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por Luciana Saddi

Perfil Luciana Saddi é psicanalista e escritora

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Saúde Mental na rede pública - entrevista

Por Luciana Saddi
15/04/13 10:25

A entrevista dessa semana é sobre a saúde mental na rede pública. A psiquiatra, Ligia Florio*, falou sobre suas experiências no Brasil e na Austrália. 

Luciana: qual a sua trajetória profissional?

Ligia: Comecei minha carreira de médica residente em psiquiatra no Complexo Hospitalar do Juquery. Aprendi muito em psicopatologia, mas ansiava por aprender coisas novas e atuais em psiquiatria. Fui para Sydney onde estudei no instituto de psiquiatria de Parramatta reabilitação em saúde mental e sexualidade. Quando voltei ao Brasil, busquei trabalhar com ambos e foi no ambulatório de gônadas- endocrinologia da Unifesp que fiquei como médica psiquiatra colaboradora, enquanto estudava psicoterapia de orientação analítica.

Observei os colegas médicos, durante 10 anos e fiz minha dissertação qualitativa sobre sentimentos e emoções de médicos de emergência em um determinado hospital. Durante a execução da minha dissertação atuei como preceptora da residência em psiquiatria da Faculdade de Medicina ABC e fui convidada a fazer parte da equipe de cirurgia Bariátrica do Hospital Estadual Mário Covas, em Santo André. Há 10 anos trabalho com a equipe de psiquiatria da Faculdade de Medicina ABC e em São Paulo tenho o consultório que assiste na sua maioria colegas médicos.

Há dois anos atuei na rede básica como matriciadora. O Matriciamento é um trabalho desafiante. Ele consiste no atendimento das equipes de saúde de família  (agente comunitária de saúde, auxiliares de enfermagem, enfermeira, médica e agente ambiental), em reuniões de discussão de casos que necessitam do olhar de especialistas. Assim, também se diferencia da supervisão, pois como matriciadora  participei ativamente do projeto terapêutico.O Matriciamento constitui-se numa ferramenta de transformação, não só do processo de saúde e doença, mas de  todas a realidade dessas equipes e comunidades. Após ter o conhecimento de alguns problemas sociais e da realidade das comunidades, busquei trabalhar com crianças e adolescentes em situação de risco. Hoje sou médica psiquiatra do Projeto Quixote.

Luciana: é possível termos um sistema de saúde pública que funcione? Ou devemos investir na privatização da saúde?

Ligia: Sim é possível. Acredito que a união das forças, com objetivos em comum possa funcionar. Na verdade isso de alguma forma já acontece com as Organizações Sociais de Saúde. Uma Organização Social de Saúde é uma entidade privada sem fins lucrativos. As OSS não obtêm lucros com a prestação de serviço, nem passa a ser proprietária de bens do Estado. O que for obtido deve ser reinvestido no serviço. As Organizações Sociais de Saúde (OSS) representam um modelo de parceria adotado pelo governo do Estado de São Paulo para a gestão de unidades de saúde. 

Luciana: o que tem sido feito para melhorar o SUS e atender com qualidade e rapidez?

Ligia: Um dos problemas no atendimento primário na Estratégia Saúde da Família (ESF) é o grande número de encaminhamentos aos especialistas dos casos de média e alta complexidade. Este serviço desde 2009, recebe o auxílio do Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF).Deste modo, a equipe do  Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF)  divide-se em nove áreas estratégicas, isto é, é composta por profissionais de várias especialidades, relacionadas às práticas corporais; práticas integrativas e complementares; reabilitação; alimentação e nutrição; saúde mental; serviço social; saúde da criança, do adolescente e do jovem; saúde da mulher e assistência farmacêutica. As equipes do NASF são formadas por especialistas de acordo com as necessidades da região, resumidamente, a atuação do NASF consiste nos atendimentos conjuntos e nas reuniões de matriciamento, que favorecerá ao usuário do SUS receber o tratamento especializado da equipe ESF com o apoio do NASF.

Luciana: Acolhimento no SUS o que isso significa na vida do doente?

Ligia: Existe o investimento no vínculo e na possibilidade do paciente ser visto como um sujeito singular, com melhora da escuta e do olhar subjetivo. Há  obrigatoriedade de realizar um projeto terapêutico singular. O Projeto Terapêutico Singular (PTS) é um recurso de clínica ampliada e da humanização em saúde. É fundamental levar em consideração não só o indivíduo, mas todo o seu contexto social. Os projetos podem ser familiares, coletivos e até territoriais. Apesar do atendimento ser do indivíduo, precisamos conhecer a família, o território e todos os recursos disponíveis que possam auxiliar no entendimento deste sujeito, em especial na saúde mental.

Luciana: e a saúde mental, quais os dispositivos necessários? Faltam médicos psiquiatras ou falta um sistema que compreenda e atenda a necessidade da população?

Ligia: Existem vários modelos. Na Austrália a reabilitação começa no hospital, no momento da crise, com várias cottages, isto é, serviços que favorecem a autonomia do paciente até ele poder morar numa casa cedida pelo governo. No Brasil temos a assistência primária com a ESF (estratégia saúde da Familia) e UBS (unidade básica de saúde) e agora com os NASF (núcleo da apoio a saúde de Familia). Existe um investimento do governo federal no atendimento primário e a saúde mental faz parte desse programa. Vejo como uma sementinha que precisa ser bem cuidada para crescer.

Existem os CAPS (centro de atenção psicossocial – adulto, infantil, álcool e drogas), enfermaria de psiquiatria em hospital geral e hospitais psiquiátricos. Faltam psiquiatras sim, esta especialidade é pouco procurada pelos estudantes de medicina, porém em 10 anos a procura aumentou, mas não o suficiente. Os salários costumam ser mais atraentes de acordo com a periculosidade, mas não contemplam o suficiente.

Luciana: não há serviços públicos de psicoterapia para neuróticos ou normóticos, apenas para psicóticos ou para especiais, não seria mais econômico para todo o sistema de saúde atender em psicoterapia essa população?

Ligia: as dificuldades são muitas, existe a terapia comunitária, os atendimentos em UBS, mas o número de pessoas que necessita é absurdamente maior que o número de profissionais disponíveis nos serviços.

Sem considerar que as regiões mais carentes são dominadas pelo poder paralelo, que tem suas regras, as quais têm que se transitar e negociar. A noção de família, sua composição, organização e estratégia de sobrevivência nas classes populares são elementos, geralmente, desconhecidos dos profissionais de saúde que precisam olhá-la e respeitá-la para além de seu próprio horizonte. Outro problema é a alta rotatividade de profissionais que impede o tratamento longitudinal.

Luciana: como você vê as politicas públicas para os dependentes de drogas em São Paulo?

Ligia: o momento é crítico. Existe uma “compulsão” a internação compulsória. Em alguns casos é indicado tal procedimento, porém generalizar sem pensar nas questões sociais se torna um problema.

A criança que vai para rua, às vezes, sofre menos violência do que se ficar em casa. Programas sociais aliados à saúde precisam ser multiplicados e não hospitais psiquiátricos. Estamos no mês de comemorações da luta anti manicomial, nunca fiz parte desse movimento, mas acredito que a psiquiatrização é uma tendência mundial, principalmente americana, vide DSMV. Por isso, simpatizo com algumas questões que eles colocam. Existe um comportamento de que a doença pede cura, mas no caso dos diagnósticos em psiquiatria usamos os transtornos, porque as alterações mentais e de comportamento não possuem um fator etiológico único. Os transtornos psiquiátricos têm graus variáveis de fatores sociais, culturais, biológicos e psicológicos.

E quem não tem um transtorno hoje em dia? Em psiquiatria os transtornos são muito disfuncionais, quase ou até incapacitantes, com características sindrômicas. A necessidade de explicar e resolver favorece a criação de diagnósticos que antes eram apenas sintomas em psiquiatria. Como exemplo, temos o novo diagnóstico do  Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais (DSM – V) de acumuladores!!!! Não que não existam pessoas com esse comportamento, mas antes era considerado um comportamento encontrado nos pacientes portadores de esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar, retardo mental, transtorno obsessivo compulsivo e lesões neurológicas outras.

Simpatizo com algumas idéias da luta antimanicomial porque temo que a construção de pequenos hospitais psiquiátricos possa reiniciar uma forma de tratamento ultrapassada, que não leva em conta o indivíduo na sociedade e sim a exclusão dele.

 

* Médica psiquiatra com especialização em Psicoterapia de Orientação Analítica pela UNIFESP e Mestra em Ciências da Saúde e Medicina pela FMABC. Coordena o serviço de Psicologia Hospitalar do Hospital Estadual Mário Covas, é também Médica Psiquiatra da equipe de Cirurgia Bariátrica e preceptora dos residentes de Psiquiatria da FMABC que estagiam neste hospital. Recentemente iniciou o trabalho de Médica psiquiatra no Projeto Quixote. Membro do Endangered Bodies e da Associação Americana de Psiquiatria (APA).

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Civilização e horror

Por Luciana Saddi
11/04/13 09:57

Somos seres civilizados, quase ninguém duvida dessa simples afirmação. Nas mais diversas culturas,  encontramos uma base comum:  o poder do grupo sobre os indivíduos, que abrem mão de seu poder pessoal em prol da convivência com seus semelhantes. A Lei recai sobre todos nós.  Medo de autoridade e culpa se confundem com a civilização. O preço a pagar por viver em sociedade é reprimir a sexualidade e a agressão. Portanto, sempre há uma dose de mal-estar na cultura, pois nas mais diferentes formas de organização humana encontramos doses variadas desse mal-estar. É o tributo que pagamos pela humanidade.

Há situações extremas, não apenas na guerra, mas, principalmente, sob seu domínio, em que nos perguntamos para onde foi a humanidade. O império da desrazão nos horroriza, a brutalidade contida em certos atos individuais ou  em ações que ocorrem em nome do Estado nos levam a pensar no fracasso da civilização. Os regimes políticos tiranos, as ditaduras, o nazismo, o totalitarismo revelam uma inversão no que acreditamos estar na base da civilização: o poder de um indivíduo sobre o grupo, a sociedade submetida e apavorada por um ditador. Não importa se ele é chamado de rei, xamã, Papa ou presidente. Se exercer seu poder de forma a esmagar o grupo, se ele for a lei e não aquele que obedece à ela, o horror se torna império. 

Quando isso acontece há perda de sentido do mundo e de sentido da linguagem, os significados se turvam e as palavras perdem o uso, mas não há regressão para um mundo selvagem. Não é possível que o homem funcione como numa organização de primatas. A tecnologia e as ciências, o conhecimento, produtos da cultura se colocam a serviço da destruição da civilização – esse é um paradoxo difícil de tolerar.

 

 

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Clínica do Testemunho

Por Luciana Saddi
10/04/13 19:07

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Ideais de beleza se parecem com propaganda nazista

Por Luciana Saddi
10/04/13 12:37

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Em busca frenética pela beleza, juventude e magreza, muitas pessoas exageram nos recursos cosméticos e cirúrgicos. “O excesso é uma das marcas da atualidade”, diz a psicanalista e blogueira da Folha Luciana Saddi

No áudio abaixo, a especialista fala sobre outro excesso: o de exposição a imagens. “Somos bombardeados por imagens que nos induzem a ideais de força física, beleza e perfeição das formas”.

Segundo Luciana, essas imagens se parecem com as da propaganda nazista, “impondo ideais estéticos e padrões de saúde que excluem a população em geral”.

http://www1.folha.uol.com.br/multimidia/podcasts/1259692-luciana-saddi-ideias-de-beleza-se-parecem-com-propaganda-nazista.shtml

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Sublimação

Por Luciana Saddi
09/04/13 09:46

Internauta: Há cinco anos minha vida sofreu uma grande reviravolta e saí da zona de conforto, o que me lançou numa grande instabilidade emocional. Vivi momentos maravilhosos que ensejaram grandes angústias e sofrimento psicológico. Eu já participava de um blog em que apenas amigos contribuíam e liam. Escrevia resenhas de filmes, crônicas, críticas de todo gênero e vez ou outra um poeminha. Durante este período de grandes emoções percebi que meus despretensiosos textos e poesias impressionavam os leitores. Meus posts, que antes recebiam meia dúzia de comentários, passaram a ser aguardados diariamente e muito bem recebidos.

Com o fim daquela época, percebi que não sou mais capaz de escrever da mesma forma. Não consigo discernir se aquele sucesso se deveu ao estado emocional de angústia e ansiedade ou se foi o assunto interessante que cativou as pessoas. Existe uma relação entre o emocional e a “qualidade” incomum (dentre o repertório do autor) que alguém atinge com seus textos?

Luciana: Uma reviravolta emocional impõe tal quantidade de energia ao “sistema psíquico” que a escrita pode se tornar um meio de descarga. Claro que essa não é uma questão meramente hidráulica, há o talento, aptidão e esforço de cada um, mas é também uma questão hidráulica.

Freud denominou de sublimação o trabalho de transformar a energia psíquica a ser investida em estudo, ciência e arte. Quando estou triste ou ansiosa ou “louca”  escrever me faz bem. Sublimamos as paixões (pathos) por meio das atividades criativas. Mas não acredito que a qualidade da obra esteja garantida pela sublimação. Nem todo o trabalho criativo é arte. Arte é outra coisa, depende da criatividade, mas a ultrapassa em muito. O mesmo vale para o cientista.

A questão para um escritor é o oficio. Escrever todos os dias. Lutar com as palavras. Amar as palavras, diariamente, absorver os textos e ser absorvido por eles, é que dirá se você tem condição de ser escritor. Isso ultrapassa a simples descarga, é trabalho humano, transformação da matéria bruta, cultura – tudo aquilo que nos difere das pedras.

 

 

Catar feijão

Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a como o risco.

 

O poema Catar Feijão faz parte do livro A Educação pela pedra, de João Cabral de Melo Neto, cuja primeira edição foi publicada em 1965.

Dica: A bruxa de Kepler, biografia de James A. Connor. Kepler foi um grande cientista e astrólogo do século XVII. Um gênio de sua época, perseguido pela igreja, sua mãe caiu nas garras da inquisição e, mesmo assim, não renunciou ao conhecimento que produziu nem a ser quem era.

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Criança sofre? - entrevista

Por Luciana Saddi
08/04/13 10:50

Para conversarmos sobre os sofrimentos da infância, sobre a psicanálise de crianças e o brincar convidei a psicanalista Sandra Moreira de Souza Freitas, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo,  membro do Centro de Estudos da Teoria dos Campos e psicanalista de adultos e de crianças há mais de 30 anos.

Luciana: A que se deve seu interesse pela psicanálise de crianças?

Sandra: Cresci em uma casa com muitas crianças. Crianças bem sofredoras: eu também sofria muito. Sofrimento de alma. Duas dessas crianças eram meus sobrinhos, que haviam perdido o pai de forma violenta (assassinato).

Esse olhar, essa atenção para o sofrimento das crianças era um dom de minha mãe: com fina percepção e sensibilidade, ela tentava “acalmar”, contando histórias, desenhando.

O problema é que tantas outras coisas aconteciam e a solicitavam que, muitas vezes, ficávamos ao deus-dará, com nossos medos, ciúmes, invejas.

Luciana: Qual a especificidade dessa análise, no que difere da análise de adultos?

Sandra: Quando conheci os textos de Melanie Klein, a grande analista da vida emocional da criança, fiquei desnorteada, como se estivesse em vórtice e depois me encantei, já que desde sempre (acho) levei jeito para trabalhar com crianças. Nos atendimentos elas melhoravam; os supervisores elogiavam o meu trabalho.

Penso, hoje, que algo mais me levava à criança: a espontaneidade, a graça e o humor. A psicanálise na época era muito séria e chata.

Sempre me senti vivendo uma situação especial, de tão pura, quase “sagrada” (nunca me permiti usar esse termo, até descobrir que Winnicott o usa para falar desse trabalho), nesse encontro com a criança. 

Luciana: Quais os sofrimentos das crianças? No que diferem daqueles do adulto?

Sandra: Criança sofre – e sofre muito. E quanto mais sofre, menos brinca. E quanto menos brinca, mais sofre. 

Entre minhas lembranças dos pacientinhos do hospital do câncer, a que mais me impressionou naquele primeiro momento: estavam todos imóveis, em silêncio, olhando para uma parede absolutamente nua, como se ali existisse (como saber?) uma televisão.

Luciana: Como os pais e a família devem ser encarados diante desses sofrimentos?

Sandra: Conto um caso que não se deu comigo, mas com uma colega cujo trabalho com crianças muito pequenas e suas mães eu acompanho.

Atendeu essa analista uma mãe muito deprimida com um filhinho de seis meses. Nas primeiras sessões, ela chorava sem parar, e se dizia desesperada por não amar seu filho, não se relacionar com ele.

O acolhimento da analista, o olhar amoroso para dupla – e nem sabemos o que mais (tem hora que a tal de psicanálise parece mágica): eis essa mãe descobrindo que podia ler poemas para o filho. E ele, enternecido, punha-se à escuta da doce voz materna.

Luciana: Como vê a relação entre o brincar e a arte?

Sandra: Desde Freud existe essa aproximação entre o brincar da criança e o fazer do artista.  Em Escritores criativos e devaneios (1908), Freud propõe que a brincadeira infantil vem a ser uma atividade afim à criação artística, e que a investigação dessa atividade nos daria a esperança de obter alguma informação sobre o fazer artístico e a psicanálise.

Luciana: “Psicanálise com Arte” é o tema do VII Encontro da Teoria dos Campos, do qual você é uma das organizadoras, e que será realizado em junho, no Instituto de Psicologia da USP, com apoio  do Museu de Arte Contemporânea. Quais as relações entre a Arte e a Psicanálise?

Sandra: Conforme Fabio Herrmann: “A psicanálise é assim: sendo arte, é ciência; querendo imitar a ciência, vira rotina”.

Para muitos autores, todas as atividades humanas seriam poéticas, no sentido de fazer com que algo passe do não ser ao ser: produza uma presença. A psicanálise, o método de ruptura de campos, cria, desvela, traz à luz. “A poesia é tudo o que conduz ao ato.” (Falo mais de poesia, um assunto que tenho estudado, tendo em vista alguns projetos.)

Depois, na própria psicanálise, tivemos (de novo) Winnicott, que se refere a um espaço que chamou de transicional, no qual as experiências humanas da arte, do brincar, da cultura e da religião se dariam.

Levei certa vez um caso para discutir com Fabio Herrmann. Tratava-se de uma criança que deveria deixar o Brasil: seria adotado por uma família italiana. Era uma história trágica, com muitas mortes e separações.

Aquele menininho – que estava aprendendo a escrever seu nome e sobrenome – tinha feito um desenho incrível. Escrevera seu nome completo e, em seguida, desenhara um mar, no qual havia um tubarão que comia o nome dele.

Fabio então me perguntou: “E aí, isso é psicanálise ou poesia?”.

 

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Poema para pensar a normalidade e a família

Por Luciana Saddi
07/04/13 17:00

Malaquias ou a Normalidade

 

Malaquias foi um homem

absolutamente normal:

trabalhava por necessidade

batia na mulher

surrava os filhos

bebia umas e outras

e com outras despendia

o dinheiro que fazia falta em casa.

 

Foi normal até na morte:

a viúva e os filhos

prantearam o finado à exaustão

e o padre o chamou,

no sétimo dia,

de pai e marido exemplar.

 

Malaquias foi um homem tão normal que,

a bem da verdade,

não sei por que fui falar dele agora.

 

Flávio Carvalho Ferraz, Cama de Campanha (ed. Ateliê Editorial).

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Isolamento

Por Luciana Saddi
04/04/13 09:38

Internauta: Minha mulher é vegetariana e quer me convencer a ter esse mesmo hábito alimentar. Forçou minha conversão a todo custo, a ponto de proibir que colocasse carne na geladeira e impedir meus churrascos. Como posso convencê-la a aceitar meu carnivorismo?

Luciana: Não pode. Da mesma forma que ela insiste para que você se torne vegetariano…e não funciona. Se ela não teve sucesso com você porque você teria com ela? Ninguém é de ninguém.

É comum encontrar esse tipo de cabo de guerra em casamentos e sociedades em crise profunda. Cada um se aferra à sua própria verdade e joga contra o outro a insuperabilidade das diferenças. Curiosamente os envolvidos, casais ou sócios, não percebem que se encontram na mesma posição, acreditando que são tão diferentes.

Idênticos no isolamento, no autoritarismo e na solidão.

 

Contranarciso

 

em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas

o outro
que há em mim
é você
você
e você

assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós

Paulo Leminsky

Aurea Rampazzo, coordenadora das oficinas de criação literária do Museu Lasar Segall, escolheu o poema para essa pergunta/resposta.

Dicas: A história de nós dois, filme de Rob Reiner, que trata de maneira bem realista o tema: casamento, crise e separação. A Guerra dos Roses, filme de Danny DeVito, comédia sobre o fim de um casamento, que demonstra que a separação aprofunda e agrava os conflitos que sempre existiram na relação.

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Lembranças

Por Luciana Saddi
03/04/13 10:13

O Poeta e humanista romano, Sêneca, que viveu no primeiro século, dizia que o recurso que temos para diminuir os efeitos das perdas é guardar a lembrança das coisas perdidas e, por esse meio, não deixar desvanecer o proveito que tivemos. Vai-se a posse, fica para sempre a vantagem de ter possuído. Segundo ele o destino nos retira a coisa, mas deixa seu fruto. As reclamações e queixas sempre nos fazem perder a boa lembrança, ou seja, a vantagem de ter vivido algo bom.

Segundo Sêneca, a lembrança fixa a experiência, diminui o efeito da perda sobre nós. Mas a lembrança aumenta a dor da perda quando se torna lamento pelo objeto perdido, adverte ele.

O que são as lembranças? Truques para superar a finitude. O que se foi se faz presente e perdido ao mesmo tempo. Lembrança é uma estranha mistura do que perdemos com o que ganhamos ao viver. Marca da passagem do tempo, do passado irreversível, da falta e testemunho da nossa existência.

Transformar a dor da perda em lembrança é uma arte. A escrita, a literatura e as artes podem ser entendidas como produto e expressão da luta contra o esquecimento e a morte, transformam lembranças em experiência compartilhada para que não se percam no tempo como lágrimas na chuva. A recordação estende a corda da vida além dela mesma.

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Saiba como agir durante "ataque de fúria" de um bebê

Por Luciana Saddi
02/04/13 10:15

Fale Comigo na Rádio Folha

No programa “Fale Comigo” desta semana, a psicanalista e blogueira a Folha Luciana Saddi fala sobre o comportamento dos bebês.

Quando estão satisfeitos e tranquilos, tudo é lindo e a mãe maravilhosa. Quando se encontram desconfortáveis, tudo se torna horrível, inclusive o cuidador.

Os bebês pequenos não sabem, não conseguem perceber, que destinam afetos opostos para a mesma pessoa. “Suas vivências são fragmentadas. Sentem intensamente ora o amor ora o ódio”, explica a especialista.

http://www1.folha.uol.com.br/multimidia/podcasts/1248748-luciana-saddi-saiba-como-agir-durante-ataque-de-furia-de-um-bebe.shtml

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