Creche-boutique - Entrevista
18/03/13 08:39Jovens profissionais ao se tornarem pais se angustiam quando voltam a trabalhar e não têm com quem deixar os filhos. Avós trabalham ou moram longe, há poucas creches públicas e babás custam caro. Na ausência do amparo da comunidade, resta fazerem enormes sacrifícios pessoais e financeiros. A angústia e o desamparo dos pais transbordam sobre a criança pequena, o que pode afetar seu desenvolvimento psíquico. A psicanalista, Marion Minerbo*, abre uma conversa sobre a creche-boutique, uma possível solução para este problema.
Luciana: Como foi que surgiu a ideia de creche-boutique?
Marion: Minha filha mora fora do Brasil, e lá os jovens profissionais como ela encontraram uma solução que me parece simples e criativa para deixar seus filhos.
Uma mulher do bairro – geralmente alguma vizinha que já criou os filhos, que precisa e/ou quer trabalhar, mas não está inserida no mercado de trabalho – adapta uma parte de sua casa para funcionar como creche. Coloca uns tapetes daqueles de quebra-cabeça de borracha, que podem ser retirados no fim de semana. Afasta os bibelôs e mesas pontudas. Coloca brinquedos, não necessariamente comprados. Minha neta de 7 meses se divertia muito com um lenço bem leve e transparente que caía sobre seu rosto. Música boa e tranquila, não necessariamente cantigas de roda.
Usa aquele quarto que ficou sobrando depois que os filhos saíram de casa para colocar uns berços. E recebe 4 ou 5 crianças entre 5-6 meses e 2 anos – período entre o fim da licença maternidade e a escola maternal. Prepara sopinha fresca todos os dias, dá o lanche, troca as fraldas, põe para dormir e brinca com elas. E se vincula amorosamente às crianças como se fossem netos.
Como é perto de casa, os pais não enfrentam um trânsito horrível para deixar e buscar seus bebês. A “avó compartilhada” está pronta para receber as crianças às 7:30 horas. Os pais buscam em torno das 16 horas. As mães ligam durante o dia para saber como está; ou ela liga para a mãe vir buscar se o bebê está doentinho. E ela cobra um tanto por cada criança, um tanto que é razoável para jovens pais e significativo para o orçamento dela. É bom para todo mundo: para ela, para os pais e para as crianças.
Inventei o nome creche-boutique por analogia aos hotéis-boutique, que são o oposto daquelas grandes cadeias tipo Hilton para executivos com os quartos todos iguais. São poucos quartos, decorados um por um, e com um tratamento personalizado para os hóspedes que se sentem realmente em casa. A creche-boutique é uma extensão da casa.
Luciana: Quem estaria apto para realizar esse tipo de trabalho e por que?
Mulheres que têm um “talento” especial para serem mães ou avós, isto é, que sentem que dão conta, com prazer, do trabalho de cuidar de crianças. Mulheres que valorizam e se sentem valorizadas por este trabalho fundamental. Pois, temos que concordar, nem toda mulher tem – nem é obrigada a ter – jeito para isso. Um psicanalista cunhou um termo ótimo para isto: há mães “suficientemente boas”. Precisam gostar de crianças, ser afetivas e generosas; ter bom senso e um equilíbrio emocional suficientemente bom.
Luciana: O que os pais devem observar na hora de escolher um cuidador do tipo creche-boutique?
Precisam conhecer minimamente a mulher e ver nela esse jeito especial para ser uma boa cuidadora. E precisam conhecer a casa. Um ambiente que, por qualquer razão, causa mal estar em quem chega, não é um bom sinal em termos de equilíbrio emocional do dono da casa. Não estou falando de decoração, mas de um ambiente pesado, triste, árido, ou caótico, esquisito, excessivo. Enfim, um ambiente dissonante em termos do que seria de se esperar dentro de uma cultura deve ser evitado.
Luciana: Pensando como psicanalista, quais são as implicações no desenvolvimento infantil que esse tipo de cuidado gera?
Marion: Do ponto de vista psicanalítico vejo muitas vantagens.
Quando uma pessoa, babá ou avó, não fazem mais nada da vida além de estar com a criança o dia inteiro, pode se criar uma dependência recíproca intensa. Explico:
A cuidadora pode transformar aquela criança no centro e na razão da sua existência, o que, do ponto de vista emocional, é um peso para a criança. Esse risco se dilui quando há várias crianças a serem cuidadas, e quando a cuidadora sabe que, a partir das 16 horas, as crianças vão embora e ela vai cuidar da própria vida.
A criança, por sua vez, tem a oportunidade de ficar “sozinha” na presença da cuidadora, já que ela tem outras crianças para cuidar. Ora ela é o foco da atenção carinhosa, ora ela está num espaço mais periférico da atenção da cuidadora. Isso é muito bom, porque ela pode desenvolver seus próprios recursos internos, e sua criatividade, para brincar sozinha, em vez de depender inteiramente da iniciativa da cuidadora. Enfim, a criança não sofre pelo excesso de estimulação, inevitável quando uma pessoa está inteiramente à disposição do bebê.
A estabilidade de um vínculo amoroso, pessoal e confiável, sem ser excessivo nem intrusivo, é da maior importância para os bebês. Com a rotina da creche-boutique se evita o entra e sai de babás e o sentimento de descontinuidade que isso gera no bebê.
As mães, que em geral são vizinhas, acabam formando uma pequena comunidade, amparando-se reciprocamente. E os bebês também vão descobrindo que não são o centro do mundo, e que isso é bom.
*Aproveito para falar do novo livro da Marion Minerbo, Transferência e contratransferência, que acaba de ser lançado pela Casa do Psicólogo. É um livro escrito em linguagem clara e simples, sem jargões, baseado nos cursos que ela têm dado na Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.
A ideia parece excelente. E sei, por intermédio da minha diarista, que esse esquema já funciona há muito tempo na periferia, com famílias pobres. Mas acho que, para a maioria dos pais, haveria um “probleminha” quanto a pegar o filho às 4 da tarde… Pense bem: que profissional para de trabalhar nesse horário? E que dizer do tempo que ele fai perder no trânsito até conseguir chegar à casa da cuidadora?
A Mariom trouxe uma ideia bem legal. Agora para desenvolver um negóçio, mesmo que informal, os interessados devem se debruças sobre todos os tipos de problemas e soluçoes.
Na Alemanha esta mulheres – e homens! – se chamam Tagesmüttern / Tagesväter. É uma profissão organizada, com associações profissionais e tudo. É necessário um curso específico para exercê-la, que inclui primeiros socorros. Estas pessoas têm horários de trabalho flexíveis, podem cuidar, na casa dos pais (como uma babá) ou na sua própria casa, de uma ou mais crianças. São disputadas.
É sim uma ideia muito legal que poderia ser copiada no Brasil… com certeza há demanda dos dois lados: pessoas com disposição e pais necessitados!