Anedotas do Isaías: Jacó e os casos de Sara
16/10/13 09:30
J. B. de Souza Freitas nos brinda com essa piada de Isaías Melsohn, analista já falecido e pioneiro da psicanálise em São Paulo.
Num dominical e melancólico cair de tarde de fim de ano, sentados no terraço de seu belo e espaçoso apartamento no paulistano bairro de Higienópolis, Jacó e Sara conversam.
Esta, aquela e outras amenidades abordam, quando eis que Jacó entre sério e ansioso se põe.
– Sarra – diz -, tamos velho. Travessamo um vida junto, daqui a pôco irremos, e tem um coisa que gostarria saber de você.
– Coisa, Jacó? Coisa qué você sabê que Sarra non tenha já contado, que você já non saiba?
– Coisa boba, Sarra, que Jacó nem brabo ficarrá. Afinar, tamos velho, no fim de vida.
– Coisa é, Jacó? Coisa é que qué você saber?
– Sarra: arguma veiz você traiu Jacó?
– Jacó, que bestêrra! Magina coisa dessa!
– Sarra, por favorr, tamos velho, no fim. Conta: arguma veiz você traiu Jacó?
– Ah, Jacó! Párra cuisso!
– Conta, Sarra. Nós velho, portância tem contá?
– Jacó!
– Sarra, Sarra!
– Bom, Jacó, se você qué sabê, eu conta. Sarra traiu sim Jacó.
– Traiu, Sarra?
– Traiu, Jacó, traiu.
– E quanta veiz, Sarra?
– Tamém isso qué você sabê?
– Sarra, tamos velho, portância tem isso agorra?
– Jacó!
– Quanta veiz, Sarra? Quanta veiz?
– Que bestêrra, Jacó! Que bestêrra!
– Quanta, Sarra, quanta veiz?
– Bom, Jacó, se você qué sabê, duas, duas… non, non… trêis, trêis veiz.
– Trêis, Sarra? Trêis veiz?
– Trêis, Jacó. Trêis veiz. E só.
– E a primêrra, Sarra, com quem foi?
– Jacó, párra, vamo falá de otro coisa.
– Conta, Sarra, que tem demais? Tamos velho, fim de vida, que passô, passô.
– Bom, Jacó, primêrra veiz foi no Polônia.
– Polônia, Sarra?
– No Polônia sim, quano Jacó e Sarra querriam migrá Brasir.
– Isso, isso, Jacó lembra: migrá Brasir.
– Uhm… uhm… e agénte migraçón non querrer concedê visto?
– Isso, isso, lembra bem: agénte non querrer concedê visto. E muito Jacó tentô e pediu.
– Pois é, Jacó, Sarra foi daí conversá com agénte.
– Daí, Sarra?
– Bom, Jacó, agénte erra moço, bonito. Sarra tamém moça, bonita. Daí conteceu. Conteceu, e visto saiu.
– Visto saiu. Jacó lembra. Lembra bem. E segunda veiz, Sarra? Com quem foi segunda veiz?
– Jacó, ma qui lôcurra, pra quê qué sabê tudo?
– Só por sabê, Sarra. Nós velho, portância tem?
– Bom, Jacó, segunda vez foi no Brasir.
– Brasir, Sarra?
– Brasir. Lembra quando Jacó quis lugar lojinha Bom Retiro?
– Ah, sim, lembra. Lojinha Bom Retiro, rua Trêis Rio.
– Luva muito carra?
– Carríssima! Impossíver! Bisurda! Jacó lembra bem.
– Daí Sarra foi conversá proprietárrio.
– Daí, Sarra?
– Proprietárrio senhor simpático, arto, olho verde.
– Sim, Sarra.
– Daí conteceu. Luva baxô. E lugamos lojinha.
– Zatamente, Sarra. Zatamente. Lugamos lojinha. E tercêrra veiz, Sarra?
– Non, non, Jacó. Chega. Non conta mais.
– Ah, Sarra!
– Ah, Jacó! Non, non!
– Conta, Sarra. Com quem foi tercêrra veiz? Nós velho. Jacó non bravo, non se importa.
– Non, non, Jacó, tercêrra veiz non conta!
– Conta, Sarra! Conta. Portância tem?
– Non!
– Sim, Sarra, sim!
– Jacó!
– Sarra! Nós velho. Fim de vida. Jacó non se importa mêmo.
– Bom, Jacó, se você qué sabê, tercêrra veiz foi quando Jacó quis ser presidente Hebraica.
– Presidente Hebraica?
– Lembra, Jacó, lembra? Quis você ser presidente Hebraica…
– Lembra, Sarra, clarro que lembra.
– …e fartavam 250 voto?
Nossa! Tenho 60 anos. Ouvi esta piadinha infame quando tinha dezenove. E contada por uma pessoa de 65 anos, que teria ouvido aos dezessete. É a prova de que nada se cria, nada se perde. Tudo se repete.
“Ô coisinha tão bunitinha du paai !!!”
muito bom, era conhecida já, mas valeu a pena lembrar, bons risos ainda vieram.