Cultura doadora – entrevista
29/04/13 09:47Decorrente dos avanços científicos no campo da medicina, a Cultura Doadora visa fomentar na sociedade uma postura proativa de doação de órgãos e tecidos. É questão de cidadania e respeito à vida, mas, muitas vezes, entra em conflito com a mentalidade arcaica ou religiosa que encara a morte e os rituais de sepultamento de forma ainda tradicional. Para conversar sobre esse tema convidei o professor Marcos Fuhr, presidente da Fundação Ecarta.
Luciana: Como surgiu a Fundação Ecarta?
Marcos: Foi instituída em 2003 pelo Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul – Sinpro/RS com vistas à potencialização das iniciativas culturais e educacionais já desenvolvidas anteriormente pelo Sindicato. Trata-se de uma nova instituição desonerada da marca conflitiva de um Sindicato e com foco nas áreas cultural, educacional e assistencial. Começou suas atividades em final de abril de 2005, com a inauguração do primeiro projeto: a galeria Ecarta, espaço permanente de exposição e debate sobre artes visuais. Seguiram-se o lançamento dos projetos Ecarta Musical, Núcleo Cultural do Vinho e outros dois voltados aos educadores: o Conversa de Professor e o recente, Cultura Doadora.
Luciana: Como se deu seu engajamento na questão da Cultura Doadora?
Marcos: A partir da percepção do déficit de doadores de órgãos e tecidos na sociedade brasileira e do entendimento da necessidade do desenvolvimento de uma consciência social doadora. Estamos muito aquém da realidade de países referenciais nesta área, como Portugal e Espanha. Os dirigentes da Fundação Ecarta avaliaram que o assunto vem sendo enfrentado com base em campanhas esporádicas, que são importantes, masinsuficientes para o desenvolvimento de uma atitude pró-doação efetiva. Daí a decisão de instituir um projeto permanente e voltado ao convencimento dos professores e dos especialistas em Educação para a abordagem do assunto nas atividades pedagógicas.
Luciana: O que pretendem fazer para sensibilizar e instruir a sociedade a integrar a rede de doação?
Marcos: Fundamentalmente, propor e desenvolver atividades que construam uma cultura doadora, com base em informação e sensibilização para a doação de tecidos (sangue, medula e córneas) e de órgãos (vários). A formação da consciência doadora se inicia, certamente, na infância, e se desenvolve na juventude, etapas da vida em que se consolidam os valores. Por esta razão, o foco do projeto, Cultura Doadora, são os professores e a dinâmica escolar. Objetiva-se a integração dos educadores nesta causa. Daí a elaboração de propostas de abordagem do assunto pelos professores nas diferentes etapas da Educação Básica, que estão disponibilizadas no site da Fundação.
Luciana: A vida é o bem mais precioso do ser humano, esse é um valor humanista e iluminista. Nos últimos tempos as ciências vêm alterando o que concebemos como limite para os conceitos de vida e morte. A cultura doadora nasce dentro dessa perspectiva, quais preconceitos devem ser ultrapassados para haver um engajamento maior da sociedade?
Marcos: Uma consciência doadora parte do pressuposto de que a transcendência do espírito, em qualquer convicção religiosa, não está na dependência da integridade física após a morte. Este é um aspecto fundamental considerando-se a diversidade e a vitalidade religiosa da sociedade brasileira. O segundo aspecto refere-se às preocupações com a possibilidade de remoção de órgãos sem a devida convicção da morte. Face ao que é fundamental muita informação das condições em que ocorre a remoção de órgãos, e das exigências legais e procedimentais que marcam o processo, possível tão somente em caso de morte encefálica. Outro aspecto é a superação da cultura do individualismo, hegemônica na sociedade capitalista vigente.
Luciana: O que precisamos fazer para nos tornar doadores de órgãos e tecidos?
Marcos: A primeira e decisiva atitude é a comunicação da condição doadora aos familiares, a quem cabe a autorização para a remoção de órgãos em caso de morte encefálica. Desenvolver uma atividade doadora de sangue e inserir-se no cadastro de doadores de medula são atitudes em vida que representam consciência doadora e sinalizam positivamente também a doação de órgãos.
Luciana: Como o governo Federal e os governos estaduais controlam os bancos de órgãos? O que precisa ser aprimorado?
Marcos: O Sistema Nacional de Transplantes foi criado em 18 de agosto de 2000. Funciona em tempo integral, com base situada no aeroporto JK, em Brasília. Trata-se de um dos mais bem elaborados programas públicos de transplantes de órgãos. Conta com 548 estabelecimentos de saúde e 1.376 equipes médicas autorizadas, que abrangem 25 estados. Apesar desta estrutura, poderia realizar o dobro de transplantes se não ocorressem falhas na identificação de doadores – por omissão médica ou por negativa de familiares nos casos em que a pessoa não declarou em vida o consentimento com a doação de seus órgãos para transplantes. É necessária uma maior integração da coletividade médica, carente, muitas vezes, de informações sobre as possibilidades de doação.