plantão. Muitas vezes somos tomados por um incrível bem-estar após acordarmos de um sonho vívido e bom, como se recuperássemos um tesouro perdido. Outras, sofremos, atingidos por pesadelos angustiantes que produzem uma sensação de estranhamento e culpa.

Os sonhos recorrentes indicam que é preciso pensar os temas neles contidos e relacioná-los com nosso mundo interno. Para os psicanalistas sempre há sentidos ocultos em qualquer tipo de sonho, mas, não há símbolos fixos funcionando como chaves de fácil e pronta compreensão.  

O sonhar é considerado uma função saudável do psiquismo, indica que há produção de símbolos capazes de expressar vivências e sentimentos. Os psicanalistas se preocupam mais quando os sonhos não ocorrem ou nem são lembrados, o que indica dificuldade em ter contato com o próprio mundo interno e impossibilidade de elaborar e expressar vivências emocionais.

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Na UTI, paciente vira rato de laboratório

Por Luciana Saddi
15/01/13 10:34

Fale Comigo na Rádio Folha

O progresso da medicina leva cada vez mais o homem, gravemente doente ou em recuperação cirúrgica, para a Unidade de Terapia Intensiva. Estar na UTI é assustador e, algumas vezes, traumático para doentes e familiares.

Para a psicanalista e blogueira da Folha Luciana Saddi, é preciso tomar a UTI como um paciente para diagnosticar suas regras. Ouçam o podcast:

http://www1.folha.uol.com.br/multimidia/podcasts/1206546-luciana-saddi-na-uti-paciente-vira-rato-de-laboratorio.shtml

“A UTI está ligada à tentativa de separar a carne do corpo. Médicos se apegam a condutas praticas e têm dificuldade em se relacionar com os pacientes e familiares”.

Segundo a especialista, a UTI parece um laboratório. Excessos como gritos de desespero afetam o paciente, que se impacta e se assusta. “Ele é o rato do laboratório”, compara.

O teor desta gravação foi retirado da apresentação feita por Fernanda Sofio em novembro de 2012, no XXIX Congresso da Federação Psicanalítica da América Latina. Por sua vez, esse texto foi produzido com base na dissertação de mestrado da autora, defendida na PUC-SP em 2007.

 

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Homem: animal desgraçado

Por Luciana Saddi
14/01/13 16:32

Internauta: Por que os homens querem ser durões, mas no fundo são medrosos? Já ouviu aquela frase: Um homem nasce de uma mulher (mãe), vive com uma mulher (esposa) e morre com uma mulher (filha)?

Luciana: Freud diria que a dificuldade de grande parte dos homens em demonstrar e assumir a própria fragilidade está ligada ao Complexo de Castração. Na infância os meninos descobrem que podem perder seu maior e mais valioso bem.  Essa perda é entendida como um castigo do pai contra os avanços amorosos do garoto em direção à mãe. O menino ameaçado desiste desse amor impossível. Ele prefere conservar o pênis.

Muitos homens não aceitam a castração e continuam a desafiar o pai, o destino e a própria coragem. Negam a incompletude, a falta e a impotência que se revelam diante de tantas situações sem saída apresentadas pela vida.

Nenhum de nós tem tudo, pode tudo ou é tudo. Pelo contrário, não creio existir animal mais desgraçado que o homem, o único que sabe da própria mortalidade, que conhece a finitude da vida. Que nasce totalmente dependente de cuidados para sobreviver. Somos desamparados. Mais castrado que isso, impossível. Mesmo assim há os que se acreditam autossuficientes e imortais – são os que mais espalham sofrimento mundo afora.

Poderíamos dizer: nascemos de uma mulher entre fezes e sangue. Vivemos com uma entre tapas e beijos. No apagar das luzes, se a sorte permitir, uma filha bondosa apertará sua mão.

 

VERSOS DE ENTRETER-SE

 

À vida falta uma parte
– seria o lado de fora –
pra que se visse passar
ao mesmo tempo que passa

e no final fosse apenas
um tempo de que se acorda
não um sono sem resposta.

À vida falta uma porta.

 

Ferreira Gullar, In.: Barulhos (1980-1987)                

 

Dica: Tudo que tenho levo comigo, romance de Herta Müller sobre um jovem romeno enviado a um campo de trabalho na União Soviética, no pós-guerra. O que podemos dizer de crápulas nazistas, comunistas, gente que maltrata, ao extremo, gente?

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Psicanálise e Pesquisa *

Por Luciana Saddi
11/01/13 10:30

Introdução

Desde os anos 40 o termo Pesquisa vem sendo empregado na história do movimento psicanalítico. Surgiu com certa força, entre nós da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, nos anos 90. Nas Universidades, o termo Pesquisa estava associado à prática analítica (em São Paulo), desde o início dos anos 80.

A IPA (Internacional Psychoanalical Association) estabeleceu em 1991 um Comitê de Pesquisa que destinou recursos para a pesquisa empírica em Psicanálise e incentivou a criação do comitê de pesquisa clínica-conceitual com o intuito de estabelecer bases epistemológicas mais rigorosas para a Psicanálise e, portanto, aceitáveis na comunidade científica. Passou a financiar esses projetos, entre outros motivos, em função da crise que a psicanálise enfrentava diante dos seguros de saúde, que exigiam provas da eficácia do tratamento e diante das críticas e ataques da psiquiatria, que desde os anos 80 passou a ter melhores recursos medicamentosos e procurou ser hegemônica no tratamento dos distúrbios mentais.

 A ABP (atualmente FEBRAPSI) criou uma Comissão de Psicanálise e Pesquisa e a SBPSP também. As duas comissões trabalharam juntas em 2003 realizando uma Jornada e um livro, Pesquisando com o método psicanalítico (2004).

O debate sobre a questão Pesquisa chegou à comunidade psicanalítica encobrindo considerações importantes sobre a natureza epistemológica da Pesquisa Psicanalítica.

Pesquisa Psicanalítica

Prólogo

Descrever as características da Pesquisa Psicanalítica é uma tarefa difícil. Procurei começar pela postura do pesquisador, mas ao caracterizar essa dimensão afloraram todas as outras. Tentei então iniciar pela descrição do objeto, no entanto, também todas as características da Pesquisa Psicanalítica vieram à tona ao mesmo tempo.

Escrever sobre esse tema é mais que estar imerso nele.  É ser tomado pelos mesmos problemas que os pesquisadores psicanalíticos encontram em seu cotidiano. Ou seja, romper e ultrapassar a separação clássica entre sujeito/objeto/método. No entanto, essa estranha situação garante a ocorrência de um processo de investigação psicanalítica.  Iniciamos esse relato pela postura do pesquisador analista, que é tomado pelo método da psicanálise e suporta essa condição, afinal, temos que reconhecer seus esforços.      

Características da Pesquisa Psicanalítica[1]

A postura do pesquisador psicanalítico diante de seu objeto se assemelha a do analista enquanto realiza o trabalho clínico. Há imersão no material pesquisado de forma encarnada, sendo essa a condição necessária para a aproximação ao objeto, para respeitar sua natureza dinâmica. O próprio pesquisador pode se tomar como objeto de investigação, pesquisar algo dele mesmo: questões, enigmas, conflitos, traumas, paixões. Cria-se a oportunidade de olhar-se ao espelho através de um caleidoscópio.

Toda investigação psicanalítica deve incorporar a possibilidade do objeto se transformar, perder sua unidade de maneira imprevista, para se recuperar de outra forma em outro momento. Os temas também sofrem dessa instabilidade, se movimentam, por isso a maneira de abordá-los se transforma no decorrer do delineamento do problema e na evolução da escrita. As teorias usadas se tornam fugidias, entram em crise frequentemente, pois o método psicanalítico de investigação provoca rupturas nas concepções do pesquisador, que também entra em crise. Neste processo de idas, vindas, de desconstrução, construção e reconstrução a pesquisa psicanalítica se realiza.

O processo de investigação é tão dinâmico quanto o objeto, assim se torna necessário aceitar certa dose de perda da unidade e a impossibilidade de encontrar a verdade última – imutável – para não reduzir o material clínico pesquisado a uma personagem nem engessar os procedimentos. Transcende-se à lógica clássica que dominou a metodologia científica, assumindo outra lógica, contraditória e inelutavelmente inconsciente. Essa é a condição para a pesquisa psicanalítica, posto que nossos conceitos costumam ser mal comportados – problematizam inclusive a própria idéia de conceito, porque não são tão sólidos quanto os conceitos vindos das ciências naturais.

A construção e a utilização dos conceitos em Psicanálise não obedecem às mesmas regras da maioria das áreas de conhecimento. Quando vistos a partir de diferentes campos de observação, entram em crise, faltam-lhes solidez e conexões teóricas suficientes para que cheguem a admitir derivação recíproca por meio de um processo puramente dedutivo. Disso decorre um inevitável, mas bem-vindo alargamento do próprio conceito de pesquisa científica. Nossos conceitos são construídos e operam mais próximos de uma interpretação do que de uma regra ou postulado científico. O problema da verificabilidade para a Psicanálise decorre das exigências contrastantes entre a sua peculiaridade e os requisitos das instituições médicas e leva a um beco sem saída. O resultado de uma investigação apontará fatos verificáveis ou eixos de transformação metafórica de um recorte da realidade?

Deve-se exigir das metáforas psicanalíticas que explicitem o contexto de sua invenção, por outro lado, a verificabilidade é antes uma função derivada da coerência contextual que da evidência empírica. Nem pura metaforização, nem puro fato verificável. 

A escrita tem um lugar central na pesquisa psicanalítica. Por meio dela, o pensamento ganha forma e desenvolve-se. A dimensão narrativa é tomada como organizadora da experiência, e não apenas como um veículo adequado. A escrita é procedimento e resultado. Cria e é criada pela investigação, ao mesmo tempo. Por isso pesquisar e escrever irmanam-se.

O processo de escrita é dialético e delicado, necessitando muitas vezes encontrar ou desenvolver uma linguagem apropriada, para não incorrer no risco de desvitalizar o objeto, reduzindo-o e fazendo-o perder sua densidade ontológica. Sob esse aspecto, o relato da investigação aproxima-se das dificuldades de uma descrição da clínica psicanalítica, na medida em que a corporeidade da experiência está em perigo. A questão é: como dar conta da situação clínica e do objeto da pesquisa que parece sempre escorregar para fora das palavras?

O caminho de solução para a descrição dessa fluidez do objeto pode ser encontrado no processo de escrita através de sua dimensão ficcional. O discurso artístico parece mais apropriado ao objeto da psicanálise, mesmo assim, a pesquisa analítica costuma tensionar, de alguma maneira, sua própria forma de expressão. A escrita não comporta apenas uma dimensão descritiva do pensamento, mas é o próprio processo, exercendo, assim, uma função estruturante. O processo de pensar (semelhante ao processo investigativo em psicanálise) é sustentado pela escrita, que passa a ser organizadora da investigação e cumpre também o trabalho de elaboração. Ainda ilustra a importância da dimensão de cura da narrativa.

Pode-se considerar a leitura de um texto como uma forma de pesquisa. Esse tipo de leitura traz o método consigo e torna singular o modo de ler. Pesquisas teóricas investigam, desconstroem, questionam a formação de nossas teorias, a psicanálise se debruça sobre ela mesma, o próprio método se toma como objeto, exigindo um procedimento que redefina os conceitos. Sua natureza polissêmica permite um movimento constante de criação de novos sentidos, que, por vezes, arrastam consigo partes de sentidos já estabelecidos e, por vezes, se transmutam em originalidade.

Quanto à questão da relação método-objeto, observa-se que o método faz com que o olhar do pesquisador enxergue o objeto sob uma perspectiva psicanalítica. Nosso objeto não é linear, não é contínuo, nem palpável. Sendo evanescente assemelha-se a sombra de um sonho, o que requer do pesquisador aproximações sucessivas ao mesmo e linguagem para configurar um conhecimento que ocorre por rupturas e recuperações de sentido. O método cria o objeto. Por outro lado, não há método sem objeto. O objeto assim criado tem características inerentes, e redetermina o olhar metodológico, entra em relação dialética com o método. Inaugura-se um diálogo interno, do qual resulta a adequação entre método e objeto. Dessa adequação surge um procedimento, ou seja, o caminho que o pesquisador escolhe, e muitas vezes também se sente escolhido por ele, para chegar a um determinado lugar. O procedimento é a encarnação do método. Na clínica psicanalítica denominamos tal processo técnica, enquanto na pesquisa relatamos os procedimentos, os caminhos que nos levam a um resultado específico. Por isso a relação entre procedimento e escrita passa ser fundamental.

Poderíamos apresentar algum critério para dividir a Pesquisa Psicanalítica em categorias, vários seriam adequados e possíveis, mas, nenhum pareceu suficiente. Nem dividir em pesquisa teórica e pesquisa clínica nem em pesquisa empírica e menos ainda em conceitual, pois é raro e talvez impossível encontrar qualquer Pesquisa Psicanalítica em um desses estados, de forma pura. Nossas pesquisas costumam viver nas fronteiras dessas categorias ou em nenhuma categoria definível. As produções são variadas demais, não apenas por conta das características aqui descritas, que por si só deixariam qualquer categoria insustentavelmente leve, mas também porque sofrem influências dos lugares em que foram originadas.  Mestrados, Teses de Doutorado, Universidades distintas, Pesquisas em Departamentos Médicos, ligadas à Filosofia, Sociologia, Literatura e História, que levam ou não em consideração o método psicanalítico, todas costumam trazer marcas de origem. À Pesquisa Psicanalítica – sua estranheza já foi explorada – devemos unir o clima institucional reinante no lugar ou instituição que a originou, as pressões econômicas, os interesses das Escolas de Psicanálise e seus temas dominantes. Sendo assim nem os resultados das Pesquisas Psicanalíticas são puros.

Sobre três tipos de pesquisa: Empírica, Teórica e Clínica.

a) Pesquisa é um termo associado à pesquisa empírica, a conotação positivista do termo causa aversão à maioria dos psicanalistas. Essa aversão não pode ser apenas vista como desconhecimento ou preconceito, pois, o método positivista de produção de conhecimento não é o método da Psicanálise. As distorções ocorrem quando se tenta tratar a psicanálise como um objeto criado por outro método que não o psicanalítico. Confundir e amalgamar campos distintos não gera qualquer conhecimento. Leva ao empobrecimento de ambos os métodos e objetos. No entanto, não é sábio descartar pesquisas e resultados que quantifiquem a clínica psicanalítica sem distorcê-la.

A quantificação pode ser entendida como um recurso auxiliar de dada pesquisa. Poderíamos chamar de pesquisa sobre psicanálise uma enorme gama de investigações válidas e importantes que não utilizam o método psicanalítico, mas que mantêm relação com a Psicanálise.

As correlações entre Neurociências e Psicanálise formam um campo de investigação interessante ao provocar e tensionar os conceitos e a prática psicanalítica. Apelam ao Freud neurologista que dialogou com as ciências de sua época e visam relacionar os postulados psicanalíticos com as funções cerebrais. Podem levar a psicanálise a um relacionamento mais fecundo com as ciências naturais. E devem se nutrir da admiração mútua (não cabe rivalizar em campos tão distintos), pois os grandes cientistas da mente admiram a psicanálise e reconhecem seus achados e resultados. Eles entendem o trabalho de Freud como o trabalho de um pioneiro sem método rigorosamente científico, mas capaz de grandes intuições e acertos. No artigo, A biologia e o futuro, Kandel (neurocientista e prêmio Nobel) afirma que as neurociências confirmam as descobertas da psicanálise, mas lamenta que essa tenha perdido seu poder criativo, por não ter desenvolvido “métodos objetivos de experimentação das idéias brilhantes que formulou”. Interessante que esse importante neurocientista denuncie nossa paralisia e procure modos de nos salvar.

Para muitos psicanalistas, a Pesquisa Empírica pode não ser uma questão relevante, pois não sofrem a pressão dos departamentos de psiquiatria e neurologia nem dos seguros de saúde contra o método psicanalítico, mas, as pesquisas sobre psicanálise podem ser úteis para aqueles que trabalham nesses departamentos e para o diálogo com outros campos de conhecimento.

Na maioria das instituições médicas evidencia-se uma demanda de resultados quantitativos, com a garantia de verificabilidade, mais próximas ao seu próprio modelo de investigação. A pesquisa psicanalítica não é considerada, pois, com frequência, seu método gera explosões no sistema conceitual, causando resistências em contextos que priorizam conclusões baseadas em procedimentos estatísticos. Exigências contrastantes entre a peculiaridade da psicanálise e os requisitos das instituições médicas levam o pesquisador psicanalítico a uma situação difícil. No entanto, ele encontra uma saída ao utilizar a análise qualitativa que é um procedimento mais habitual e próximo ao seu objeto, possibilitando um grau de validação científica aceitável na maior parte das instituições.

O avanço dos recursos medicamentosos e da psiquiatria obriga os psicanalistas a estudar a relação entre medicação e clínica psicanalítica – somos convocados a dar respostas mais assertivas para o alívio dos sintomas. Adquirimos maturidade suficiente para não confundir os campos de conhecimento. Podemos nos beneficiar do estabelecimento do diálogo e da ampliação de nosso escopo clínico, principalmente quando somos capazes de produzir conhecimento criterioso e pensamento reflexivo sobre os incrementos vindos da cultura. 

b) Nos Centros de pós-graduação ligados às ciências humanas se desenvolveu a pesquisa teórica. Em seu início talvez sofresse de nostalgia da filosofia e lhe emprestasse um jeito de ser e fazer em que prevalecia o sistema conceitual dedutivo. Esmiuçar os conceitos da psicanálise desde suas raízes primevas (e até inconscientes) trouxe maior rigor ao estilo psicanalítico.

A SBPSP se beneficiou com esse rigor, refletido na questão da importância de traduções de qualidade, por exemplo. Obrigando os psicanalistas a conhecer mais profundamente as teorias utilizadas e a debatê-las – um bom antídoto contra ideologias. Conceitos e autores foram cruzados e temas novos descortinados. O questionamento tomou o lugar da simples aceitação, pois o movimento de desconstrução obriga o pensamento a não se acomodar. A inquietude é própria do nosso saber.

No entanto, segundo Herrmann, (pg 48, livro: Pesquisando com o Método Psicanalítico) os exageros levaram essas pesquisas a discutirem os conceitos em estado teórico, induzindo, ao mesmo tempo, a qualquer conclusão e ao engessamento. A clínica é a raiz do pensamento psicanalítico e a movimentação dos conceitos exige uma compreensão que passa pelo estado nascente (dos conceitos) até a maneira de sua incorporação aos usos e costumes de nossa comunidade. Faltando bases clínicas e movimentação dos conceitos alguns dos resultados provaram apenas capacidade de erudição do pesquisador.

Contribuições da Psicanálise para outros campos como o Jurídico, a Educação, a Psicopedagogia, a História, a Literatura, a Cultura foram legitimadas pelas pesquisas geradas tanto no âmbito da SBPSP como nos âmbitos universitários. Ampliaram as metáforas dos analistas e também a clínica.

c) A investigação clínica – marca distintiva da SBPSP e motivo de orgulho – se ampliou enormemente a partir dos anos 90. À clinica padrão, baseada na análise didática,  juntou-se diversas modalidades de Pesquisa clínica: casais, autistas, transtornos alimentares, borderlines, família, vínculos e bebês. Desafios clínicos foram enfrentados e obstáculos internos – ligados ao temor de perda de padrão de excelência clínica – conquistaram a superação, embora certa dose de desconfiança a respeito da legitimidade dessas práticas permaneça.

A ampliação do escopo clínico e as resistências geradas por esse tipo de movimentação obrigaram os pesquisadores a desenvolver procedimentos e técnicas adequadas – não apenas discursos afirmativos e inclusivos. Os grupos de estudo que se formaram na SBPSP e cresceram nos últimos 10 anos podem ser compreendidos diante dessa tensão, pois acolhem as preocupações e protegem os interesses clínicos dos analistas. Por isso falamos de estudo como uma etapa anterior a da pesquisa, pois o pesquisador se coloca na posição de autoria, assumindo responsabilidade pelo caminho escolhido, pelo saber criado e pela publicação dos resultados.

Os meios de publicação e as formas de comunicação entre analistas ganharam maturidade progressiva. Exigências editorias e cuidado com a complexidade da escrita psicanalítica cresceram juntos. Em Psicanálise a escrita é o meio e a forma de ampliação de um campo. A publicação é parte integrante da pesquisa, por isso sua importância.

A independência do pensamento, a ousadia da curiosidade, o rigor do método e a publicação são atributos de qualquer Pesquisa. Conhecimento conjuga com liberdade, no entanto, o rigor necessário à investigação psicanalítica merece o esforço de transformar estudo em pesquisa para que a máxima – todo analista pesquisa – se torne verdadeira. Apresentar dados, comunicar com clareza os acontecimentos clínicos, falar de incertezas, de erros e fracassos, construir procedimentos, permitir que os sentidos surjam e que um saber se solidifique, mas que não seja transformado em ideologia é a marca distintiva da Psicanálise.

Consideração final:

A crise da Psicanálise que ensejou o termo Pesquisa entre nós deve ser compreendida no âmbito psicanalítico, possivelmente como resultado da repetição dogmática e reificante de nossas teorias, da valorização estrita da clinica padrão (onde o modelo da análise didática impera) e em detrimento de outras formas de clínica psicanalítica.

A colonização e infantilização do pensamento analítico sofrido ao longo dos anos de implantação da Psicanálise fora da Europa e USA colaborou para o aprofundamento dessa situação ao procurar impedir o surgimento de um pensamento psicanalítico mais inovador.

Os conflitos entre as Escolas de Psicanálise também contribuíram para diminuir a criatividade dos analistas, que se viam desde a formação expostos a uma corrente de pensamento dominante e obrigados a tomar um partido precocemente.

Hoje testemunhamos um despertar para pesquisa e a necessidade de romper com a colonização sofrida e com a visão estrita das Escolas. Mestrados, Doutorados e estudos bastante elaborados, com um sentido de autoria e de apropriação crítica do pensamento analítico vêm sendo desenvolvidos pelos analistas da SBPSP nos últimos 20 anos.

Bibliografia:

Herrmann, F e Lowenkron, org. Pesquisando com o método psicanalítico, Editora Casa do Psicólogo. São Paulo, 2004.

Kandel, E. R. A biologia e o futuro da psicanálise: um novo referencial intelectual para a psiquiatria in Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul vol. 25, N.1, JAN/ABR. 2003.

*Artigo publicado no livro: Dimensões – Psicanálise. Brasil. São Paulo

[1] Parte das características aqui descritas foi extraída da apresentação do livro Pesquisando com o Método Psicanalítico, de autoria de Iliana Warchavchik, Luciana Saddi e Magda Guimarães Khouri.

 

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Complexo de édipo

Por Luciana Saddi
09/01/13 11:23

Esse famoso conceito da psicanálise se popularizou.  Vemos personagens de novelas falando do tal complexo, lemos biografias que fazem  interpretações baseadas na versão  freudiana de Édipo e até amigos se arriscam a palpitar sobre amores proibidos da infância diante do término de um relacionamento. Mas afinal, o que significa o tal complexo?

A criança experimenta, entre os 3 e os 5 anos, um conjunto de desejos amorosos e hostis em relação aos pais. Em sua fantasia forma um verdadeiro triângulo amoroso, marcado por sedução, rivalidade e exclusão. Ora luta para conquistar o pai e colocar a mãe de lado, ora luta pelo contrário.

Nesse mesmo período, percebemos as consequências da diferença entre os gêneros. É um período de intensas paixões e sofrimentos.  Em função dos medos e conflitos a criança começará a entender que não pode ser tudo ou ter tudo. Surge a renúncia e a mágoa, que levará a resolução do complexo de Édipo e um certo esquecimento dessa fase.

Inicia-se a procura por amores aceitos socialmente e interesses diversos. O caráter, a moralidade e os ideais se organizarão a partir dessas vivências, são o resultado da impossibilidade da criança realizar seus desejos incestuosos ou violentos.

O Complexo de Édipo desempenhará, segundo a teoria freudiana, um papel fundamental na estruturação da personalidade e na orientação da sexualidade humana, posto que somos o que nos tornamos ao atravessar  esse incrível período da vida.

Será revivido na puberdade – por isso adolescentes se tornam hostis aos pais – é superado com maior ou menor êxito na vida adulta. Os amores complicados ou proibidos, as paixões doentias ou os casos mal resolvidos guardam semelhança com os conflitos da tenra infância. Muitos não conseguem superar o complexo de Édipo e repetem triângulos amorosos excitantes ou infortúnios sabidamente anunciados. 

 

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A fala pode nos trair

Por Luciana Saddi
08/01/13 10:06

Fale Comigo na Rádio Folha

No programa “Fale Comigo” desta semana, a psicanalista e blogueira da Folha Luciana Saddi fala sobre a palavra.

Segundo a especialista, a mais bela aquisição da humanidade pode gerar guerras, criar amantes ou ser aconchegante.

“Quando falamos, nos revelamos, nos escondemos e até nos traímos”, diz.

Abaixo, Luciana também fala sobre o silêncio e seus significados. Ouça.

http://www1.folha.uol.com.br/multimidia/podcasts/1206560-luciana-saddi-a-fala-pode-nos-trair.shtml

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Perdemos a substância

Por Luciana Saddi
07/01/13 10:38

Fale Comigo na Rádio Folha

A vida humana tem perdido sua substância. Em primeiro lugar, a substância afetiva, depois a racional e, talvez em breve, a própria vivência da substância material, a credibilidade dos fatos e das coisas. A opinião é da psicanalista e blogueira da Folha.com Luciana Saddi.

Segundo a especialista, isso ocorre em função do enfraquecimento do contato do homem com a natureza e do desenvolvimento tecnológico e científico da modernidade.

“A perda de substância do mundo e do homem levou-nos a funcionar sobre as mesmas regras que regem os atentados: aliar o máximo de potência ao mínimo de alvo. E assim coagular os atos”, diz Luciana no áudio abaixo.

http://www1.folha.uol.com.br/multimidia/podcasts/1206539-luciana-saddi-perdemos-a-substancia.shtml

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Férias

Por Luciana Saddi
21/12/12 10:48

Entro de férias hoje e volto no dia 7 de janeiro.

Boas Festas!!!

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