Conversando sobre o luto - entrevista
19/08/13 09:53A morte se tornou tabu em nossa sociedade tecnológica. Não há espaço para o luto nem para a dor advinda das perdas. O mal estar é tratado com medicamento, pois temos que ter eficiência maquínica. Esses temas são tratados no livro, Conversando sobre o Luto (ed.Ágora), das psicólogas, Edirrah Gorett Bucas Soares e Maria Aparecida de Assis Gaudereti Mautoni. Escrito para o público leigo, aborda conceitos científicos com linguagem fácil e objetiva.
Luciana: Como surgiu a ideia de escrever um livro sobre o luto e as perdas para o público leigo?
Maria Aparecida: Há falta no mercado editorial de livros que abordem a temática morte e luto o que dificulta aos leigos e aos profissionais da saúde o acesso a um assunto que angustia a existência humana. A morte é um fenômeno natural da vida, e lidar com a realidade da perda para alguns pode ser tão difícil que oprime emoções por não encontrar suporte para expressar a dor da perda. Pensamos que falar de um assunto tão aterrorizante para alguns ajudaria a enfrentar a morte de parente próximo com mais naturalidade. A proposta do livro foi auxiliar as pessoas que sofrem por uma perda significante, numa abordagem simples e clara, esclarecendo sobre as reações diversas e naturais que são vivenciadas no processo de luto. Fundamentado em algumas pesquisas – de grandes estudiosos no assunto, e experiências relatadas por enlutados em processo psicoterapêutico, o livro pode ser um instrumento para trabalhar a morte no contexto hospitalar, escolar e nos lares para que crianças, adolescentes e adultos percebam a naturalidade do morrer.
Luciana: Qual a forma encontrada pelas autoras para passar ideias complexas, advindas das ciências, para a população em geral.
Maria Aparecida: Autores de renome internacional como Elizabeth Kübler-Ross, J. Bowlby, Parkes e outros citados no livro foram grandes estudiosos da temática morte, luto e perda que utilizaram relatos de familiares e experiências de enlutados para fundamentarem suas pesquisas. Ou seja, toda a fala em nosso livro foram relatos de pacientes atendidos em ambulatório hospitalar ou nos consultórios de psicologia que vivenciaram em algum momento de suas vidas a dor de perder alguém tão importante. Sentimentos como tristeza, raiva, torpor, dores musculares, e sentimento de culpa estavam presentes, porem a dor do luto é única e se diferencia de pessoa a pessoa, mas geralmente elas sentem alguns dos sintomas apresentados na literatura. A intensidade dessa dor dependerá dos vínculos afetivos construídos ao longo da vida com a pessoa morta. O luto é uma reação a uma perda significante que independente de crenças religiosas, culturais ou nível de escolaridade. Todos nos passaremos por ela um dia, sendo que uns sentirão com mais intensidade e outros com menos sofrimento. Ler, estudar ou pesquisar sobre o tema não exime de sentir a dor da perda de um animal de estimação ou a morte de um ente querido, mas ajuda a compreender os sentimentos que nos tormenta.
Luciana: Por que a morte e as perdas se tornaram um campo tão difícil de ser abordado em nossa sociedade?
Maria Aparecida: Na Idade Média a morte era domada, morria-se por guerras ou por doenças da época. O moribundo, familiares, crianças e amigos exerciam o ritual de despedida e todos podiam lamentar a dor. A partir do século XX a morte é vista como vergonhosa, proibida de acontecer. Com a medicina e a tecnologia avançada a morte pode ser adiada, superlotando os hospitais. Quando acontece os familiares vão em busca de explicações pelo ocorrido. Denunciam como forma de negação a realidade de um processo natural que é o ciclo de vida. Não nos permitem ficar de luto pelo tempo necessário, temos que retornar a rotina do dia-dia. Com isso, o luto mal elaborado, reprimido ou adiado atormenta as pessoas, surgindo assim doenças psíquicas e físicas. A idéia do livro foi desmistificar isso, pois um enlutado pode chorar, expressar tristeza ou raiva pelo tempo necessário para passar pelo processo de luto.
Luciana: Nesse livro percebi que há um momento em que vocês falam que toda a perda e morte trás algo positivo, discordo radicalmente dessa idéia que me parece antiga e envolta em crenças religiosas. De onde tiraram essa afirmação?
Maria Aparecida: Após uma perda de um ente querido ou de vivenciar a iminência da morte, muitas pessoas relatam que mudaram seu sentido em relação a vida. Muitos se aproximam de familiares e buscam na religião força para dar continuidade no viver. Elizabeth Kübler-Ross, fala que: crescemos quando ficamos doente e podemos escolher lamentar por muito tempo ou tomar contato com o sofrimento e entende-lo como crescimento pessoal. Aprendemos diante da dor que somos seres de possibilidades e encara-la como parte da condição humana, ajuda a enfrentar outras perdas que virão.
Luciana: O que dizer para quem perdeu um filho?
Maria Aparecida: A dor da perda de um filho é considerada como uma das maiores dores que o ser humano possa suportar. Talvez esse pai enlutado não quer que se fale algo, mas sim que se compreenda a sua dor e que se possa ficar ao seu lado para ajudá-lo no que for necessário. É uma dor que pode levar um tempo maior para ser elaborado, mas que vai passar. É importante que se respeite o tempo de cada um, e que permita expressar e lamentar pelo tempo que for necessário.
Luciana: Como falar da morte e das perdas com uma criança, é uma questão apenas de adequar a linguagem ou deve haver uma compreensão especial do mundo infantil na hora de abordar esse assunto?
Maria Aparecida: Com certeza ao falar sobre o tema com a criança se deve respeitar o desenvolvimento cognitivo e intelectual dessa criança. De forma clara e objetiva ela deve saber o que esta acontecendo, não precisando usar uma linguagem mórbida, mas sim dizer a realidade dos fatos. No capitulo 4 damos dicas de como se deve proceder com a criança. Se for para dar uma notícia que um ente querido morreu é importante que seja por um familiar ou responsável em que a criança confia. Essa criança precisa receber segurança, que será amparada por essa pessoa cuidadora, para que não sinta sozinha em sua dor.
Luciana: No decorrer do livro, muitas vezes, vocês se utilizam da palavra normal, há alguma vantagem em normatizar a experiência pessoal, particular e intransferível da dor? Não seria mais prudente abordar a dor e suas inúmeras formas sem enquadrá-la em normas?
Maria Aparecida: Na literatura do século XX a.c., no poema do rei Gilgamesh, se expressa a dor da perda de um amigo “Choro por Enkidu, meu amigo”. O luto é um processo único, universal e natural. Entender isso como algo normal, haja vista que em nenhum momento queremos estabelecer normas, mas sim mostrar que a morte é uma possibilidade e uma certeza de vir acontecer com todos os seres vivos. Quando dizemos que é normal sentir raiva, culpa, sentir a presença do morto, procuramos responder para os enlutados que isso não os tornam diferentes.
Parabéns pela materia, muito, irá contribuir para uma melhor compreensão dos enlutados. portanto, vejo uma visão feminina na materia, o homem tem uma visão um pouco diferente, para não ficar indiferente com seus familiares, ele manifesta um estado emocional semelhante, mas por muito pouco tempo, eh mais animalesco.
Excelente texto