Como pensar criticamente a Psicanálise - entrevista
20/05/13 11:08A Teoria dos Campos é um pensamento crítico, brasileiro, sobre a Psicanálise. Foi criada por Fabio Herrmann e vem sendo difundida nas universidades e institutos de formação em psicanálise da América Latina. Em breve haverá um encontro gratuito na USP (VII Encontro Psicanalítico da Teoria dos Campos – Psicanálise com Arte nos dias 7 e 8 de junho). Para falarmos sobre esse Encontro e sobre a Teoria dos Campos convidei a psicanalista, Leda Herrmann.
Luciana: Você fará a conferência de abertura do VII Encontro Psicanalítico da Teoria dos Campos, muitos psicanalistas e psicólogos nunca ouviram falar nessa Teoria, em poucas palavras você poderia nos dizer o que é a Teoria dos Campos?
Leda: As “poucas palavras” constituem um desafio. Não se trata de uma teoria psicanalítica a mais, seja nos moldes de teorias que sistematizam conhecimentos sobre a vida psíquica – como, por exemplo, teoria da sexualidade, teoria das relações objetais –, seja como produções de autores que, como escolas psicanalíticas, fixaram-se no desenvolvimento de algum setor da ampla produção freudiana – kleinianismo, bionismo, lacanismo, para ficarmos apenas nas duas margens do Canal da Mancha.
Teoria dos Campos é o nome pelo qual ficou conhecido o pensamento de Fabio Herrmann, exposto em sua obra escrita. É este um original sistema de pensamento psicanalítico crítico-heurístico que, tomando a Psicanálise por inteiro como a nova ciência criada por Freud, desce aos seus fundamentos e, na busca do desvelamento da condição de eficiência do fazer clínico, se concentra no seu método, o do caminho que conduz à cura. Pensamento crítico porque parte da análise da situação da Psicanálise, principalmente a paulistana/brasileira, do final dos anos 60, início dos 70. Heurístico porque recupera o valor da descoberta de novos conhecimentos, perdido que fora pelo encolhimento da Psicanálise ao âmbito do tratamento psicanalítico que, em sua ação clínica limitava-se à aplicação dos conhecimentos desenvolvidos pelas escolas psicanalíticas, sem quase nada descobrir.
Luciana: Como a Teoria dos Campos se vê frente às outras teorias da Psicanálise? Qual sua especificidade?
Leda: Nessa viagem pelos fundamentos da Psicanálise, a Teoria dos Campos recupera o alcance vislumbrado por Freud para esse novo ramo do conhecimento. Ou seja, um “horizonte de vocação”, o de tornar-se a ciência geral da psique. Recupera, também, a compreensão freudiana do sentido humano em uma conjunção de conhecimento e cura. Nesta tarefa, a Teoria dos Campos rompe com o aprisionamento no âmbito do sujeito individual a que o conceito de psique foi sendo imposto, estendendo seu sentido à toda produção cultural, isto é, humana.
Com a recuperação da posição do método psicanalítico, colocando-o no centro da cena clínica, seja ela a do tratamento psicoterápico, seja a da forma de pensar recortes do mundo humano, procede também a uma depuração da natureza interpretativa desse método e constrói conceitos metodológicos que estão implicados em todo ato clínico.
Assim, uma das importantes especificidades desse pensamento psicanalítico é sua visada operacional-metodológica que, em primeiro lugar, leva-o à condição de instrumento de comunicação entre analistas, seja qual for sua filiação teórica. Também, como nunca parte de uma formulação teórica já consagrada para explicar o que o paciente, ou o recorte do mundo lhe põem diante dos olhos, rearranja o lugar da teoria no interior desse corpo disciplinar. A teoria, mesmo a mais prezada construção freudiana, é descoberta ou redescoberta a partir do ato clínico, nunca aplicada a priori.
Para a Teoria dos Campos a teoria é o último elo da cadeia lógica de construção de conhecimentos sobre a psique, logicamente posterior à ação técnica e ao proceder do método. Aqui se faz necessária uma diferenciação. Método para a Teoria dos Campos é tomado em seu sentido etimológico – do grego caminho (odos) para um fim (meta) – sem nada a ver com o sentido de procedimentos garantidores da objetivação de um experimento, como nas ciências duras.
Luciana: O tema desse VII Encontro é, Psicanálise com Arte, por quê? Quais as relações entre arte e psicanálise?
Leda: Comecemos pela segunda pergunta. A relação arte e Psicanálise é apontada e explorada tanto na Psicanálise, como na crítica literária e das artes em geral. No âmbito da Teoria dos Campos, trata-se de uma relação de implicação e não de contigüidade. Há um imbricamento entre Psicanálise e arte. A Psicanálise constitui-se de e com arte. É uma ciência artística. Seu método interpretativo não permite verificação controlada de resultados ou comprovação empírica. Ele desvela sentidos e constrói conhecimentos. A interpretação nada prova, apenas cria condições para que outro sentido surja, rompendo o campo do sentido que dominava a comunicação do paciente ou congelava de uma só forma a compreensão do psicanalista de um determinado recorte do real humano que considerava. Ela implica um movimento artístico de criação que, possibilitando a emersão de sentidos possíveis, mas inaparentes, torna também possíveis novas representações para o paciente ou do mundo para o analista. Para Fabio Herrmann esse fazer clínico é análogo ao fazer literário e é para esse reino análogo que o psicanalista se dirige, habitando-o quando faz clínica ou, a partir dela, constrói teoria. Neste VII Encontro, o tema “Psicanálise com arte” estará sendo trabalho, nas várias mesas de apresentação de trabalhos, dessa perspectiva tão própria à Teoria dos Campos.
Luciana: Existe no fazer clínico do analista uma constante tensão entre arte e ciência?
Leda: Diante do que já expus, só posso dizer que sendo ciência artística tal tensão só se apresenta no fazer clínico quando, por descuido ou por pressão do imaginário científico, nos esquecemos momentaneamente da perspectiva artística do dedilhar da alma do paciente contida na interpretação psicanalítica.
Luciana: Os neurocientistas percebem como inestimáveis as descobertas Freudianas, no entanto atacam seu método e afirmam haver grande fraqueza no método interpretativo, mas como pode um método fraco descobrir tantas coisas sobre o funcionamento psíquico?
Leda: Sua pergunta já contém parte da resposta. Pois para os neurocientistas só serão validadas essas descobertas, penso eu, quando as puderem localizar nos intricados caminhos da anatomia e da fisiologia cerebrais. Aliás, Freud também nutria essa esperança. São níveis distintos de conhecimento – as descobertas arduamente conseguidas pela neurociência e as nossas construções teórico-artísticas.
Luciana: Você é diretora do Instituto de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, o Instituto é o responsável pela formação de novos analistas. De qual maneira, a seu ver, os novos analistas devem ser formados?
Leda: O instituto de formação da SBPSP privilegia a formação de analistas clínicos ainda no estilo de profissional de consultório particular. Começa a ter lugar a preocupação com uma clinica extensa aproximadamente àquela pensada e teorizada pela Teoria dos Campos. Extensa não só como a que se pratica em instituições, mas extensa no sentido de estar atenta para o que determina a eficácia terapêutica da Psicanálise, ou seja, mais o coração do método do que as regras de seting.
Penso que o exercício do pensamento crítico é fundamental para a formação de novos analistas. A Psicanálise acumulou uma massa de conhecimentos ou teorias que se constroem a partir de aspectos particulares do pensamento freudiano. Faz-se mister hoje que o psicanalista ou o psicanalista em formação possa dar-se conta de que nos deparamos com vários conjuntos de conhecimentos, na sua maioria incomensuráveis e que se constroem em um processo metonímico, pars per toto. Este já é o primeiro passo no caminho de um pensamento crítico.
Lembrar que cada pessoa é única, incomparável…Assim, não cabem generalizações; então, a terapia deveria ser centrada no paciente, no terapeuta, no relacionamento entre ambos, e, considerando holisticamente o ambiente, o meio-ambiente, a natureza terrestre, o psiquismo, etc., em tudo que for pertinente à terapia entre esse paciente e esse terapeuta.