Transtornos alimentares e obesidade - entrevista
03/06/13 09:45O aumento dos problemas alimentares e da obesidade nos últimos 30 anos questiona diretamente a mentalidade de dieta, que entranhada no tecido social, gera lucros para a indústria ao espalhar um mal estar contínuo com a aparência de nossos corpos. No dia 29 de junho, o Genta (Grupo Especializado em Nutrição e Transtornos Alimentares) organiza o I Encontro de Prevenção Conjunta de Transtornos Alimentares e Obesidade. Convidei a nutricionista, Fernanda Timermam, coordenadora do Genta, para uma conversa.
Luciana: O que é o Genta?
Fernanda: O Genta é um Grupo Especializado em Nutrição e Transtornos Alimentares, formado por nutricionistas com experiência em tratamento, prevenção e pesquisa de transtornos alimentares. Desde 2004, o GENTA realiza a Se Dê Conta – Semana de Conscientização em Nutrição e Transtornos Alimentares – com diferentes parcerias, inclusive com o Grupo Corpo e Cultura. Nesta semana, acontecem palestras e workshops para profissionais e estudantes da área da saúde, moda, publicidade e comunicação, escolares, adolescentes, pais, professores e abertas ao público em geral. O objetivo é alertar para o problema dos transtornos alimentares e provocar reflexões sobre a ditadura da beleza e a obrigatoriedade das dietas. Cada público exige uma abordagem diferente, portanto cada ano o Genta diversifica o foco.
Luciana: Vocês falam em prevenção conjunta de transtornos alimentares e obesidade. O que isso significa para o diagnóstico de transtorno e para a prática clinica?
Fernanda: A obesidade é uma doença e não um transtorno alimentar, embora ambos possam coexistir caso a obesidade seja consequência de um transtorno psiquiátrica chamado TCAP (transtorno da compulsão alimentar periódica). Apesar do crescente aumento da prevalência da obesidade, a estigmatização aos indivíduos obesos não está diminuindo. Os obesos sofrem aproximadamente 12 vezes mais discriminação que não-obesos. Pesquisas têm mostrado que indivíduos obesos são percebidos como preguiçosos, sem força de vontade, menos disciplinados, incompetentes, menos saudáveis e mais infelizes e são vistos como responsáveis por sua condição. Sendo a obesidade uma doença, podemos “culpar” o indivíduo por sua condição e responsabilizá-lo por sua “cura”? Tendo a obesidade uma etiologia multifatorial, podemos identificar uma única solução para todos os indivíduos que forem dessa condição? Diversos estudos têm mostrado que a estigmatização não ajuda o paciente obeso a se engajar no tratamento. Muitos dos indivíduos que são vistos tão negativamente, sentem-se culpados e o risco de aumentarem a frequência de compulsões alimentares e diminuem significativamente a aderência em tratamentos de longo prazo e mudanças no estilo de vida. Estes resultados têm implicações práticas na polarização da obesidade.
Além disso, poucas doenças são tão refratárias ao tratamento quanto a obesidade. As taxas de sucesso com os tratamentos tradicionais propostos – como dietas de restrição calórica, busca por exercícios físicos com o objetivo de aumentar o gasto energético, medicações inibidoras do apetite e outros – são pequenas, em grande parte pela dificuldade de aderência desses pacientes a propostas terapêuticas irreais. O grande problema reside na maneira como projetos de prevenção e medidas “públicas” de saúde tem abordado o assunto. As pessoas tentam emagrecer a qualquer custo com medo de ficarem obesas, muitos adotam medida extremas, não eficazes e nada saudáveis para perder peso ou para não ganhá-lo. Desta forma, na tentativa de prevenir ou diminuir os casos de obesidade, pode-se acabar criando um ambiente neurótico, muito propício ao desenvolvimento dos transtornos alimentares como anorexia ou bulimia nervosa. Mais comum e prevalente não é o desenvolvimento completo dessas síndromes, mas muitas características que já classificam o indivíduo numa categoria chamada transtorno alimentar não especificado. O foco principal não é a saúde, mas sim a magreza estética. O cuidado mais urgente é tentar achar uma maneira de prevenir a obesidade sem que isso desenvolva um outro tipo de transtorno psiquiátrico grave como os transtornos alimentares, que são são extremamente difíceis de tratar em âmbito pessoal e público!
Luciana: Muito se fala da epidemia de obesidade que assola o mundo contemporâneo. O crescimento dos outros transtornos também é bastante significativo. Existe alguma ação preventiva na esfera da saúde pública no Brasil? E em outros países?
Fernanda: Em países como Estados Unidos, Israel, Canadá e Austrália a prevenção conjunta de Obesidade com a de Transtornos Alimentares está muito bem delineada e desenvolvida. Instituições públicas e não governamentais dispõe de programas sérios, com publicações científicas que são focados principalmente em crianças e adolescentes. O Genta fez uma triagem de links dessas instituições e seus programas (http://www.genta.com.br/links/). Basicamente obesidade e transtornos alimentares são dois lados da mesma moeda no quesito socio-cultural e a prevenção conjunta abordam questões que, se não trabalhadas, podem levar a um desses lados. Alguns pontos principais trabalhados são: Satisfação corporal e autoestima, prática de dietas, educação sobre padrões de beleza e como ter uma atitude crítica em relação à mídia, mensagens de nutrição centradas na perspectiva da saúde e não do peso, inclusão dos pais, atividade física indicada com sensibilidade para aumentar a adesão mas com cautela para não virar outra compulsão. Infelizmente no Brasil ainda estamos engatinhando e não temos nenhum programa bem desenvolvido, porém existem alguns grupos de mobilização discutindo essa abordagem como o GENTA (http://www.genta.com.br/) e o Grupo Corpo e Cultura (http://www.corpomercadoriaecultura.com/index.html), que sofrem com a falta de apoio e interesse públicos e por isso ficam com suas ações engessadas. Por isso o GENTA está promovendo esse primeiro encontro sobre prevenção de Obesidade e Transtornos Alimentares aberto aos profissionais da área da saúde e educação, para que a gente consiga criar mais força e possibilidades nacionais eficazes e chegar ao mesmo patamar que os países citados acima.
Luciana: Constatado o problema, como se deve agir?
Fernanda: Considerando tais dificuldades e o fato de não termos políticas de saúde pública eficazes, precisamos criar suporte a esses pacientes, diminuindo a ênfase em soluções rápidas que assumem que o indivíduo, isoladamente, seja capaz de responder às complexas questões associadas à obesidade e criar intervenções práticas, acessíveis, sustentáveis e trabalhar contra estereótipos de beleza. O Genta desenvolveu um projeto piloto de prevenção e tenta achar meios viáveis de aplica-lo em escolas, envolvendo os educadores, alimentação na escola e inclusão dos pais para trabalhar com as questões de auto-estima, satisfação corporal, prática de dietas, educação sobre a mídia, incentivo á atividade física e alimentação com foco na saúde. Precisamos criar laços para colocar essas medidas em prática pois prevenção é muito mais eficaz do que o tratamento, principalmente de doenças como Obesidade e Transtornos Alimentares tão difíceis e custosas para tratar.