Não existe epidemia de crack - ENTREVISTA
15/07/13 09:14O Brasil precisa priorizar a politica de prevenção ao uso indevido de álcool e drogas. Medidas emergenciais e propagandísticas devem ser superadas. São necessárias campanhas comprometidas com uma postura de longo prazo, financiamento de estudos e ações socioeducativas responsáveis. Conhecer o problema a fundo é parte da solução. Conversamos com Marcelo Sodelli*, Presidente da Associação Brasileira Multidisciplinar de Estudos Sobre Drogas – ABRAMD.
Luciana: O que é a ABRAMD?
Marcelo: A ABRAMD – Associação Brasileira Multidisciplinar de Estudos Sobre Drogas – é uma associação nacional, sem fins lucrativos, multidisciplinar, e que tem como áreas de atuação:
- Promover debates científicos na área de substâncias psicoativas e dependências, em perspectiva multidisciplinar;
- Promover o aperfeiçoamento de profissionais na área de substâncias psicoativas e dependências através de congressos, cursos, conferências, seminários, reuniões técnicas e outras atividades;
- Colaborar com a divulgação de estudos e trabalhos científicos na área de drogas e dependências e
- Promover intercâmbio com profissionais e entidades afins em âmbito nacional ou internacional.
Luciana: A ABRAMD concorda que exista uma epidemia de crack? Essa é a droga com a qual devemos nos preocupar agora?
Marcelo: Todos os estudos mostram claramente que não existe uma epidemia do crack. O que se percebe é que o seu uso se tornou mais visível e, por isso, se tornou objeto de muitas discussões e ações. O fato de não ter havido um aumento evidente no consumo, não significa que não devemos nos preocupar com o uso desta droga.
Acreditamos que a política sobre drogas não deve priorizar uma substância, mas trabalhar no sentido de diminuir a vulnerabilidade ao uso de risco e dependência de substâncias psicoativas em geral.
Diversos estudos mostram que o usuário de crack também consome outras drogas e o início do consumo se dá frequentemente, a partir do uso pesado de drogas licitas como álcool e tabaco em idade precoce.
No Brasil, a droga mais preocupante ainda é o álcool, tanto pelo número de usuários e dependentes como por seus efeitos físicos, psicológicos e sociais. O álcool é o principal motivo de internações nos hospitais psiquiátricos que trazem uma grande sobrecarga e gastos para o sistema de saúde.
Luciana: Temos lido bastante sobre a preocupação do governo brasileiro e de São Paulo com a questão do crack. A ABRAMD concorda com o governo estadual sobre a necessidade da internação das pessoas dependentes em comunidades terapêuticas?
Marcelo: A questão central é entender que internação (seja ou não compulsória) não deve ser a primeira opção de uma política de drogas. Ela deve fazer parte de uma terapêutica, mas em casos específicos, quando um usuário precisa de cuidados que fora do hospital seriam impossíveis. Dentro desta perspectiva a discussão sobre comunidades terapêuticas fica em segundo plano.
Uma internação precipitada pode contribuir para o preconceito com o usuário que abusa ou é dependente de drogas.
Luciana: A ABRAMD pensa na prevenção ao uso de drogas? Tem um departamento de prevenção?
Marcelo: Sim, como uma associação multidisciplinar, a ABRAMD tem a prevenção do uso indevido de drogas como um dos temas fundamentais. Nossa visão é abordar a questão na perspectiva de redução de danos. A guerra às drogas, muitas vezes usada como pano de fundo para ações preventivas, tem se mostrado irrealista e ineficaz. Acreditamos que crianças, adolescentes, jovens e adultos podem e devem refletir sobre o uso de drogas, seus efeitos e condições, para terem possibilidade de fazer escolhas favoráveis a uma vida saudável e produtiva.
Temos um grupo de estudos, a ABRAMD/Educação, dedicado a esse tema, que se reúne periodicamente e promove encontros ampliados para os interessados nas questões relacionadas à educação.
Luciana: Quais são os fóruns de discussão da ABRAMD?
Marcelo: Além da ABRAMD/Educação, temos outros fóruns de discussão em pleno funcionamento, entre os quais a ABRAMD/Fenomenologia e a ABRAMD/Clínica, com grupos em Belo Horizonte e São Paulo. Os associados podem formar grupos temáticos de seu interesse, apoiados e divulgados pela diretoria.
Ciclos de Palestras sobre temas como Redução de Danos, Legislação sobre Drogas, Violência e Dependência de Drogas, Internação e outras formas de tratamento para dependentes, têm sido realizados há 3 anos. Esta iniciativa é feita em parceria com a UDED (Unidade de Dependência de Drogas da UNIFESP) e tem tido uma grande aceitação e participação. As palestras são bimensais e gratuitas e as informações podem ser obtidas em nosso site.
Publicamos mensalmente um boletim com estudos, discussões atuais, livros publicados e assuntos de interesse da área de drogas, sempre numa perspectiva multidisciplinar. A cada dois anos realizamos um Congresso Internacional.
Luciana: Quando será o próximo Congresso da ABRAMD e quais os seus objetivos e temas principais?
Marcelo: O tema do nosso IV Congresso Internacional é “Drogas e Políticas Públicas: Educação, Saúde Coletiva e Direitos Humanos”. Será realizado de 30/10 a 02/11/2013 em Salvador, Bahia.
O principal objetivo é promover o debate e o intercâmbio científico e contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas mais racionais, pragmáticas e democráticas. Políticas que respeitem as pessoas usuárias de drogas, facilitem o seu acesso aos sistemas de proteção social e promovam a educação, a saúde coletiva e a dignidade humana. Espera-se contribuir para o aprofundamento de ideias, a diversificação do debate e a difusão de estratégias mais efetivas, realistas e pautadas nos princípios éticos e nos direitos humanos. A programação inclui conferências nacionais e internacionais, mesas redondas, oficinas, cursos e apresentações de trabalhos, oralmente e sob a forma de pôsteres. As inscrições podem ser feitas no nosso site.
Luciana: Como a ABRAMD analisa as mudanças nas políticas públicas sobre drogas, em discussão atualmente?
Marcelo: A atual Política Nacional sobre Drogas foi construída com o aval de fóruns populares realizados nacionalmente. Acreditamos que as ações de redução de oferta e demanda de drogas devem ser de responsabilidade direta e prioritária do Estado, com a participação da sociedade. Preocupa-nos que a transferência de ações de assistência para outros setores, sem o adequado acompanhamento e avaliação, enfraqueça as ações públicas, universais e gratuitas pelas quais tanto batalhamos nos últimos anos. A ABRAMD reuniu-se no dia 09 de maio último, em Brasília, com outros 20 representantes de Centros de Referência sobre álcool e drogas de Universidades Federais e Estaduais para discutir as iminentes mudanças na Lei de Drogas, com o objetivo de contribuir para manter princípios técnicos, éticos e humanistas nas ações de prevenção e tratamento para usuários de drogas.
Luciana: Como fazer contato ou ter mais informações sobre a ABRAMD?
Agradecemos a oportunidade de divulgar nossas ideias e ações. Teremos muita satisfação em interagir com as pessoas interessadas em nossos temas de discussão. Nosso email de contato é abramd.diretoria2010@gmail.com Nosso site: www.abramd.org.br
* Marcelo Sodelli é Doutor em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Docente e pesquisador do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Membro da Sociedade Brasileira de Fenomenologia. Autor de vários artigos científicos e do livro “Uso de Drogas e Prevenção”. msodelli@pucsp.br
interessante ele dizer que ‘não há uma epidemia’, quando o que vemos é o crack avançando como uma praga nas ruas e nos lares do Brasil. Há uma estatística de usuários nas regiões? não ficou claro se há um estudo atualizado.
Cara Sumara,
Obrigada pelo seu comentário e desculpe pela demora da resposta.Somos uma Associação chamada ABRAMD e como o Marcelo (presidente) está de férias, vou responder a vc.
O crack é uma droga importante e tem ocupado muito a imprensa e as famílias. Como um inalante ela tem uma capacidade de absorção muito rápida e de produzir um efeito imediato.Causa tolerância, abstinência e dependência rapidamente, especialmente para pessoas que estão morando na rua e sem se alimentar. Mas, não temos epidemia de crack.
Sim existem pesquisas. Procure no CEBRID, Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas – http://www.cebrid.epm.br
Muito obrigada!
Maria de Lurdes Zemel – membro fundador da ABRAMD