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por Luciana Saddi

Perfil Luciana Saddi é psicanalista e escritora

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Jogos de azar - entrevista

Por Luciana Saddi
01/04/13 09:53

As compulsões como os jogos de azar, a adição às drogas e às compras compulsivas  tornaram-se marca da contemporaneidade. Convidei a psicanalista, Maria da Penha Zabani Lanzoni*, para conversar sobre as possíveis implicações inconscientes desses sintomas.

Luciana: Como surgiu seu interesse pelo jogo de azar?

Penha: Estava atendendo uma paciente viciada em vídeo pocker. Ela ganhava apenas o suficiente para se manter,  mas, pagava as casas de jogo. Às vezes emitia cheques sem fundo e às vezes emitia cheques que sustava no dia seguinte. Vivia atolada em dívidas enormes, sofria ameaças de credores (os donos das casas de vídeopocker), faltava muito ao trabalho porque passava a noite jogando e não conseguia acordar, deprimia-se etc.

Percebi que a literatura psicológica e psicanalítica sobre o jogo de azar era pouca ou quase nada. Fala-se muito sobre a compulsão ao jogo, mas essa explicação era insuficiente, não dava conta da riqueza do material clínico apresentado pela paciente. Resolvi investigar mais profundamente o caso para entender a situação, para ver se conseguiria ajudá-la melhor.

Luciana: Como se deu a investigação?

Penha: Eu queria saber quais eram os determinantes emocionais daquele comportamento. Já tinha muito material escrito sobre a paciente. Aliás, ela não havia procurado análise porque jogava, ela havia procurado ajuda devido a uma série de outros sintomas.  Somente dois anos depois de iniciado o tratamento foi que ela contou que jogava. O jogo era apenas mais um dentre tantos sintomas. Resolvi focar a investigação no jogo porque ele era, de longe, o sintoma mais exuberante e intrigante, pois permeava a sua vida. Sua vida era um jogo.

Comecei por escrever a sua história. No entanto, esse trabalho não foi linear. Eu escrevia uma história e quando ia retomá-la para dar sequência à escrita, não conseguia dar continuidade à história iniciada e começava de novo, acabando por escrever outra. Essa nova história tinha elementos comuns com a primeira, mas era outra – muita coisa era diferente. Acabei por escrever cinco histórias, cinco versões diferentes da paciente.  O próximo passo foi analisar cada versão e fazer uma relação entre elas.

Luciana: E qual a sequência da investigação?

Penha: Foram se delineando várias linhas de sentido. Não existia um único sentido para o ato de jogar. Ora a compulsão ganhava relevância, ora a sexualidade podia se realizar por meio do jogo… Explico: não havia uma “causa” para o ato de jogar, mas várias, como eu suspeitava.  A pesquisa revelou pelo menos cinco, “lógicas emocionais” que se expressavam através do mesmo fenômeno.

Luciana: Podemos dizer que seriam cinco personalidades diferentes?

Penha: Não, é mais complexo do que isso. A paciente era uma, tinha uma única identidade gravitando em torno de multiplos eus, decorrentes de regras emocionais específicas.

Luciana: A quais conclusões chegou com a pesquisa?

Penha: Destrinchando as várias histórias, por exemplo, pude ver que numa ela mostrava que ganhar era preciso para realizar todos os seus sonhos de sucesso. Sonhos de fazer grandes viagens, conhecer o mundo, ter o poder que o dinheiro abundante dá, oferecer-se e oferecer à família uma vida abastada e sem problemas financeiros etc. Mas ao lado disso, havia a história que revelava que perder também era recompensador. Se ela perdesse tudo, não teria nada mais para oferecer à família que tentava despojá-la de tudo que era seu, dinheiro e bens materiais. Quando ela os visitava a mãe mexia na sua mala e tirava roupa íntima, shampoo etc. para seu próprio uso. Não ter mais nada que eles pudessem tirar-lhe era uma solução. Solução patológica, mas ainda assim, solução.

Luciana: O que aprendeu com sua pesquisa?

Penha: Aprendi a levar em conta tudo que surge em determinado caso.  A forma que toma o relato do caso de um paciente não pode nem deve ser negligenciada. Aprendi também que as regras emocionais inconscientes que dão vida a um determinado comportamento, a uma maneira de ser do sujeito são muitas e o próprio paciente é múltiplo. O jogo de vídeo pocker era um sintoma, complexo, que revelava e dava expressão a várias facetas.

Luciana: Como tudo isso ajudou o tratamento da paciente?

Penha: Não fiquei presa a uma única teoria que pudesse dar sentido aos sintomas, como a compulsão ou a sexualidade supostamente reprimida. Percebi que cada um daqueles “eus” relacionava-se e esperava de mim algo bem diferente. A paciente que desejava ganhar no jogo tinha uma expectativa da análise. A paciente que desejava, embora não quisesse, perder,  tinha outra expectativa bem diferente e agia comigo de acordo com essa versão.

Luciana: Quais as implicações desses achados no caso de outras compulsões como drogas ou comida, por exemplo?

Penha: A implicação é uma só.  Diante de um sintoma importante temos  uma problemática  complexa. Por isso, não podemos ser ingênuos e acreditar que um tratamento apenas medicamentoso ou apenas psicoterápico, cujo foco é eliminar o sintoma, vá dar conta do problema.

É preciso ir fundo nas várias determinantes emocionais, nos inúmeros conflitos presentes nessas patologias, de sorte que possamos, junto com o paciente e com a ajuda dele, tornar acessível o que estava inconsciente. Que ele possa ter nas próprias mãos sua vida, construir um caminho por escolha consciente e não mais ser compelido a determinado comportamento.

 

* psicanalista, membro efetivo e docente da SBPSP, membro efetivo, analista didata e docente da SPRJ, mestre em psicologia clínica pela PUC-SP.

 

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VII Encontro da Teoria dos Campos

Por Luciana Saddi
31/03/13 12:34

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Ainda sobre a palavra

Por Luciana Saddi
29/03/13 10:03

Julia V, internauta, fez a tradução do belíssimo poema, Poema de amor para ninguém em especial, de Mark O’Brien, que aparece no filme, As sessões. Para quem não assistiu o filme nem conhece a história do poeta vale dizer que ele teve poliomielite na infância e passou a vida sem poder se mexer do pescoço para baixo, embora tivesse a sensibilidade preservada.

Poema de amor para ninguém em especial

Deixe-me tocá-la com minhas palavras
Pois minhas mãos inertes pendem
como luvas vazia
Deixe minhas palavras acariciarem seu cabelo
deslizar tuas costas abaixo
e brincar em teu ventre
pois minhas mãos,
de vôo leve e livre como tijolos
ignoram meus desejos
e teimosamente se recusam a tornar realidade
minhas intenções mais silenciosas
Deixe minhas palavras entrarem em você
carregando lanternas
aceite-as voluntariamente em seu ser
para que possam te acariciar devagarinho
por dentro.

Love poem to no one in particular

Let me touch you with my words
For my hands lie limp
as empty gloves
Let my words stroke your hair
Slide down your back
And tickle your belly
For my hands,
light and free flying as bricks
Ignore my wishes
And stubbornly refuse to carry out
my quietest desires
Let my words enter your mind
Bearing torches
Admit them willingly into your being
So they may caress you gently
Within

 

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Remédios psiquiátricos para crianças

Por Luciana Saddi
28/03/13 09:16

Nos últimos 10 ou 15 anos crianças começaram a ser medicadas com remédios psiquiátricos. Surgiu uma gama enorme de antidepressivos, novos antipsicóticos com menos efeitos colaterais que os mais antigos e muitos anticonvulsivantes começaram a ser utilizados como estabilizadores de humor. O uso de ansiolíticos tem sido substituído pelo de antidepressivos, pois diminuem a ansiedade e há outras medicações que provocam alívio imediato para essas crises.

Todas essas drogas estão à disposição dos psiquiatras e pretendem melhorar a vida das crianças. Se bem usadas aliviam muitos sintomas. Mas é ilusão acreditar que escalas, tabelas ou mesmo um diagnóstico psiquiátrico podem gerar compreensão sobre o que se passa com uma pessoa, no seu mundo interno.

O remédio trata os sintomas; por exemplo, o de agitação, mas temos que pensar o que está promovendo esse sintoma na criança. Que tipo de ansiedade ela está enfrentando? O que está gerando essa ansiedade?

A medicação psiquiátrica na infância também expressa a cultura da pressão por bom desempenho, afinal nossa Sociedade exige cada vez mais das crianças e cada vez mais cedo, desrespeitando o tempo de maturação de cada um.

Embora os remédios ajudem a tratar os sintomas, na verdade eles não ajudam a desenvolver recursos internos que são o que, verdadeiramente, habilitam as crianças a superarem suas dificuldades.

É de fundamental importância fazer uma avaliação criteriosa que nos permita um contato mais profundo e uma visão dinâmica do que se passa com a vida emocional dessa criança e com a família. As psicoterapias devem ser aliadas ao tratamento medicamentoso, pois possibilitam à criança a criar recursos próprios para enfrentar as dificuldades do crescimento.

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Mutuamente excludentes

Por Luciana Saddi
27/03/13 10:11

Internauta: Minha esposa segue a filosofia taoista. Segundo essa filosofia a ejaculação é desperdício de vida, portanto, ela não gosta que eu goze. Toda vez que atinjo o orgasmo ejaculatório ela faz eu me sentir culpado e pede para eu juntar o esperma entre os dedos e colocar num vaso de plantas. Como satisfazê-la e ao mesmo tempo não me privar do prazer de gozar?

 

Luciana: quando éramos crianças estudamos em matemática os conjuntos. Havia conjuntos que eram mutuamente excludentes. Sua questão é matemática simples, tão simples que me surpreende que você não saiba a resposta. É uma falsa questão ou talvez você esteja gozando da e na minha cara, já que o tema é esse.

 

Resíduo

 

 

De tudo ficou um pouco
Do meu medo. Do teu asco.
Dos gritos gagos. Da rosa
ficou um pouco

 
Ficou um pouco de luz
captada no chapéu.
Nos olhos do rufião
de ternura ficou um pouco
(muito pouco).

 
Pouco ficou deste pó
de que teu branco sapato
se cobriu. Ficaram poucas
roupas, poucos véus rotos
pouco, pouco, muito pouco.

 
Mas de tudo fica um pouco.
Da ponte bombardeada,
de duas folhas de grama,
do maço
– vazio – de cigarros, ficou um pouco.

 
Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.

 
Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.

 
Se de tudo fica um pouco,
mas por que não ficaria
um pouco de mim? no trem
que leva ao norte, no barco,
nos anúncios de jornal,
um pouco de mim em Londres,
um pouco de mim algures?
na consoante?
no poço?

 
Um pouco fica oscilando
na embocadura dos rios
e os peixes não o evitam,
um pouco: não está nos livros.

 
De tudo fica um pouco.
Não muito: de uma torneira
pinga esta gota absurda,
meio sal e meio álcool,
salta esta perna de rã,
este vidro de relógio
partido em mil esperanças,
este pescoço de cisne,
este segredo infantil…
De tudo ficou um pouco:
de mim; de ti; de Abelardo.
Cabelo na minha manga,
de tudo ficou um pouco;
vento nas orelhas minhas,
simplório arroto, gemido
de víscera inconformada,
e minúsculos artefatos:
campânula, alvéolo, cápsula
de revólver… de aspirina.
De tudo ficou um pouco.

 
E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.

 
Mas de tudo, terrível, fica um pouco,
e sob as ondas ritmadas
e sob as nuvens e os ventos
e sob as pontes e sob os túneis
e sob as labaredas e sob o sarcasmo
e sob a gosma e sob o vômito
e sob o soluço, o cárcere, o esquecido
e sob os espetáculos e sob a morte escarlate
e sob as bibliotecas, os asilos, as igrejas triunfantes
e sob tu mesmo e sob teus pés já duros
e sob os gonzos da família e da classe,
fica sempre um pouco de tudo.
Às vezes um botão. Às vezes um rato.

 

Carlos Drummond de Andrade

 

Aurea Rampazzo, coordenadora das oficinas de criação literária do Museu Lasar Segall, escolheu o poema para essa pergunta/resposta.

 

Dica: Entrando numa fria, filme de Jay Roach, é uma comédia deliciosa. Duas famílias, duas culturas em choque.

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Para o inconsciente não existe o sem querer: a neurose obsessiva

Por Luciana Saddi
26/03/13 09:56

Fale Comigo na Rádio Folha

Neste podcast, a psicanalista e blogueira da Folha Luciana Saddi fala sobre a neurose obsessiva.

Para Sigmund Freud, ela foi compreendida como um quadro psiquiátrico autônomo e independente.

Caracteriza-se por ideias estranhas e incontroláveis que atormentam incessantemente o sujeito e por constante luta contra esses mesmos pensamentos.

“Também se apresenta pela compulsão a realizar atos indesejáveis, rituais esconjuratórios e por um modo de pensar ruminante”, explica Luciana.

http://www1.folha.uol.com.br/multimidia/podcasts/1248749-luciana-saddi-para-o-inconsciente-nao-existe-o-sem-querer.shtml

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Cinquentões e sessentões - entrevista

Por Luciana Saddi
25/03/13 09:21

Até pouco tempo pessoas com 50 ou 60 anos eram consideradas velhas em nossa sociedade. No entanto, a expectativa de vida aumentou em função do desenvolvimento da medicina, da tecnologia e das ciências causando transformações importantes na representação da velhice. Os consultórios dos psicanalistas testemunham esse novo paradigma, pois hoje somos procurados por cinquentões e sessentões com bastante frequência, situação rara há 20 anos atrás. Para conversarmos sobre os cinquentões e sessentões convidei, Alessandra Cruz, psicanalista e idealizadora do site VISIONARI, http://www.visionari.com.br/ focado no público acima de 40 anos.

Luciana: Quais as mudanças ocorridas nos últimos 20 anos, com relação à questão do envelhecimento?

Alessandra: O Brasil vivencia há aproximadamente três décadas o gradual processo do envelhecimento populacional, há muito conhecido pelos países europeus. Isto ocorreu, sem dúvida, pelos fatores que você já mencionou. Em 1940 a expectativa média de vida do brasileiro era de 43 anos e os dados recentes do IBGE apontam para uma média que se aproxima dos 73 anos. Ainda nesta linha das projeções demográficas, até 2025 a população de idosos será superior à de crianças e jovens.

Aliada a este fator demográfico, vemos também uma grande transformação cultural. Há pouco mais de 20 anos era parte da nossa cultura a clara delimitação dos ciclos vitais.  Cada etapa da vida era sustentada por práticas bastante específicas: infância, adolescência, vida adulta e velhice. Indivíduos com 50, 60 anos estavam terminando sua fase produtiva e se aposentando, com os netos passando a fazer parte deste cenário. A fase do aprendizado e das conquistas teria se encerrado, restando ao indivíduo ocupar lugares de pouca relevância no cenário social, como as aulas de artesanato e demais atividades para ocupar a cabeça e o tempo – configurando a entrada na velhice.

Atualmente presenciamos um embaralhamento dos ciclos vitais. Com isso, muitos estão voltando para a faculdade, outros iniciam uma nova carreira sob a alcunha do que hoje chamamos de aposentadoria ativa, outros se casam novamente e têm filhos com idades iguais ou muito próximas às dos netos, iniciam práticas esportivas até então impensáveis. Enfim, vivemos uma verdadeira revolução neste sentido. Os cinquentões que eram considerados velhos, hoje vivem uma realidade muito diferente da velhice, aproximando-se muito mais dos modos de vida praticados na juventude. Pode-se fazer uma infinidade de críticas ao atual padrão que se instaura.  Uma crítica absolutamente pertinente diz respeito ao aspecto da juvenilização da cultura, ou seja, ao fato de que todas as etapas da vida passariam a seguir o estilo performático de vida jovem, como um padrão de excelência, um valor em si. Mas também é inegável que presenciamos uma maior proliferação dos modelos que podem acompanhar o processo de envelhecimento e este aspecto é muito positivo.

Luciana: As atuais representações sobre a velhice, que tomaram forma através das figuras da Terceira Idade e da Melhor Idade, colaboraram para a valorização do velho no espaço social?

Temos que fazer uma diferenciação entre a velhice e o processo de envelhecimento. A velhice é uma categoria ainda excluída, caracterizada pelo declínio inegociável das funções vitais as quais todos estaremos sujeitos, quanto mais longevos formos. Os mecanismos sociais procuram tirar os holofotes desta realidade, trazendo à baila este senhor, ou senhora entre os 60 e 70 anos, ativos, saudáveis e que ainda respondem aos apelos da economia de mercado. Estes são os verdadeiros destinatários do discurso sobre a Terceira Idade.

Já a experiência da velhice propriamente dita, que foi adiada para os 80, 90 anos por conta das melhorias que já mencionamos, ainda se encontra excluída do cenário social. Até mesmo os menos idosos, acometidos por doenças incapacitantes ou desfavorecidos economicamente, não encontram representação nesta imagem bem sucedida da Terceira Idade. Esta exclusão, comumente associada a uma questão do mundo capitalista ocidental, foi verificada em culturas milenares ou indígenas, que também excluíam os velhos que já não podiam produzir. Este velho deveria possuir algum diferencial para ser aceito, como ser um sábio, um homem de poder ou de grandes posses. Neste sentido, não houve qualquer mudança quanto à valorização do velho.

Portanto, as reais possibilidades de inclusão social do velho, atualmente divulgadas através do ideário da Terceira Idade, merecem uma problematização a partir desta perspectiva.

Luciana: Cinquentões e sessentões, o que vêm procurar nos consultórios de psicanálise?

Penso que é válido destacar alguns pontos. Considerando-se todas as transformações que mencionei acima, é esperado que este cinquentão tenha sido novamente lançado para o caldeirão das inquietações e angústias que envolvem o universo das conquistas, das relações amorosas e do trabalho, basicamente. Não que este indivíduo estivesse fora deste mundo há algumas décadas, mas sua vida apontava para uma maior estabilização quanto às realizações e projetos. Atualmente ele se encontra no jogo, pensando na carreira, em separar-se, em voltar a se casar, em viajar, em comprar uma casa nova, ou iniciar outro ciclo profissional. Mesmo muito deprimido, insatisfeito ou infeliz, pode vislumbrar uma saída, na medida em que se movimentou na direção de um tratamento, no caso, uma análise. Isto também traz para o consultório um sujeito que ainda acredita que poderá se reinventar, pois aceita questionar-se e deseja realizar mudanças tanto em seu mundo interno, como em seu entorno. A ideia de que nesta idade já não há o que mudar ou de que a vida lhe reserva um enredo já consumado, tem se alterado para estas pessoas.

Outro aspecto não menos importante diz respeito às exigências impostas a este sujeito, que cada vez mais tem que responder à demanda por uma alta performance, seja sexual, profissional, ou para atender os padrões estéticos hoje aceitáveis. Esta realidade acirra de forma bastante cruel o sentimento de velhice, como uma analogia à ideia de exclusão, de todos aqueles que não seguiram corretamente a cartilha, sejam estes jovens de 20 anos, ou adultos de 50. Este fato é, sem dúvida, gerador de bastante conflito, pois a ideia de fracasso ronda como um fantasma. Não responder a estas demandas é ficar velho, não como uma condição inevitável, mas como uma vivência pessoal de fracasso. É por esta razão que se usa a expressão “fulano tornou-se um velho”. Pois a qualquer momento podemos cair nesta categoria. O temor da doença, o medo do ócio e da impotência sexual para os homens, o temor em deixar de ser fisicamente atraente para o parceiro, o terror da finitude, o confronto com os fantasmas suscitados pela velhice dos próprios pais, também são aspectos importantes. É uma fase de grandes transformações para aqueles que estão casados há muitos anos, pois, muitas vezes, o envelhecimento do parceiro é um autorretrato o qual se procura evitar, gerando muita hostilidade e falta de companheirismo.

O interessante é que vemos uma mudança em nossa realidade de consultório, que desconstrói a ideia de que a plasticidade capaz de promover algum tipo de mudança é algo para os mais jovens, pois vemos a capacidade de insight também presente num adulto desta faixa etária.

Luciana: o que é o envelhecimento para essas pessoas?

As ideias transmitidas a respeito do envelhecimento em nossa cultura são  bastante ambíguas. Somos bombardeados por recursos estéticos, nutricionais e medicamentosos que prometem combater o envelhecimento e, neste sentido, reproduzimos uma cultura que também não aceita qualquer forma de sua manifestação. Em outras palavras, este só é aceito se adotarmos uma série de práticas de bioascese, termo este utilizado pelo psicanalista Jurandir Costa.

Os atuais discursos sobre o envelhecimento ativo, a melhor idade, a aposentadoria ativa e o envelhecimento saudável associado ao mínimo de marcas corporais que atestem a passagem do tempo, também apontam para o exercício destas práticas. Caso contrário, o sujeito é visto como desleixado, descuidado e estará fora do jogo, entrando para o rol do descarte e da velhice. No entanto, ainda que este modelo de inclusão possa ser extremamente opressor, também passou a oferecer muitas possibilidades, pelo menos para a faixa  entre os 50 e 70 anos. Antes era impensável uma pessoa de 50 anos ir para fora do país fazer um curso de línguas, por exemplo. Ou iniciar uma prática esportiva, como a corrida ou a bicicleta. Os indivíduos desta faixa etária, que disponibilizam de boa saúde e de recursos financeiros para participarem do jogo pertinente à sociedade de consumo, não mais se incluem na categoria da velhice. Atualmente, estas pessoas podem se reconhecer envelhecendo, mas não como velhas.

Vemos, então, o surgimento de termos como envelhescência, numa analogia à adolescência. Nesta faixa etária o sujeito percebe as diferenças (alguns não!) em sua vida, mas não se acha velho, pois o sentimento de juventude persiste em sua auto representação. Muitas mudanças que vão se operando gradativamente também passam despercebidas e será somente através do olhar do outro ou do espelho, que haverá a percepção da dimensão da passagem dos anos. Como apontou Simone de Beauvoir em seu livro, A Velhice, “o indivíduo idoso sente-se velho através do outro, sem ter experimentado sérias mutações; interiormente não adere à etiqueta que se cola a ele: não sabe mais quem é”.

Luciana: Há alguma particularidade importante ao se completar 50 anos?

A particularidade que merece ser ressaltada é justamente a sensação de se estar entrando para o segundo tempo do jogo. Ou seja, este sujeito se encontra confrontado, de diversas formas, com a sua dimensão temporal. A perspectiva de declínio e a ideia de que não se tem mais todo o tempo do mundo, nem todo o gás. Torna-se também mais presente o confronto com as perdas (pais, amigos, juventude, eventualmente a própria saúde, separações). É por isso que esta fase pode ser muito interessante para se procurar uma análise. É lógico, também, que muitos não reagem da mesma forma e vemos a encenação destes desconfortos através de atuações que podem se manifestar por meio de excessivas intervenções estéticas, práticas excessivas de exercícios físicos, uso inadvertido de remédios para aumentar a potência sexual  e outras. Deparar-se com os limites que vão se presentificando no próprio corpo pode também ser uma vivência bastante assustadora acirrando as fantasias hipocondríacas, por exemplo.

Em nossa cultura, ter 50 anos é um marco que aponta para o confronto mais direto com a questão da finitude e cada um reage de uma determinada forma a este imperativo. Este processo é melhor aceito pela sociedade quanto mais se consiga atingir os padrões pautados pelo envelhecimento ativo, saudável e que não aponte para a decrepitude física ou mental.

Querem nos vender a ideia de que é possível ser longevo sem que se passe por esta realidade, mas nenhuma descoberta científica aponta para esta possibilidade. Assim, pode-se aceitar envelhecer, mas aceitar a decrepitude é muito difícil.

Luciana: Li uma pesquisa afirmando que na faixa etária dos 60 anos quase não há depressão. Como você observa isso?

Os estudos sobre a taxa de incidência de depressão nesta faixa etária são inconclusos. No entanto, muitos destes estudos apontam para a sua diminuição, quando comparada à população mais jovem. Mas ainda tem-se que considerar o perfil sócio cultural, a questão de gênero – as taxas de depressão em mulheres são maiores do que em homens – e a condição asilar do idoso, onde se encontraria, novamente, uma maior incidência de quadros depressivos.

O fato é que algumas pesquisas sugerem que o processo de envelhecimento também atuaria, para alguns indivíduos, como um fator de proteção à depressão, na medida em que estes teriam desenvolvido recursos para enfrentar as adversidades, os assuntos e situações que poderiam causar-lhes dor e sofrimento.

Na medida em que, no consultório, não trabalhamos diretamente com estas estatísticas, podemos observar a intensidade da ruptura que os quadros depressivos podem acarretar nas pessoas mais velhas. Alguns estudos psicanalíticos nesta área estabelecem relações importantes entre o fracasso na elaboração do luto e a emergência de quadros demenciais, por exemplo.        

Luciana: Como surgiu a ideia do Visionari? A que veio?

A temática do cinquentão surgiu a partir da vivência de consultório. Eu também, quase cinquentona, me interessei pelos novos formatos e alternativas de olhares sobre o mundo, e junto com minha sócia, Carla Simon, criamos a VISIONARI. O desejo é que o site se configure como um espaço de positivação das realidades vividas pelo público adulto acima dos 40 anos. Com isso, surgiram as seções do site: um determinado olhar sobre a moda, reflexões e inquietações, assuntos de saúde que passam a nos preocupar, a busca por expressões da cultura que possam nos interessar, a busca por cronistas que dialoguem com as agruras destes senhores e senhoras. É frequente pessoas desta faixa etária sentirem que não existem locais para ir e divertir-se, pois estariam todos ocupados pelos jovens. Seria este um sintoma da nossa cultura? E como interpretar isto? O desejo é consolidar o site como uma espécie de telescópio através do qual o cinquentão enxerga o mundo. Lançamos sugestões, ideias, possibilidades, alternativas e também abrimos para a expressão daqueles que têm algo a dizer sobre estas questões. Afinal, parece que vai emergindo certo desejo de darmos o nosso testemunho sobre o que vivemos e pensamos.

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Dificuldade em reconhecer a doença mental

Por Luciana Saddi
22/03/13 09:33

Antigamente, era indicado como tratamento para os doentes mentais, maus-tratos físicos, pedagogia barata, isolamento e dor, pois se acreditava que a doença era fruto de uma fraqueza moral. Algo a ser escondido da sociedade, pois apontava para uma degeneração familiar.

Hoje é sabido que muitas pessoas sofrem de doenças mentais como as psicoses, as neuroses e as dependências de drogas. A incidência na população parece ser igual ou maior que a incidência de doenças cardiovasculares. Mesmo assim nos envergonhamos ou negamos que parentes e amigos sofram psiquicamente.

Ter uma doença mental é ruim, talvez um pouco pior que ter uma doença física crônica, porque é muito mais difícil para quem sofre de alterações psíquicas perceber-se doente e se cuidar corretamente. A loucura (me permito usar esse termo de forma livre e sem preconceito) faz o doente negar seu estado mental e a realidade. Por isso a família tem um papel muito importante para levar quem está doente a se tratar. A doença mental dá muito trabalho para as famílias. Mas, não aceitar a existência dela é condenar o doente e a família a viver num círculo vicioso, dentro de uma montanha russa. Há preconceito e desinformação nessa atitude, levando o doente e os familiares a uma situação de enorme desamparo.

Criancas sofrem porque acreditam que são culpadas pelos estados depressivos ou pela agressividade de seus pais. Esposas esperam que seus maridos parem de beber espontaneamente, pois não entendem que há um processo de adoecimento em curso ou mesmo maridos e pais sofrem com os mais estranhos comportamentos de seus entes queridos, mas não imaginam procurar tratamento para  comportamentos alterados, esperam resultados por meio da fé, da bondade ou por alguma ameaça de castigo até.

Esse descrédito, somado a falta de conhecimento para o adoecer psíquico não permite buscar tratamento medicamentoso nem psicoterapêutico. Hoje há remédios potentes que trazem maior estabilidade para os que sofrem com os distúrbios psíquicos. Também há várias formas de tratamento psicoterápico para o doente e de apoio a família, para que possa reconhecer e cuidar do problema de forma rápida e adequada.

É fundamental perceber que nenhum de nós, jamais, poderá ser igualado a uma doença mental. Cada um adoece à sua própria maneira e é maior que a doença. Temos nossa graça e nosso jeito de ser e podemos ser adoráveis apesar da bipolaridade ou da depressão.

 

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O carro estraga

Por Luciana Saddi
21/03/13 10:07

 Vejam a minha nova crônica no site VISIONARI:

http://www.visionari.com.br/atitude/sexo-afetos-desafetos/item/252-o-carro-estraga

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Casal que se odeia

Por Luciana Saddi
20/03/13 09:46

Internauta: Eu e minha irmã já somos adultas, tenho 27 anos, sou casada e ela tem 20 e já mora fora por causa da faculdade. Nossos pais vão fazer 33 anos de casados, mas nós duas sentimos que esse aniversário de casamento não deve ser comemorado. 

Eles são pessoas maravilhosas quando estão sozinhos. Mas se tornam insuportáveis  juntos, apenas discutem, xingam, “vomitam” mágoas do passado com palavras de desprezo um pelo outro. 

O problema é que são muito tradicionais e acomodados para pensarem em separação. Estão com apenas 57 anos de idade, mas parece que vivem como se estivessem no final da vida. Meu pai ainda trabalha, mas não faz planos, não busca novas atividades. Minha mãe tem preguiça de ir na academia, não tem horários…uma lástima. 

Está ficando insuportável conviver com eles, principalmente para a minha irmã, em quem minha mãe deposita todas as vontades escondidas e mágoas.

Há um modo de ajudarmos? Como podemos abordar esse assunto sem ninguém explodir ou ficar com raiva? Devemos, como filhas, interferir! Estou com medo do futuro, pois se agora eles estão assim, imagina quando velhos!

Luciana: Certa vez uma analista de família me disse que os casais de longa data costumam se odiar de tal maneira que chega a dar medo. Alguns casamentos são um passaporte para as projeções mútuas: o outro é sempre o culpado dos nossos fracassos! Pessoas assim não suportam criar um espaço próprio para viver e para se responsabilizar por escolhas, fracassos ou sucessos. Maltratam-se para punir o outro, saem machucados para machucar. Quanto pior, melhor! Viciaram-se nisso.

Você e sua irmã precisam se defender dessa carga bruta. Podem falar o que pensam para seus pais, mas não esperem reações adultas, pois pisam em terreno minado. Portanto, mesmo que eles consigam aproveitar o que têm a dizer, é preciso que vocês aprendam a se resguardar dessa loucura.

Invistam na própria vida de forma material e simbólica, cortem o cordão umbilical – isso não significa abandonar os pais, significa se posicionar de outra forma diante deles. Só assim vocês sairão dessa lama, que não lhes pertence!

 

Urgentemente

É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.

É urgente o amor, é urgente
permanecer.

 

Eugenio de Andrade, poeta português.

 

Aurea Rampazzo, coordenadora das oficinas de criação literária do Museu Lasar Segall, escolheu o poema para essa pergunta/resposta.

 

Dica: Uma Duas, romance premiado de Eliane Brum. O ódio entre mãe e filha nunca deve ser subestimado.

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