Convívio entre gerações
17/09/13 09:20“Como convivem jovens e velhos, crianças e adultos, pais e filhos, avós e netos? Os valores éticos dificultam ou colaboram para o estabelecimento das boas relações intergeracionais? Qual o futuro de tais relações?”. Essas perguntas foram respondidas no livro, Conflito e cooperação entre gerações, Edições Sesc SP, resultado de ampla pesquisa feita por José Carlos Ferrigno*, com o objetivo de fortalecer a relação intergeracional e contribuir para o desenvolvimento da sociabilidade, fortalecendo o convívio entre as diferentes faixas etárias pela superação das diferenças. Vamos conversar com José Carlos.
Luciana: Como se interessou pelo estudo das relações entre jovens e idosos?
José Carlos: Há cerca de 12 anos o relacionamento entre os educadores do SESC e seus alunos idosos me chamou a atenção. Percebi que se tratava de um rico relacionamento intergeracional. Da minha pesquisa de mestrado na Psicologia de USP resultou o programa SESC Gerações do qual fui coordenador até me aposentar pelo SESC. Dessa mesma pesquisa resultou meu primeiro livro “Coeducação entre Gerações” que já está em sua segunda edição. O novo livro “Conflito e Cooperação entre Gerações” é resultado da pesquisa de meu doutorado, também na Psicologia da USP.
Luciana: Como o jovem se percebe na relação com o idoso?
José Carlos: Uma expressiva parcela dos jovens tende a discriminar as pessoas mais velhas em decorrência da desvalorização do idoso que ainda está presente na sociedade brasileira. Por isso, os jovens não podem ser vistos com os únicos responsáveis pelo preconceito aos velhos, já que eles receberam essa herança de uma sociedade que cultua valores que produzem individualismo, consumismo, competição e violência. A boa notícia é que uma nova imagem de idoso, produto de uma nova postura da Terceira Idade, isto é, mais atuante e participativa, mais reivindicativa e mais cidadã, tem impactado positivamente os mais jovens. Nas oficinas culturais e nas atividades de lazer do SESC, por exemplo, pude constatar esse fenômeno, a partir dos depoimentos que fui recolhendo em todos esses anos de estudo. Posso dizer com convicção que essa nova imagem tem produzido até mesmo uma reação de admiração de certos idosos, por parte dos jovens que com eles convivem.
Luciana: E como o idoso se percebe na relação com o jovem?
José Carlos: Assim como há jovens que discriminam velhos, também há idosos que se mostram intolerantes com adolescentes e crianças. Pude observar e conversar com idosos de todos os tipos em relação à abertura para com a juventude. Conheci vários que buscam contato e que se dão muitíssimo bem com a moçada.
Luciana: Quais os principais pontos de conflito entre esses grupos?
José Carlos: Há conflitos de diferentes naturezas. Antes de tudo é preciso ressaltar que é na família que ocorrem mais conflitos e conflitos mais intensos, geralmente por disputa de poder. Nas famílias autoritárias, a geração intermediária, a do pai e da mãe das crianças e adolescentes, além de oprimir a estes, também oprime os velhos da casa. Nesse contexto, há, por vezes, uma aproximação solidária entre avós e netos que se contrapõe à ditadura dos “donos da casa”. Os conflitos podem se dar também fora da família, nos espaços públicos, por exemplo no transporte público, na disputa por acentos. Em um nível da macroeconomia, especialistas apontam que tanto a atual distribuição de recursos públicos que beneficiam mais os idosos do que as crianças e adolescentes, quanto o impacto do déficit previdenciário poderão no futuro gerar conflitos de geração.
Luciana: E quais os pontos de cooperação?
José Carlos: Se é na família que ocorre a maior parte dos conflitos, é também nela que existem os mais expressivos esquemas de cooperação. Há idosos que com sua aposentadoria são provedores de seus familiares, outros idosos, ao contrário, são dependentes financeiramente de seus filhos. Como as relações comunitárias foram ao longo das décadas recentes se empobrecendo, a cooperação entre gerações fora da família quase não é vista. Por isso, desde os anos 90 vem ganhando força no Brasil e no Mundo a implantação de programas intergeracionais na área do lazer e do voluntariado para fortalecer os vínculos entre pessoas de diferentes faixas etárias. A ONU criou um novo slogan nessa perspectiva: “Uma Sociedade Para Todas as Idades”.
Luciana: Qual dos dois grupos é mais discriminado hoje?
José Carlos: Creio que ainda é o grupo dos velhos. Nossa sociedade é embalada pelo ideal de juventude, da beleza do corpo jovem, da força física do jovem. Há todo um jogo de sedução para o consumo de produtos que supostamente representam a juventude ou o rejuvenescimento. Há também o desprezo pelas tradições culturais nessa sociedade que produz o descartável. Por isso, nela o idoso nada tem a transmitir, é um sujeito fora de seu tempo, sem utilidade para o sistema.
Luciana: É possível superar as desigualdades entre esses grupos? Ou sempre haverá um buraco negro entre as gerações?
José Carlos: A melhoria na qualidade das relações intergeracionais depende da construção de uma sociedade mais justa e solidária. Os programas intergeracionais, inseridos em comunidades onde se busca a cooperação, poderão se constituir em mais um elemento positivo nesse processo de aproximação etária. Por outro lado, sempre haverá um embate entre novas e velhas ideias. E isso é muito saudável. O conflito não é necessariamente negativo. Ao contrário, ela é a mola propulsora de mudanças sociais. O que é preciso é que ele seja superado pelo diálogo, pela negociação. Ao mesmo tempo em que precisamos da sabedoria dos velhos que nos transmitem os valores civilizatórios, necessitamos do jovem que é sempre uma promessa de aperfeiçoamento da condição humana. A construção do mundo, como dizia Hannah Arendt, depende das transmissões intergeracionais.
*mestre e psicólogo pela Universidade de São Paulo e especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria.