Choque de Humanidade – um depoimento
12/08/13 09:15Inverno de 2010. Julho. Comecinho de noite. Num quarto de apartamento da Avenida Angélica iniciava meu processo psicanalítico que dura até os dias atuais. Um psicanalista havia sido contatado por minha família e, generosamente, dispôs-se a atender-me, naquele primeiro momento, em domicílio. Eu estava fragilizada, envergonhada e com dificuldade de locomoção porque quebrara o tornozelo esquerdo numa queda doméstica, após ingestão desmedida de bebida alcoólica. E aí, … chum!
Não. Não se trata de letra de música, de gosto no mínimo duvidoso, relatando ou reproduzindo o som de um mergulho de alguém em uma piscina de água gelada. Chum é a sigla usada pelos autores para “choque de humanidade”.
Aquela minha condição de estar acamada e deprimida, se de um lado era muito desfavorável, de outro já me colocava mais receptiva e sensível à fala do meu já adotado psicanalista (dera empatia à primeira vista!) que foi conversando comigo, a partir de palavras minhas, entre outras questões, sobre o real versus o ideal, sobre o humano versus o inumano (que não quer dizer desumano, diga-se). Amorosamente. Ao longo desses dois anos e meio fui compreendendo que amor e liberdade são substantivos concretos e que humanidade se constrói. Não nascemos humanos prontos e acabados; construímo-nos mais humanos (ou não) e não adianta querer fugir, por meio do álcool, dessa condição humana: não tem saída!
Fui, durante algum tempo, praticante da religião degradada que tem como deus o álcool e/ou outras drogas. Da adolescência à idade adulta, eram as drogas para controlar o apetite (os chamados remédios para emagrecer, que se compra com receita médica) e, mais tarde, a ingestão compulsiva e voraz do álcool. Da euforia à depressão. Da alegria fugaz à melancolia profunda. Da coragem ao medo. Não! Não eu não tinha, exclusivamente, uma dependência da química do álcool (embora os efeitos físicos fossem arrasadores); eu ia inconscientemente de encontro a morte para aguentar a vida; uma tinha uma dependência religiosa, moral e psíquica do deus álcool, isto sim.
Hoje, com o chum sendo praticado por mim, sucessivamente, no setting psicanalítico, tenho aprendido e apreendido o gosto da liberdade, da alegria sem euforia.
Após cerca de quatro meses do início do meu processo psicanalítico, cheguei a ter não uma recaída, mas um pequeno lapso que já faz parte do meu passado. Tenho vindo “tenteando e pelejando”, como diz o meu psicanalista, um dia de cada vez, mas com uma qualidade de vida que antes nem imaginava existir. E viva o chum!
Assim, eu sou Bárbara, mas atendo também por Vera Lúcia, a ex-Vera alcoólatra.
Dizer que gostei muito do livro Idealcoolismo: um olhar psicanalítico sobre o alcoolismo, de Antonio Alves Xavier e Emir Tomazelli (ed. Casa do Psicólogo) pode parecer lugar-comum ou algo que se diz, geralmente, para agradar, mas, no meu caso não o é. Sofri no corpo, na mente e na alma os malefícios da drogadição e do idealcoolismo e posso avaliar o quão importantes são as elaborações teórico-clínicas de seus autores. Conceitos inéditos; abordagem inovadora. Uma grande contribuição à nossa humanização. A ambos sou muito grata. E expresso minha gratidão nesse pequeno depoimento.
Tendo vivido como educadora por muitos anos e atualmente experimentando a conquista de minha vida alcoólica de forma mais humanizada e mais livre, um pouco por dia, tenho propriedades para recomendar a leitura desse livro a pais, avós e educadores. É importante que aprendamos com os autores que a fraca presença ou a ausência da função paterna na infância associada a uma presença absorvente da mãe, pode realmente levar ao idealcoolismo.
Muito bom o texto, parabens !
Lindo texto, linda história!