Medo da maternidade
23/04/13 10:00Internauta: O medo sempre nos salva de alguma coisa a todo tempo. Eu sempre tive medo e tédio de perigos. Mas temos que escolher um momento na vida, pelo menos um, para não ter mais medo. Por que será que eu tenho tanto medo de ser mãe? Estou grávida, mas não escolhi esse momento. Tive medo até de escolher o momento. Fui escolhida pela coisa. Eu queria engravidar, eu achava que queria, mas tinha medo. É um medo quase como aquele que tenho de extrair meus dentes sisos. Até hoje ainda não fiz porque tenho medo de morrer… é sério!
Luciana: é difícil definir o limiar entre o medo que protege e o medo que superprotege e, portanto, sufoca.
Medo do desconhecido. Medo de não dar conta de cuidar de um filho. Medo de criar um monstro. Medo de crescer e de se responsabilizar por mais um. Por isso a analogia com o dente do siso, o dente do juízo e da maioridade. O parto seria então a extração de algo que atrapalha e o bebê um anjo caído, voraz e destrutivo a romper com as entranhas da mãe?
Se serve de consolo, a fantasia de dar à luz a algo monstruoso e incontrolável é uma fantasia clássica muito bem representada em filmes como: Alien, o oitavo passageiro e o Bebê de Rosemary.
Seja como for, ter um filho é um tipo de desterro, sim. Sua vida nunca mais será a mesma. Exílio eterno. E não há muito preparo para isso, apenas acreditar que terá condição de sobreviver a essa loucura, que dará conta dessa nova vida.
Congresso Internacional do Medo
Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.
Carlos Drummond de Andrade
Aurea Rampazzo, coordenadora das oficinas de criação literária do Museu Lasar Segall, escolheu o poema para essa pergunta/resposta.
Dicas: Uma peça de teatro ótima e exemplar para essa questão é: “O boi da cara preta” de Sergio Roveri.
Texto que serviu para mim mais perfeitamente ajustado que um vestido de malha… deixando à mostra essa coisa feia e pavorosa que é o pavor dessa nova vida pós filho. O que é isso, meu Deus? Não deveria ser “natural”? Mas não sei porque acho normal para todo mundo, mas quando se trata de “mim-zinha” nada é tão normal assim…
nao existe nada normal!!! e nao adianta falarem que a maternidade é linda, ainda temos medo de morrer nesse momento.
Luciana, gostei muito da sua mensagem de audio de hoje. Muito bonita! E quanto ao poema do Drummond, não quero cantar o medo, quero cantar a superação do medo, a coragem para amar, ainda que envolva incertezas, imperfeições, o desconhecido. Mas entendo os medos em geral, e também sinto alguns deles. Desenvolver a confiança, eis a questão.
Acho que às vezes leio sem a devida atenção. Pois é, Drummond está dizendo que o medo nos mata: “cantaremos o medo que esteriliza os abraços” (isso é muito bonito!) e, finalmente, “depois morreremos de medo” (que bonita essa construção!)… apesar de ele dar seguimento com a imagem do túmulo, esse “morreremos de medo” (para além da expressão corriqueira de “morrer de medo”, ter muito medo) pode se dar em vida também. Morte interna.
Luciana, me perdoe pelo excesso, mas por falar em medo, gostaria de descrever uma situação que ocorreu comigo ontem.
Estava caminhando a pé pela cidade quando parei para atravessar uma rua, esperando o sinal fechar. Nesse momento, uma senhora humilde se aproximou de mim e pediu a minha ajuda. Ela estava com medo de atravessar a rua, que era movimentada. Ela estendeu a mão dela para que eu a segurasse. Eu segurei a mão dela e a ajudei a atravessar. Mas, enquanto eu ajudava aquela senhora, interiormente me passava uma certa apreensão e desconfiança. Passava pela minha cabeça a fantasia de que ela poderia me aplicar um golpe. Enfrentei a situação. No final ela me agradeceu e seguiu o caminho dela. Confesso que respirei aliviada e também me senti culpada por isso.
Fiquei chateada com esse episódio e fiquei chateada comigo mesma, pois reconheci nele “o imaginário da desconfiança, do medo”, o qual, acredito, vem se espalhando na nossa cultura, o qual estamos interiorizando.
Realidade do nosso tempo? Não sei o quanto de realidade há nisso…
Voltando ao Drummond, que medo mais chato! Será que ele protege ou mata a vida?
acho que protege a medida que voce nao atua ele, nao imediatamente, voce espera para ver se era apenas a fantasia…era. Ootras vezes nao é, viver é muito perigoso, disse Guimaraes Rosa.
quando você diz “não atua ele” significa “não age baseado nele” ou “não aciona ele” (talvez a 1a opção porque o acionamento seria algo mais espontâneo, não controlável). Não sei o quanto há de perigoso em viver. Há muitas variáveis, muitas realidades diferentes, paralelas ou tangentes, contextos mais positivos ou menos. Muitas variáveis.
Correção: faltou uma interrogação no final do primeiro trecho: significa “não age baseado nele” […] ?
Oi Luciana.
Me identifiquei com o seu texto.
Também tenho medo de ser mãe. Na verdade, já estou passando da idade de ser mãe.
Como sempre tive problemas “femininos” teria que encarar um tratamento para conseguir ter filhos e nunca quis encarar isso.
Medo de engravidar e medo também de criar o filho.