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por Luciana Saddi

Perfil Luciana Saddi é psicanalista e escritora

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Entenda por que muitos têm tanto medo do futuro

Por Luciana Saddi
19/03/13 12:41

Fale Comigo na Rádio Folha

Há pessoas que vivem perseguidas por um destino funesto –como se houvesse uma força demoníaca marcando sua existência.

Segundo a psicanalista e blogueira da Folha Luciana Saddi, essas pessoas vivem com medo do dia em que essas fantasias se realizarão. Fantasias alimentadas por episódios cotidianos ou excepcionais, que se repetem, e confirmam a expectativa de ruina.

“A Psicanálise nos ensina que o medo do êxito é poderoso, é influenciado pelo sentimento de culpa inconsciente que exige punição e castigo e, muitas vezes, sobrepuja o desejo de sucesso”, diz a especialista. Ouçam:

http://www1.folha.uol.com.br/multimidia/podcasts/1234497-luciana-saddi-entenda-por-que-muitos-tem-tanto-medo-do-futuro.shtml

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Creche-boutique - Entrevista

Por Luciana Saddi
18/03/13 08:39

Jovens profissionais ao se tornarem pais se angustiam quando voltam a trabalhar e não têm com quem deixar os filhos. Avós trabalham ou moram longe, há poucas creches públicas e babás custam caro. Na ausência do amparo da comunidade, resta fazerem enormes sacrifícios pessoais e financeiros. A angústia e o desamparo dos pais transbordam sobre a criança pequena, o que pode afetar seu desenvolvimento psíquico. A psicanalista, Marion Minerbo*, abre uma conversa sobre a creche-boutique, uma possível solução para este problema.

Luciana: Como foi que surgiu a ideia de creche-boutique?

Marion: Minha filha mora fora do Brasil, e lá os jovens profissionais como ela encontraram uma solução que me parece simples e criativa para deixar seus filhos.

Uma mulher do bairro – geralmente alguma vizinha que já criou os filhos, que precisa e/ou quer trabalhar, mas não está inserida no mercado de trabalho – adapta uma parte de sua casa para funcionar como creche. Coloca uns tapetes daqueles de quebra-cabeça de borracha, que podem ser retirados no fim de semana. Afasta os bibelôs e mesas pontudas. Coloca brinquedos, não necessariamente comprados. Minha neta de 7 meses se divertia muito com um lenço bem leve e transparente que caía sobre seu rosto. Música boa e tranquila, não necessariamente cantigas de roda.

Usa aquele quarto que ficou sobrando depois que os filhos saíram de casa para colocar uns berços. E recebe 4 ou 5 crianças entre 5-6 meses e 2 anos – período entre o fim da licença maternidade e a escola maternal. Prepara sopinha fresca todos os dias, dá o lanche, troca as fraldas, põe para dormir e brinca com elas. E se vincula amorosamente às crianças como se fossem netos.

Como é perto de casa, os pais não enfrentam um trânsito horrível para deixar e buscar seus bebês. A “avó compartilhada” está pronta para receber as crianças às 7:30 horas. Os pais buscam em torno das 16 horas. As mães ligam durante o dia para saber como está; ou ela liga para a mãe vir buscar se o bebê está doentinho. E ela cobra um tanto por cada criança, um tanto que é razoável para jovens pais e significativo para o orçamento dela. É bom para todo mundo: para ela, para os pais e para as crianças.

Inventei o nome creche-boutique por analogia aos hotéis-boutique, que são o oposto daquelas grandes cadeias tipo Hilton para executivos com os quartos todos iguais. São poucos quartos, decorados um por um, e com um tratamento personalizado para os hóspedes que se sentem realmente em casa. A creche-boutique é uma extensão da casa.

Luciana: Quem estaria apto para realizar esse tipo de trabalho e por que?

Mulheres que têm um “talento” especial para serem mães ou avós, isto é, que sentem que dão conta, com prazer, do trabalho de cuidar de crianças. Mulheres que valorizam e se sentem valorizadas por este trabalho fundamental. Pois, temos que concordar, nem toda mulher tem – nem é obrigada a ter – jeito para isso. Um psicanalista cunhou um termo ótimo para isto: há mães “suficientemente boas”. Precisam gostar de crianças, ser afetivas e generosas; ter bom senso e um equilíbrio emocional suficientemente bom.

Luciana: O que os pais devem observar na hora de escolher um cuidador do tipo creche-boutique?

Precisam conhecer minimamente a mulher e ver nela esse jeito especial para ser uma boa cuidadora. E precisam conhecer a casa. Um ambiente que, por qualquer razão, causa mal estar em quem chega, não é um bom sinal em termos de equilíbrio emocional do dono da casa. Não estou falando de decoração, mas de um ambiente pesado, triste, árido, ou caótico, esquisito, excessivo. Enfim, um ambiente dissonante em termos do que seria de se esperar dentro de uma cultura deve ser evitado.

Luciana: Pensando como psicanalista, quais são as implicações no desenvolvimento infantil que esse tipo de cuidado gera?

Marion: Do ponto de vista psicanalítico vejo muitas vantagens.

Quando uma pessoa, babá ou avó, não fazem mais nada da vida além de estar com a criança o dia inteiro, pode se criar uma dependência recíproca intensa. Explico:

A cuidadora pode transformar aquela criança no centro e na razão da sua existência, o que, do ponto de vista emocional, é um peso para a criança. Esse risco se dilui quando há várias crianças a serem cuidadas, e quando a cuidadora sabe que, a partir das 16 horas, as crianças vão embora e ela vai cuidar da própria vida.

A criança, por sua vez, tem a oportunidade de ficar “sozinha” na presença da cuidadora, já que ela tem outras crianças para cuidar. Ora ela é o foco da atenção carinhosa, ora ela está num espaço mais periférico da atenção da cuidadora. Isso é muito bom, porque ela pode desenvolver seus próprios recursos internos, e sua criatividade, para brincar sozinha, em vez de depender inteiramente da iniciativa da cuidadora. Enfim, a criança não sofre pelo excesso de estimulação, inevitável quando uma pessoa está inteiramente à disposição do bebê.

A estabilidade de um vínculo amoroso, pessoal e confiável, sem ser excessivo nem intrusivo, é da maior importância para os bebês. Com a rotina da creche-boutique se evita o entra e sai de babás e o sentimento de descontinuidade que isso gera no bebê.

As mães, que em geral são vizinhas, acabam formando uma pequena comunidade, amparando-se reciprocamente. E os bebês também vão descobrindo que não são o centro do mundo, e que isso é bom.

*Aproveito para falar do  novo livro da Marion Minerbo, Transferência e contratransferência, que acaba de ser lançado pela Casa do Psicólogo. É um livro escrito em linguagem clara e simples, sem jargões, baseado nos cursos que ela têm dado na Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.

 

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A palavra

Por Luciana Saddi
15/03/13 13:34

A mais bela e importante aquisição humana. A palavra é inseparável do pensamento. Não é possível pensar sem nomear. Os nomes das coisas, dos afetos, das ideias racionais ou irracionais passam pela existência das palavras. Cada palavra cria um mundo novo de sentidos e de possibilidades. O vocabulário muda e se expande à medida que estabelecemos novas aquisições sociais e pessoais.

A palavra pode ser plena como a poesia que caça a essência das coisas e nos espeta com sentidos inusuais.  A palavra pode ser como a prosa que mergulha no mundo e se derrama pelos livros de referência. A palavra pode ser vazia, conversa fiada. A palavra cria amantes, gera guerras, e, pode funcionar como um atentado terrorista, mas também acalma, nina, aconchega. É um instrumento extremamente poderoso.

Uma das primeiras pacientes de Freud, antes da psicanálise se transformar num conjunto de conhecimento aceito pela comunidade, chamou o tratamento que fazia com ele de cura pela fala.

Ao falar nos revelamos, nos escondemos, nos traímos. Quando conseguimos dizer o que queremos (é preciso coragem) nos colocamos de forma singular no mundo, mas o silêncio também faz parte da comunicação e pode significar indiferença, superioridade, medo de se mostrar, insegurança.

A palavra inibida, quase casta, lutando contra a autonomia do homem ou palavra liberta, capaz de estender as fronteiras do pensamento? Os psicanalistas  perceberam a importância da palavra plena de afeto no tratamento dos sofrimentos psíquicos. Desenvolveram um dispositivo que permite a livre expressão do sujeito. A singularidade é seu fruto. É também e sempre um alto um preço a se pagar

 

 

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Recalque

Por Luciana Saddi
13/03/13 09:42

Internauta: Ultimamente, as pessoas que encontro utilizam a palavra “recalque” para todo tipo de reação ou sentimento, mas quando questiono o que querem dizer com isso falham nas explicações. Não quero te pedir para explicar o significado de “recalque”, mas gostaria de um comentário seu sobre o uso leviano de termos psicológicos como recalque, depressão, complexo, etc.

 

Luciana: quando Einstein formulou a teoria da relatividade jamais imaginou que o mundo viesse a empregar expressões como: tudo é relativo. O mundo se impregnou de Einstein, de ciência e de física – pela maravilha das ideias e pela facilidade de acesso ao conhecimento. Segundo o biógrafo Walter Isaacson, Einstein foi o primeiro cientista celebridade da história.

Muitos racistas – o nazismo inclusive – proclamaram a superioridade da raça e outras imbecilidades monstruosas em nome de uma das mais lindas sacadas de todos os tempos: a teoria da evolução das espécies. As ciências humanas também se impregnaram de Darwin. O neodarwinismo social é uma prova do contágio.

Com a Psicanálise ocorreu fenômenos semelhantes aos citados acima. Popularmente e com naturalidade falamos de inconsciente, complexo de édipo e fantasias sexuais ou explicamos certos comportamentos (os mais bizarros) pela teoria do trauma infantil. Orientação sexual faz parte do currículo escolar. Há influência das ideias de Freud até na exploração comercial da sexualidade. Acompanhamos psicanalistas se tornarem personagens de novelas e seriados.

Teorias científicas se entranham no tecido social. Sentados em frente à TV ou em frente aos computadores acessamos todas as informações do mundo! A sociedade de massa de consumo (sociedade do espetáculo, da informação, do vazio, etc) se caracteriza por esse tipo de ação ao devorar conceitos científicos complexos e transformá-los em balelas. É o preço que pagamos pelos ideais iluministas de universalização do conhecimento. Prefiro o mundo assim, melhor assim, do que um mundo onde os doutos superiores detenham o conhecimento. Melhor um mundo com gente que acredita que sabe alguma coisa do que um ignorante de vez.

Imperdoável é um psicanalista não saber o que é recalque, seria como um físico não entender da teoria da relatividade ou um biólogo que nunca leu Darwin.

Recalque é mais um desses complexos conceitos psicanalíticos, mas para consumo popular traduza por reprimido inconsciente!

 

EU ETIQUETA

Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome… estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências.
Costume, hábito, permência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-la por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer principalmente.)
E nisto me comparo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou – vê lá – anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
Meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar
Cada vinco da roupa
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo dos outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.

 

Carlos Drummond de Andrade

 

Aurea Rampazzo, coordenadora das oficinas de criação literária do Museu Lasar Segall, escolheu o poema para essa pergunta/resposta.

 

A biografia, Einstein: sua vida, seu universo, de Walter Isaacson mostrará um cientista preocupado com seu tempo, com a guerra e com o mundo, dominado por conflitos emocionais e genial.

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Feminismo é um insulto?

Por Luciana Saddi
12/03/13 17:23

Assitam esse video da escritora chilena, Isabel Allende e respondam.

http://vimeo.com/18646881

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Entenda o processo de elaboração após um trauma

Por Luciana Saddi
12/03/13 10:14

Fale Comigo na Rádio Folha

A elaboração é uma das mais importantes formas de trabalho do psiquismo. Por meio dela dominam-se os estímulos internos e externos ao estabelecer conexões associativas com o patrimônio já consolidado de sentimentos e pensamentos.

“É um modo espontâneo de funcionamento da mente”, diz a psicanalista e blogueira da Folha Luciana Saddi.

No áudio acima, a especialista explica que após algum evento traumático é comum haver um momento de silêncio e falta de sentido, mas em seguida haverá ideias, lembranças, sentimentos confusos e esparsos, que se associam ao evento inesperado em busca de uma narrativa que faça sentido.

“Cria-se uma ou mais histórias, em busca de pôr ordem na casa”.

É neste momento em que há percepção do tamanho do machucado. “A ferida se abre e se fecha, vem e volta até cicatrizar”, diz. Ouçam:

http://www1.folha.uol.com.br/multimidia/podcasts/1234495-luciana-saddi-entenda-o-processo-de-elaboracao-apos-um-trauma.shtml

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Aprendendo a Lidar com os Medos – Entrevista

Por Luciana Saddi
11/03/13 09:19

Convidei o psicólogo e psicanalista, Julio Cesar Walz*, para conversar sobre seu livro, Aprendendo a Lidar com os Medos – A Arte de Cuidar das Crianças. O livro é dedicado a todos que desejam entender melhor o universo infantil e seu imaginário, o desenvolvimento psíquico, as relações entre pais e filhos, professores e alunos. O autor busca ajudar os pais e demais cuidadores, a cumprirem o papel de intermediadores entre a realidade psíquica e a vida da criança.

Muito além da autoajuda, sem fórmulas nem regras, essa pequena obra sensível e inteligente constrói uma ponte entre o infantil e o adulto. Sua leitura estimula a criatividade na relação com as crianças e reacende a chama do brincar que mora, por vezes esquecida, em todos nós.

Luciana: A arte de cuidar das crianças, é o subtítulo de seu livro, Aprendendo a lidar com os medos, por que escolheu o termo arte?

Julio: O cuidar é uma arte.  A obra de arte não é uma simples reprodução (senso comum) das coisas. Para destacar um ponto do todo ou para querer dizer algo, o artista não pode se prender ao fato em si… Ele não pensa/sente/age sendo um mero espelho. Por exemplo: você deseja ensinar ao seu filho que arma de brinquedo não é uma boa coisa. Tira dele, explica, argumenta. Ele concorda. Passam alguns dias, você chega em casa e ele te aponta uma régua e dispara um tiro. Caso você largue sua “capacidade artística”, imediatamente vai sentir e pensar: meu filho é um bandido, desaforado, não aprende o que ensino. Vai receber literalmente a ação da criança e devolvê-la com algum tipo de raiva e/ou agressão. Agora, se você tiver esta habilidade de não se prender meramente ao fato, vai ver e aceitar que a criança está brincando. Ela não fez nenhuma confusão. Ela apenas está brincando. O adulto é que tomou a cena literalmente, provavelmente por sentir-se ofendido e desrespeitado. Encheu-se de razão e trocou rapidamente o brincar pela força cruel da moral ou pelo poder, que normalmente chama de educação.

Outro exemplo corriqueiro: quando nascem os dentes de um bebê, ele normalmente começa a usá-los (investigar o mundo e as sensações novas). Caso investigue o seio da mãe de maneira mais forte (mordida), a mãe irá sentir dor. Se ela ficar “ofendida”, ou achar que seu filho (a) é mau, irá agir nesta mesma moeda. Estes dois pequenos fragmentos são exemplos de um universo diário da vida e do convívio de cada um de nós. Enfim, escolhi o tema da arte para realçar que esta emoção precisa ser esculpida no adulto diariamente: que é a capacidade de largar o sentimento de onipotência e seguir pelos caminhos maravilhosos e incertos da investigação ou do amor. Aliás, é muito interessante a origem etimológica da palavra cuidar. Cuidar vem do latim cogitare, que significa (conforme o dicionário do Aurélio Buarque de Holanda): imaginar, pensar, meditar, cogitar, aplicar a atenção, o pensamento, a imaginação, fazer os preparativos. Cuidar não se refere apenas a um mero ato de preparativos concretos. É, acima de tudo, uma capacidade de olhar verdadeiramente, com interesse e imaginação. Cuidar ou amar é o oposto do poder. Nada de novo nesta afirmação. Como digo no livro, “para poder cuidar é necessário um relativo desprendimento da realidade concreta para que sobre ela possamos projetar a imaginação e criar alternativas de solução. A realidade concreta é crua, contundente e imperiosa”. Esta é a alternativa para escaparmos desta criminosa ilusão (a do poder), de que sabemos tudo e de que somos e queremos ser o centro da vida.

Enfim, a arte de cuidar é o exercício diário de ajudar a nós mesmos e a criança a descobrir e construir o mundo permanentemente, justamente para que não confundamos o brincar e o poder.

Luciana: Quais desafios o cuidador tem que enfrentar ao realizar esta arte?

Julio: O primeiro e decisivo está dito acima. Ou, como digo no livro: “o adulto cuidador é aquele que aceita que usa sapatos grandes em pés pequenos”. Se o adulto consegue largar por boa parte do tempo o seu delírio de grandeza, ocorre que ele inevitavelmente se tornará um “colega” mais experiente na descoberta permanente da vida. E a consequência será a de ajudar na construção de pontes mentais. Do que se trata? A vida é uma contínua força de crescimento e mudança. E até que alguém possa atingir certa estabilidade psíquica, se assim podemos dizer, são necessários longos anos. Mas para que esse processo aconteça, a criança necessita de ajuda. Ajuda quer dizer: não permitir que ela fique lançada ao infinito e vazio por longo tempo. Necessita de pontes emocionais e concretas para que, no ir e vir da relação consigo e com o seu meio, não fique presa ao excesso impactante da realidade e das instabilidades normais de uma vida. Uma maneira de pensarmos este tema do excesso seria através das relações espaço e tempo. Vamos imaginar a seguinte cena: um bebê dormindo no carrinho e o cuidador (mãe, pai, avó, babá) está na cozinha. De repente, a criança acorda e chora. O cuidador deixa suas tarefas e vai atendê-la. A criança lançou uma mensagem ao espaço (choro) e o cuidador veio com a experiência do tempo (a mensagem não fica solta) e restringe o espaço infinito da mensagem ao atendê-la.  Agora, suponhamos que a criança fique chorando por uma hora inteira até que apareça alguém. A cena seria a do excesso de espacialidade ou da mensagem perdida no infinito e a pouca presença do tempo continente. Ou seja, uma angústia brutal. Enfim, a ponte é o elo afetivo que vincula as duas pessoas e ninguém fica no vazio diante do outro.

Luciana: A forma como imaginamos o que é uma criança determina a forma como cuidamos dela?

Julio: Eu diria que a forma como cuidamos de uma criança está diretamente ligada à maneira como nos vemos como adultos. Se achamos que sabemos tudo, que já estamos plenamente formados, não padecemos de dúvidas, temores ou mudanças constantes de opinião, restará da nossa parte apenas ensinamentos. Agora, se soubermos que o processo de crescimento de um ser humano é conflituoso até o fim da vida, com idas e vindas, e que ela, a criança, necessita de um adulto cuidador que não a deixe lançada ao infinito por muito tempo, seremos parceiros naquilo que é decisivo: a vida é uma eterna descoberta.

Luciana: Qual o sentido dos segredos familiares?

Julio: Depende de quais segredos estamos falando. Por exemplo: o segredo da vida íntima dos pais deve ser preservado. Uma criança recebe excessivamente a realidade da sexualidade.  A consequência do excesso geralmente é certo aprisionamento ou paralisia e a diminuição da vida criativa. Afinal, ela fica diretamente ligada à coisa em si. Agora, mentiras que escondem segredos acerca de problemas que são vividos, mas não falados, também geram excessos, porque uma criança nota e sabe que algo não está bem. Sempre considero que a mentira é a pior maneira de se conviver com uma criança. Aliás, como disse Françoise Dolto (psicanalista francesa), “as crianças suportam a verdade melhor que os adultos.”

Luciana: Como a criança vê o adulto?

Julio: Em primeiro lugar, o adulto é necessário para a criança. Sem um adulto ela morre. Uma parte da relação está baseada nesta necessidade imperiosa. E ele é visto por ela como capaz de tudo. Este mecanismo a deixa mais protegida diante da imensidão da vida, percebida em todas as entranhas do corpo. Ao adulto não cabe dizer ou provar para a criança que ela está errada. Ao adulto cabe ajudá-la a seguir adiante cada vez que ela descobrir que os adultos não são tudo o que ela pensava. Mas existe um segundo aspecto importante. Entre adultos e crianças existe algo que Sandor Ferenczy chamou de “confusão de línguas”. Do que se trata? Para uma criança o tempo é eterno. Para o adulto não mais. Veja, quando um adulto se desentende com a criança, a emoção desta será de que o adulto jamais irá gostar dela novamente. O adulto já aprendeu que daqui a pouco as coisas se acalmam e tudo volta ao normal. Nesta relação de confusão de tempo e amor, o adulto precisa ajudar nesta passagem, para que ela não fique com uma infinita sensação de eternidade de abandono.

Luciana: Por que os medos?

Julio:  O medo é uma resposta biológica muito primitiva e primordial, tanto na espécie humana quanto na animal. É o mecanismo básico através do qual podemos nos defender, tanto atacando como fugindo (luta e fuga). É central no desenvolvimento. Quando ele fica demasiadamente ativado, ou por longo tempo, o pensamento tende a ficar paralisado ou repetitivo. Aliás, muitos pais usam o medo como base para gerar ou alterar comportamentos ou ainda associado a mecanismos de recompensa. E funciona para estes propósitos. No entanto, este uso dificilmente estará a serviço de uma vida mental saudável ou criativa. Neste sentido, o adulto é convocado a ajudar, através das pontes, para que o medo não se estenda por muito tempo na vida mental e cerebral das crianças. Imaginem como é a vida mental de uma criança cujo pai ou mãe seja alcoólatra. “Como ele ou ela vão chegar em casa? O que irão fazer? Será que irão me agredir enquanto durmo?” Esta dúvida cruel e diária deixa uma criança em pânico e profundamente triste. Este é um pequeno exemplo de milhares de lares em nosso país, cujas consequências são bem conhecidas nos serviços de saúde. Então, o tema do medo foi escolhido para podemos pensar o assunto do cuidado com as crianças de maneira mais amorosa e com menos terror nas casas.

Luciana: Qual a importância do brincar na arte de cuidar dos filhos?

Julio: Toda. Especialmente quando o adulto não confunde o brincar com fatos puro e simples. Cuidar das crianças é uma questão de saúde pública. Elas naturalmente brincam, exploram o mundo através do lúdico. Um dia são mocinhos e no outro bandido, sem o menor problema. Justamente porque no lúdico vão elaborando conflitos emocionais do desenvolvimento. E quando um adulto resolve interromper o lúdico por intermédio da força unilateral da interpretação, geralmente a criança vai deixando de lado esta atitude de viver a brincadeira. Lembra do exemplo do revólver de brinquedo? Pois é, o grande erro do adulto é confundir o brincar da criança como se fosse verdade ou eterno. Neste momento, a experiência do ir e vir, tão decisivo para a construção das bases para o aprendizado com a experiência, deixa de ocorrer em sua maior plenitude.

Luciana: O que dizer para os pais que perderam um ou mais filhos?

Julio: A dor é inimaginável e, provavelmente, “incurável”. Já vi pais que ao perderem seu filho (a) decidiram deixar de viver e esperaram ou produziram sua própria morte. Já vi pais que criaram ONGs ou projetos sociais relacionados à morte de seu filho (a). Mas, mesmo assim, a dor desta perda é terrível. Nestas horas, o sentimento de culpa fica muito mais intenso: os pais pensam em tudo o que deveriam ter feito ou em tudo o que deixaram de fazer e agarram-se a uma ideia geralmente delirante de que poderiam ter evitado o ocorrido. Se mantiverem esta crença, a dívida ficará impagável e a vida não conseguirá ressurgir. Mas se eu pudesse dizer algo, seria que o único caminho que temos é tolerar o tempo para tentar curar um pouco esta grande ferida, recolher os pedaços e, aos poucos, voltar a amar o viver.

*Possui graduação em Psicologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1992), mestrado em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS – 2003), doutorado em Medicina: Ciências Médicas (UFRGS – 2006) e Pós-Doutorado em Ciências Médicas (UFRGS – 2008). Atualmente, é professor no curso de Psicologia da Unilasalle-Canoas e pesquisador colaborador no Laboratório de Psiquiatria Molecular do Hospital de Clínicas de Porto Alegre nas áreas de psicopatologia, neurocognição e alterações neurotróficas. É também autor do livro, O sentimento de culpa, junto com o psicanalista, Paulo Sergio Rosa Guedes.

 

 

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Poema para os obsessivos

Por Luciana Saddi
10/03/13 10:36

Obsessão

 

Quando um fulano

que é parnasiano

esquece a rima…

entra pelo cano!

 

    Maroca,

    vê se coloca

    o quadro

    no esquadro.

 

Flavio Carvalho Ferraz, Cama de Campanha, Ed. Ateliê Editorial.

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A mentalidade de dieta II

Por Luciana Saddi
09/03/13 09:33

A alimentação vem sendo compreendida pela psicanálise como uma forma de comunicação e de relação entre as pessoas, forma altamente investida tanto individualmente quanto socialmente. Comer é um grande ato acompanhado por muitos toques de requinte cultural e psicológico. Satisfaz a fome e o desejo, a primeira mamada entrelaça necessidade e prazer – ato carregado de componentes eróticos altamente sofisticados. Por isto, muitas vezes, o método de dieta falha: porque não leva a vida psíquica em consideração nem os sinais vitais do comer e porque foi engendrado sob a configuração social chamada ato puro*, em substituição ao pensamento. Para quem teve a alimentação perturbada, é preciso um trabalho psicológico minucioso de investigação sobre a própria alimentação.

Sabemos que comer dá trabalho. É um ato complexo, que envolve capacidade de decisão, de percepção dos sinais internos, de escolha, de relação com o outro e com o mundo de forma mais ampla. As dietas negam isso: tratam o homem como se fosse gado, como se comesse ração, como se, via tecnologia, pudessem alterar o corpo, o paladar e até mesmo o gosto e a forma humana. A ciência e a indústria produzem enorme perturbação ao intermediar de forma massificante a relação do homem com sua alimentação. Diante das condições descritas aqui, vemos que o homem foi perdendo progressivamente a autonomia alimentar possível, já que perdeu a capacidade de se perceber diante do alimento e da alimentação. Procurando se enquadrar desesperadamente em algum “manual da boa alimentação”, acabou por abandonar o trabalho interno que comer exige. E repete essa mesma situação ao procurar transformações em seu corpo, que passa a ser tratado como maquina, como um objeto externo ao próprio homem. Ao fazer dieta constantemente e ao buscar um corpo idealizado se torna mais vulnerável a desenvolver algum problema alimentar.

Vejamos a definição desses quadros sintomáticos.

Os problemas alimentares:

A) Distúrbios do ritmo alimentar:

1. Distúrbio compulsivo de alimentação, que pode levar a obesidade ou não, mas que inicialmente é definido como toda a alimentação além da saciedade.

2. Bulimia, alimentação excessiva combinada a técnicas de alívio, como vômitos e evacuações e diurese forçadas.

3. Anorexia, fobia intensa a gordura e a alimentos, que pode gerar um emagrecimento severo e contínuo.

B) Preocupação exagerada com a aparência do corpo, com exercícios físicos, dietas constantes, modas alimentares, toda a ordem de compulsão por transformações estéticas no corpo.

C) A desnaturalização do ato de comer, mediado por tantas informações, torna a alimentação fonte de desconforto, de mal-estar, fundando uma relação perturbada com o alimento, com a saúde e com o corpo.

Esses problemas alimentares acima identificados indicam um grau acentuado de perda de autonomia alimentar em consequência da mentalidade de dieta.

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Entenda os mistérios da psicose

Por Luciana Saddi
08/03/13 10:00

Fale Comigo na Rádio Folha

No programa “Fale Comigo” desta semana, a psicanalista e blogueira da Folha Luciana Saddi fala sobre psicose.

A especialista explica que a psicose é um estado mental que ocasiona a perda de contato com a realidade. “Popularmente chamada de loucura, caracteriza-se por ser uma manifestação psicologicamente incompreensível, uma ruptura, que não pode ser vista como reação a um acontecimento –nada a explica”, diz.

Inquietude psicomotora, sensações de angústia intensa e opressão, além de insônia severa e alterações no apetite também estão entre os sintomas da doença.

http://www1.folha.uol.com.br/multimidia/podcasts/1218592-luciana-saddi-entenda-os-misterios-da-psicose.shtml

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