CRÔNICA SENTIMENTAL EM UM TEMPO DE TODOS (3)
03/12/13 10:05Escrita por Edgard Rodrigues:
Só consegui reter Elisa por alguns minutos, tempo de atualizar um pouco as peripécias de nossas vidas de estudantes. Quando eu quis tocar no assunto pessoal ela evitou; se foi. Nunca mais a vi ou soube qualquer coisa dela. Talvez, ela fosse prisioneira de alguma complicação afetiva, da qual nunca tive ideia, que a levava a me rejeitar exatamente por gostar de mim.
Estava terminando o ano de 1973 e a esquerda, em todas as suas nuances e dissidências, se recolhia, limitava-se a “lamber as feridas”. Em 1971 o Capitão Lamarca tinha sido morto no sertão da Bahia, chegando ao fim depois de uma longa e agoniada fuga. Um pouco antes dele morrera também Iara Iavelberg a sua bela companheira. Aliás, ela matou-se com um tiro no coração no calor de um tiroteio, em meio ao gás lacrimogêneo, na eminência de ser presa e interrogada. Segundo relato na obra de Elio Gaspari sobre a Ditadura Militar Brasileira, Iara foi transportada ainda com vida, mas o policial que a levava apoiada no colo dentro da viatura, disse ao que dirigia, que não havia razão para pressa: ela acabara de morrer. Em São Paulo, Joseíta Ustra, mulher do comandante do Doi do II Exército, que acompanhava a história da paixão do casal guerrilheiro lendo cartas capturadas, ao saber da morte de Iara não conseguiu conter uma lágrima.
E por falar em Doi do II segundo Exército, fui preso duas vezes. Sem militância logo fui solto. Mas, conheci o endereço do inferno; o Doi,na Rua Tutóia. Em meados dos anos oitenta abandonei o esquerdismo, sem outra opção política, e o meu pensar tornou-se livre e pertinente.
Sonho com Elisa de vez em quando; sonho que namoramos e ela me abandona. É um sonho recorrente e, embora tanto tempo tenha se passado, quando acordo sinto a força de uma estranha realidade; presente, mas, misteriosamente anterior à minha própria história pessoal. Só recentemente julguei entender o olhar de Elisa naquela noite em que a vi pela última vez.