No mundo da lua
26/08/13 10:12Internauta: Tenho 46 anos e vivo no mundo da fantasia desde os 10. Sou um pouco estrábico, na adolescência era pior, e isso me deixava muito retraído e complexado. Talvez por isso eu fugisse para as fantasia. Não consigo sentir prazer na realidade. Nas minhas fantasias, sempre sou famoso, não importa o setor, às vezes sou um ator, um cantor, etc. Sempre que vejo alguém fazendo sucesso na mídia me imagino tão ou mais importante do que essa pessoa. Em meus devaneios, tenho muitas mulheres famosas. Gostaria de viver a realidade e parar de sonhar.
Luciana: não há motivos para não odiarmos a realidade – como diz o ditado: a realidade dói. Alguns aprendem a conviver com a dor e com as perdas próprias da vida, outros permanecem emaranhados no maravilhoso, rejeitando aspectos dolorosos da vida, acreditando que os pequenos êxitos do cotidiano caem do céu e não são frutos nem do trabalho nem do empenho nem da paciência e muito menos do estudo.
O mundo de fantasias – devaneio é a palavra correta – invade a vida diurna e toma conta de muitas tarefas cotidianas, quando a intolerância à frustração é exagerada. Ao não aguentarmos a dura realidade que nos confronta com as dificuldades, fugimos para um lugar idílico, onde somos reis. É como se você vivesse se masturbando o tempo todo – pena, nunca irá conhecer o prazer de estar com uma mulher. Para começar a viver a realidade é preciso amar algo ou alguém de carne e osso, investir, se entregar e aguentar as consequências disso – coragem.
Todos temos uma espécie de reserva florestal (o inconsciente) de onde retiramos a matéria bruta para o trabalho criativo; os escritores, artistas, cientistas retiram dessa reserva experiências de prazer e de livre imaginação. É um material de trabalho muito rico quando transformado pelo labor humano. A mistura de imaginação com transformação pragmática pelo trabalho cria a riqueza de grande parte da produção humana. Já a fantasia pura afasta qualquer um do viver e do compromisso de criar e trabalhar.
Sob uma estrela pequenina
Me desculpe o acaso por chamá-lo necessidade.
Me desculpe a necessidade se ainda assim me engano.
Que a felicidade não se ofenda por tomá-la como minha.
Que os mortos me perdoem por luzirem fracamente na memória.
Me desculpe o tempo pelo tanto de mundo ignorado por segundo.
Me desculpe o amor antigo por sentir o novo como primeiro.
Me perdoem, guerras distantes, por trazer flores para casa.
Me perdoem, feridas abertas, por espetar o dedo.
Me desculpem os que clamam das profundezas pelo disco de minuetos.
Me desculpem a gente nas estações pelo sono das cinco da manhã.
Sinto muito, esperança açulada, se às vezes me rio.
Sinto muito, desertos, se não lhes levo uma colher de água.
E você, falcão, há anos o mesmo, na mesma gaiola,
fitando sem movimento sempre o mesmo ponto,
me absolva, mesmo se você for um pássaro empalhado.
Me desculpe a árvore cortada pelas quatro pernas da mesa.
Me desculpem as grandes perguntas pelas respostas pequenas.
Verdade, não me dê excessiva atenção.
Seriedade, me mostre magnanimidade.
Ature, segredo do ser, se eu puxo os fios das suas vestes.
Não me acuse, alma, por tê-la raramente.
Me desculpe tudo, por não estar em toda parte.
Me desculpem todos, por não saber ser cada um e cada uma.
Sei que, enquanto viver, nada me justifica
já que barro o caminho para mim mesma.
Não me julgues má, fala, por tomar emprestado palavras patéticas,
e depois me esforçar para fazê-las parecer leves.
Wislawa Szymborska, poeta polonesa que ganhou o Nobel de Literatura em 1996.
Dica: A rosa púrpura do Cairo, filme de Woody Allen. Como sair da tela, deixar de ser pura imagem para se tornar de carne e osso, frágil e mortal? Os poetas recomendam o amor, como uma poção mágica, para realizar essa transição.