Pulsão, Paixão e Cultura
23/10/13 09:22Texto escrito pela psicanalista Raquel Ajzenberg e por mim:
Freud diz que a nossa civilização repousa sobre a coerção dos impulsos fundamentais do ser humano: os impulsos sexuais e os agressivos. Para ele, somos seres carregando tendências que se fossem realizadas tornariam impossível a vida em sociedade.
Sabemos que a pulsão, no processo primário, busca a satisfação desimpedida, se apresenta como descarga e alivio. A satisfação pulsional livre funciona como entidade selvagem e cega, colocando em risco o indivíduo.
A pulsão de auto conservação e o medo da perda do amor domesticam a intensidade pulsional, submetendo-a a outro regime de funcionamento (processo secundário). O processo de identificação com os pais, com seus substitutos e com os ideais culturais fornece mediadores simbólicos entre o narcisismo e a cultura. Aqui temos a interdição e a aquisição dos valores sociais como substrato da civilização.
Sabemos que os valores nascem da necessidade de impor limites às pulsões, mas essas nunca são totalmente dominadas. A natureza humana carrega consigo algo indomável.
Não existe uma natureza má no homem, porque tanto o mal como o bem são valores construídos e podem ser deteriorados, deturpados ou desviados. Ninguém é bom ou mau em si mesmo, podemos ser bons em relação a uma determinada coisa e maus em relação a outra.
A essência mais profunda da natureza humana consiste em impulsos instituais de natureza elementar, semelhantes em todos os homens e que visam a satisfação de certas necessidades. Em si mesmos esses impulsos não são nem bons e nem maus. Classificamos esses impulsos, bem como suas expressões, segundo a relação com as necessidades e as exigências da comunidade humana. Deve-se admitir que todos os impulsos que a sociedade condena como maus – tomemos como representativos os egoísticos e cruéis – são de natureza primitiva.
Esses impulsos primitivos passam por um longo processo, são inibidos, dirigidos a outras finalidades e campos, mesclam-se e alteram seus objetos. Formações reativas contra certos instintos assumem a forma enganadora de uma mudança em seu conteúdo, como se o egoísmo se tivesse transmudado em altruísmo ou a crueldade em piedade, até alcançarem algum desenvolvimento e cederem e se mesclarem aos impulsos construtivos.
Assunto tão árduo! Mas a Raquel e você mesclaram muito bem o desejo de destruir o árido, engendrando, por força do amor criativo, esse belíssimo texto. Parabéns!
Otto Rank ousou: “O homem é um ser teológico e não biológico.”
Penso no bem, como uma instância onde a nossa atitude só pode ser radical; como penso também que, diante dos abismos da torpeza, o homem pode recuar. É na intensidade e no fogo desse dilema que está, pra mim, o caráter religioso referente e todo homem.