Para o dia das mães
12/05/13 13:14“Taí: mãe, que é a carreira mais difícil do mundo, e pra toda vida, não precisa de exame psicotécnico, curso de faculdade , nem de atestado de antecedentes”.
Millôr Fernandes
Perfil Luciana Saddi é psicanalista e escritora
Perfil completo“Taí: mãe, que é a carreira mais difícil do mundo, e pra toda vida, não precisa de exame psicotécnico, curso de faculdade , nem de atestado de antecedentes”.
Millôr Fernandes
As três palavras mais estranhas
Quando pronuncio a palavra Futuro,
a primeira sílaba já se perde no passado.
Quando pronuncio a palavra Silêncio,
suprimo-o.
Quando pronuncio a palavra Nada,
crio algo que não cabe em nenhum não ser.
Wislawa Szymborska (poemas)
O sucesso da música ultrarromântica, “Esse Cara Sou Eu”, de Roberto Carlos, fala de um homem apaixonado, que idolatra a amada. Ele pensa nela o tempo todo. Está sempre disposto a encontrá-la e conta os segundo enquanto a espera, pois não aguenta ficar longe dela.
Esse é o ideal romântico de muitas mulheres, que esperam ser o objeto de desejo único e exclusivo de um homem. Acreditam que o namoro ou casamento lhes dará a oportunidade de serem totalmente compreendidas e aceitas.
É frequente observarmos que o exagero das demandas femininas ou masculinas leva a enorme insatisfação. Não há quem consiga amar proporcionando completude infinita ao amado.
Esse amor exclusivista e idealizado revela uma posição difícil nos relacionamentos, a dependência imatura e infantil, típica dos apaixonamentos. Angústia de separação, terror de abandono entram em cena. Amar se torna um tormento.
Esse ideal romântico costuma intensificar o sentimento de perseguição, pois quem passa o tempo todo pensando em alguém exige o mesmo do outro e interpreta como traição as menores frustrações ao desejo de controlar e possuir inteiramente alguém.
O sentimento de posse ultrapassa o apagar das diferenças e das singularidades, leva a um controle obsessivo e impossível de quem se ama. A posse é sempre violenta, o aniquilamento do outro está embutido nela.
Melhor seria que os relacionamentos ficassem longe da versão idealizada do amor. Pois todas as relações são parcialmente insatisfatórias. Muitas mulheres e homens desperdiçam a chance de felicidade razoável e possível porque esperam realizar esse ideal. É sábio não idealizar o amor nem os homens nem as mulheres. Prudente não confundir paixão com amor e com bom sexo. E muito importante não amar sozinha, amores platônicos tristes e desgastantes que, talvez, nem merecem o nome amor.
Internauta: Há três anos, estou envolvida com um rapaz bipolar. Desde novembro ele parou de tomar remédios e percebo sua piora: bem mais irritado, desligado, sem paciência e hipersexualizado. Perdeu o senso da critica, da moral, traiu-me com duas mulheres e tudo isso nos levou à separação. Só que eu o amo demais e vejo que ele está precisando de ajuda! Antes de nos separarmos ele procurou um médico e começou outro remédio. Mas continua agressivo com as palavras, não me quer por perto e passa a noite toda em site de relacionamento. Fico sem saber o que fazer: se me afasto, se procuro o médico dele, se ligo pra ele ou não… Mando msg para muitos profissionais sem resposta!! E com isso vou sofrendo sozinha. A família dele já não se importa mais.
Luciana: Sabe por que você não obtém a resposta que deseja? É porque não há o que responder. Você pode se afastar, procurar o médico dele e até procurá-lo. Nenhum profissional poderá – ética e profissionalmente – dizer o que é o melhor a fazer. Isso não existe. Não há ciência nem matemática para substituir uma escolha sua, pessoal e intransferível, que gera consequências para sua vida. Ou você se responsabiliza pela escolha, sabendo que é uma escolha feita num momento difícil, onde tudo está obscuro, ou você… Quem pode escolher por você?
Vejo que está mesmo muito sozinha e talvez não precise continuar a se sentir tão só! Procure um analista, acredito que com a ajuda de um bom profissional, envolvida num trabalho de análise, as coisas ficarão mais claras e poderá escolher com mais propriedade.
Sempre que consideramos fazer algo para alguém que amamos, um sacrifício ou coisa do gênero, precisamos entender o que dá gente requer esse tipo de sofrimento.
A Carta
Hoje encontrei dentro de um livro uma velha carta amarelecida,
rasguei-a sem procurar ao menos saber de quem seria…
Eu tenho um medo
Horrível
A essas marés montantes do passado,
Com suas quilhas afundadas, com
meus sucessivos cadáveres amarrados aos mastros e gáveas…
Ai de mim,
Ai de ti,ó velho mar profundo,
Eu venho sempre à tona de todos os naufrágios!
Mario Quintana
Aurea Rampazzo, coordenadora das oficinas de criação literária do Museu Lasar Segall, escolheu o poema para essa pergunta/resposta.
Dica: Ondas do Destino, filme de Lars von Trier. Quais os limites entre o amor e o sacrifício?
Fale Comigo na Rádio Folha
No programa “Fale Comigo” desta semana, a blogueira da Folha Luciana Saddi fala sobre ciúme. Para a especialista, o sentimento é uma grande ameaça. “O ciumento exige a posse completa de quem ele ama”, explica.
Jogos de exclusão e de preferência, acompanhados pela fantasia de estar sendo passado para trás, traído ou trocado, aterrorizam os ciumentos de modo geral.
No áudio abaixo, Luciana afirma que é muito comum o ciumento protagonizar triângulos amorosos em fantasia ou na realidade.
Quanta agressão uma mulher pode suportar ao longo da vida? Convidei para uma conversa a psicanalista, Miriam Tawil*, que esteve no X Diálogo Latino-americano inter geracional entre Homens e Mulheres – “INTOLERÂNCIA AO FEMININO”, organizado pela Associação Psicanalítica Mexicana e pela Cowap, grupo que estuda psicanálise e gênero.
Luciana: O que significa o titulo desse encontro: Intolerância ao feminino?
Miriam: O título do encontro surgiu dentro de um grupo de psicanalistas que vem se debruçando sobre essa questão há tempos com o objetivo de investigar as várias faces da intolerância ao feminino — como ela acontece entre homens e mulheres, entre as próprias mulheres, em diferentes culturas, religiões, na política, na literatura e em diversas manifestações das sociedades através dos tempos. A ideia é analisar diferentes situações, verificando quando e se houve avanços e transformações ou não.
Luciana: Quando a intolerância começa? É transgeracional? E como ocorrem as comunicações inconscientes contrárias ao feminino na primeira infância?
Miriam: Sim, a intolerância é transgeracional, poderiamos dizer quase genética. Vai passando pelas gerações. A análise possibilita que este fenômeno pare de se perpetuar ao permitir a ocorrência de quebras nessa corrente. Por exemplo, uma mulher pode vir a ser diferente de sua mãe, avó, e não tolerar ser colocada como uma pessoa sem espaço ou sem direito de ter uma existência separada. Ao contrário de sua mãe ela poderá aceitar pensamentos diferentes.
Neste encontro falou-se da misoginia originária, assunto polemico, pois estaria presente nos bebês de ambos os sexos devido ao fato de ter uma mãe para o qual se é “Majestade o Bebê” e depois, inevitavelmente, ocorre uma ferida narcísica, pois o bebê deixa de ser tudo para sua mãe. Isso é fonte da intolerância ao feminino. O feminino que “seduz e abandona”.
Também se falou num interessante aspecto da dinâmica do feminino: a dificuldade de se apropriar das conquistas sem se sentir culpada. Muitas mulheres ficam reféns de situações adversas e se rendem a elas, depois de muita luta.
Luciana: E a intolerância no âmbito familiar? Conhecemos claramente as situações de abuso sexual e violência doméstica, quais seriam as formas menos explicitas de intolerância, mas nem por isso menos nocivas?
Miriam: São muitíssimas as formas veladas e disfarçadas de violência no âmbito familiar. Cada caso merece um estudo especial. Por exemplo, pais super protetores podem gerar violência nos filhos. Também nociva é a violência do abandono. Pais que não podem estar presentes, pois têm de trabalhar e deixam os filhos com cuidadores nem sempre muito responsáveis. Que tipo de presença esses pais exercem na família?
Quais modelos passamos de tolerância Inter-relacional? Existe tolerância para com um pensamento diferente? Há sinceridade e liberdade de expressão? São aspectos que determinam violências menos explícitas, nem por isso, menos danosas.
Luciana: E a intolerância no âmbito social? Podemos afirmar que há formas diferentes de acordo com o nível socioeconômico ou cultural?
Miriam: No âmbito social o assunto é muito sério. Sim, existem formas diferentes de acordo com o nível socioeconômico e social. Por exemplo, numa tribo africana, as mulheres, após sofrerem muito abuso por parte dos homens resolveram se emancipar dos homens – procuraram educar aos meninos para que não maltratassem as mulheres. Parece que tiveram muito êxito, a idealizadora foi premiada por Hillary Clinton. Porém, infelizmente, a violência existe em todas as classes sociais. Pode ser maior nas famílias de baixa renda. Homens muito cultos podem fazer e dizer barbaridades com relação à intolerância ao feminino.
Luciana: É valido afirmar que a desigualdade de gênero é produto das relações de poder entre homens e mulheres?
Miriam: Penso que sim, antigamente na poligamia isso era muito claro, os homens podiam ter quantas mulheres pudesse sustentar. Existe, portanto uma questão econômica envolvida. Ainda hoje o poder está ligado ao dinheiro e, em geral, o homem traz o sustento e a mulher cuida dos filhos. Como diz o velho ditado: “Quem paga manda”. Hoje muitas vezes são as mulheres que trazem o dinheiro e o que se vê nessas parcerias é um homem desvalorizado agredindo mais a mulher.
Luciana: Há novos modelos de feminilidade e masculinidade? Quais seriam seus paradigmas?
Miriam: Sim, os paradigmas mudaram. Tudo passa por uma mudança radical de pensamento, nada mais é como antes: casamentos homo afetivos e filhos desses casamentos, licença maternidade aos homens, produções independentes, congelamento de óvulos, todas as técnicas de reprodução assistida, possibilidade de mudar de sexo, escolher o sexo do filho, podem trazer um grande alento a indivíduos antes marginalizados, casais inférteis e dai por diante. As noticias de novidades aparecem todos os dias. Educar no gênero neutro, a bissexualidade, trazem questões paradigmáticas ao menos para mim.
Internauta: Porque as mães se culpam? Eu me ressinto disso, dessa culpabilidade eterna das mães. Tenho um montão de problemas, muitas vezes acredito, seriamente, está tudo ligado ao que meus pais me passaram. Mas aí, paro, penso… e será então que os culpados de tudo são os pais? E eu? Eu não tenho culpa nenhuma? Sou eu mesma a culpada por ser assim! É o que Spinoza diria pra mim.
Luciana: Creio que você é responsável por você mesma. Não importa (depois de certa altura da vida) o que os seus pais fizeram com você. Imagina se justificar para um chefe, marido ou namorado: – olha, eu pisei na bola porque minha mãe sempre preferiu meu irmão.
Ninguém vai dar a mínima para suas desculpas, mesmo que elas sejam verdadeiras e sinceras.
Com isso não quero negar a importância das primeiras relações que temos com pais e cuidadores. A infância nunca mais será a mesma depois da psicanálise. As crianças foram ouvidas, suas queixas e dores levadas em consideração. As marcas adquiridas na infância são inegáveis, mas não são de fácil definição de origem. Quem origina o que e quem nessa história? A forma de vermos nossos pais se mistura à forma como cuidam da gente e criam uma realidade única, não há como obter a prova dos nove, uma realidade isenta de paixões.
Somos nossa forma de ver o mundo, identidade se confunde com realidade.
TRADUZIR-SE
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?
Aurea Rampazzo, coordenadora das oficinas de criação literária do Museu Lasar Segall, escolheu o poema para essa pergunta/resposta.
Dica: O apanhador no campo de centeio, romance mais que merecidamente famoso de Salinger. Um adolescente à procura de sentido para si, no meio da falta de sentido crônica da vida.
Fale Comigo na Rádio Folha
No programa “Fale Comigo” desta semana, a psicanalista e blogueira da Folha Luciana Saddi fala sobre o excesso de vaidade.
Para a especialista, a vaidade pode ser compreendida pela quantidade de tempo e dinheiro investidos.
Trata-se de um conjunto de ações, sentimentos e pensamentos que obrigam o sujeito a olhar para si mesmo de forma incessante e o paralisam nessa posição.
Abaixo, Luciana também explica que a vaidade exagerada pode indicar o sentimento de inferioridade.
Antigamente, acreditava-se que o choro de um bebê era expressão de manha e malandragem. Os manuais de pediatria indicavam deixar um bebê chorar até cansar. Naquela época não se compreendia o complexo mundo mental deles nem as delicadas interações com a mãe ou cuidador. Hoje sabemos que o bebê pequeno tem sentimentos intensos e diretos, sente angústia e frequentemente é tomado por terrores inomináveis.
Chorar é uma forma de mitigar esses sentimentos ainda sem nome nem compreensão. O choro é um dos poucos meios de comunicação do início da vida. Mães e cuidadores dedicados logo aprendem a entender o choro de seus bebês estabelecendo formas de comunicação e de acolhimento.
Podemos dizer que há 5 motivos básicos para o choro dos bebês:
1 – Choro de satisfação: é um sinal de saúde e vigor semelhante ao prazer que temos em realizar atividades físicas. Esse choro proporciona alivio das tensões e é um método para lidar com a ansiedade e com a insegurança. Está ligado à parte motora do bebê, ao prazer do movimento, depois virá a fala, o andar e assim por diante.
2 – Choro de dor: é aquele que assusta. Desperta as pessoas para fazerem alguma coisa pelo bebê. Nessa categoria de choro há a apreensão: o bebê logo aprende, por exemplo, que quando sua mãe começa a despi-lo ele se tornará mais vulnerável ao frio. Já foi despido antes e marcas de memória das experiências já estão se instalando. Portanto, ele espera a dor e sofre por antecipação. Perdeu a sensação de segurança, sente medo. O medo está na base do choro de dor.
3 – Choro de raiva: é o choro de quem perde a cabeça. Grita, esperneia, morde, arranha, cospe e vomita. Ele quer destruir tudo a sua volta e a si mesmo durante essa crise de fúria. Indica que ele é uma pessoa autêntica e que não perdeu a esperança para obter o que deseja. A mãe deve permanecer calma, não se desesperar, essa postura fortalece o bebê e demonstra que ele não destruiu nada com seus ataques, mas que suas reivindicações não são realistas.
4 – Choro de pesar e de culpa: é o choro da tristeza, acompanhada por lágrimas. É expressão de arrependimento que aponta para a capacidade de gratidão. Esse choro expressa a vontade do bebê em ter boas relações com os seus familiares, é importante que a mãe o conforte fisicamente e que lhe dê garantia de amor.
Há um quinto tipo de choro, mais raro, o de desamparo e desespero. Esse é um choro difícil de descrever dada a intensidade dos afetos nele contido e o poder de trazer à tona angústias de arrepiar até adultos corajosos. Indica o insucesso em prover continência psicológica para os terrores sem nome do bebê. Pouco importa se é decorrência de alguma dificuldade do bebê ou da mãe, não há culpados numa dupla. Portanto, se escutar esse choro com frequência não hesite em procurar ajuda psicológica para a dupla bebê/mãe.