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por Luciana Saddi

Perfil Luciana Saddi é psicanalista e escritora

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Adoção – Entrevista

Por Luciana Saddi
25/02/13 09:21

A adoção é uma experiência universal, ocorre em todas as culturas, desde sempre. Também é uma enorme zona de preconceito, para melhor compreensão dos fatores envolvidos na adoção convidei, Gina Khafif Levinzon, para uma conversa. Ela é psicanalista, doutora em Psicologia Clínica, membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, professora do curso de especialização em Psicoterapia Psicanalítica – USP e autora dos livros: “A Criança Adotiva na Psicoterapia Psicanalítica (ed. Escuta) e “Adoção” (ed. Casa do Psicólogo).                                                  

Luciana: Qual a diferença, se é que existe, entre um processo de filiação e um de adoção?

Gina: A adoção é um tipo de filiação na qual não há um vínculo consanguíneo entre seus membros. A palavra “adotar” provém do latim “adoptare”, que significa considerar, cuidar, escolher. Ela permite que pais e filhos possam ter um elo permanente e sólido, assim como nas ligações em que há uma continuidade biológica. Nesse sentido, podemos dizer que não há diferenças entre a filiação biológica e a adotiva, pois ambas atendem às necessidades básicas tanto dos pais quanto dos filhos.  

Por outro lado há características peculiares às famílias adotivas que se destacam, como o fato de haver entre a criança e os pais adotivos uma história anterior da criança com seus progenitores.  As repercussões deste fato variam de família para a família, e dependem das condições em que se deu a adoção assim como da forma de pais e filhos lidarem com seus sentimentos.

Luciana: Frequentemente, quando um problema ocorre com uma criança adotada há uma resposta pronta: é porque ele é adotado. Como é que a adoção se torna uma zona de preconceito?

Gina: Encontramos com frequência o preconceito de que a criança adotiva “sempre dará problemas”. O fato de ela não ter sido criada pelos seus pais biológicos faz com que ela seja vista como alguém “especial”, “diferente”. Há uma crença social de que o elo de sangue é preponderante na formação de uma família. Ele faz com que as pessoas se sintam parecidas, provenientes da mesma origem. O “diferente” muitas vezes é visto como ruim, ameaçador, estranho.

Ao mesmo tempo, existe uma percepção de que as quebras na continuidade do ambiente familiar de uma criança podem estar associadas a traumas e deixam sequelas que resultam em distúrbios e dificuldades de adaptação.  

Não há estudos conclusivos que mostrem que crianças adotivas apresentam mais distúrbios psicológicos do que as crianças que foram criadas pelos seus pais biológicos. A saúde psíquica de uma criança depende de vários fatores como as condições de abandono ou cuidado antes da adoção, a idade em que foi adotada, a motivação dos pais adotivos para a adoção, o clima familiar em que a criança passa a crescer, as angústias, medos e atitudes dos pais adotivos, as solicitações culturais.

É interessante observar que ser adotado não está apenas associado a uma ideia de que a pessoa terá mais problemas. A maioria dos super-heróis é adotada e eles são vistos como tendo poderes especiais, nesse caso para o bem…

Luciana: Por que alguns pais sentem tanto medo de contar aos filhos sobre a adoção?

Gina: Contar aos filhos sobre a adoção é um dos temas mais sensíveis e perturbadores para os pais adotivos. Alguns lidam com tranquilidade, enquanto outros sentem que poderão perder seus filhos quando estes souberem que havia outra mãe e outro pai em sua história. Nestes casos a falta de ligação biológica é sentida como uma ameaça constante e velada ao vínculo familiar. Imaginam que mesmo com todo o amor e cuidado que dão para o filho ele irá considerar os pais biológicos como “os verdadeiros pais”.

Ao mesmo tempo, olhar de frente para a história da adoção coloca os pais adotivos diante de sentimentos e angústias às vezes muito mal elaborados, como a questão da infertilidade, a experiência de abandono e rejeição da criança, as fantasias inconscientes de ter “tomado” o filho de outra pessoa, etc…

De forma geral, quando os pais estão tranquilos quanto ao processo de adoção, informar à criança de que ela é adotada se torna mais fácil. As reações adversas desta última, quando ocorrem, são devidas mais à angústia dos pais adotivos do que ao fato em si. O temor exacerbado dos pais adotivos pode estar ligado a dificuldades inconscientes relativas ao processo de adoção, projetadas no filho.

Luciana: Por que a resistência de algumas crianças em saber sobre a própria adoção, resistência que algumas vezes se torna negação?

Gina: Podemos dizer que a curiosidade dá uma medida de saúde psíquica. Perguntar, investigar, não só amplia conhecimentos como proporciona a formação de um sentimento mais sólido de identidade. Alguns filhos adotivos, no entanto, apresentam muita dificuldade em investigar sua origem. Sentem que são “diferentes”, o que está associado a uma visão pejorativa de si mesmos.

Saber de sua história de adoção é tocar em pontos sensíveis como o luto pela perda dos progenitores e o sentimento de rejeição. Alguns elaboram uma fantasia inconsciente de que foram abandonados “porque não eram bons” ou porque “eram muito destrutivos e perigosos”. Outros temem que os pais adotivos se magoem caso iniciem uma investigação sobre sua origem. Sentem-se curiosos, mas bloqueiam esta curiosidade em função disso. É comum nestes casos que os pais adotivos apresentem de fato uma dificuldade em tocar neste assunto, mesmo que não percebam este bloqueio.

É comum encontrarmos dificuldades escolares em crianças adotivas que reprimem intensamente o contato com sua história de vida e seus sentimentos. Se não podem pesquisar, também não podem aprender…

Luciana: É verdade haver um fantasma inconsciente de rejeição na criança adotada? Esse fantasma contribui para que tipo de comportamento?

Gina: Não se pode fazer uma regra geral sobre os sentimentos da criança adotada, afinal ela é uma criança como todas as outras. Por outro lado encontramos casos de crianças que apresentam intensos sentimentos de rejeição, que são devidos não só à sua história de abandono ou separação dos pais biológicos, como também ao seu relacionamento com os pais adotivos. Estes últimos podem rejeitar a criança, sem perceber conscientemente que o fazem, pelas diferenças que ela apresenta a eles ou pela frustração de não ter podido procriar um filho. 

Para lidar com o sentimento de rejeição a criança pode desenvolver comportamentos diversos, dependendo do grau de estabilidade de seu mundo psíquico. Ela pode, por exemplo,  recorrer a comportamentos provocativos, antissociais, ou pode reprimir sua espontaneidade tentando ser uma “criança boazinha” para agradar ao ambiente e garantir sua adoção.

Luciana: Quais fantasias são mais comuns na família que adota? E como essas fantasias interferem no comportamento da criança?

Gina: Ao decidirem ter um filho, os pais se veem diante da tarefa de adaptar “a criança imaginada” à “criança real”. No caso de uma filiação adotiva, essa adaptação é mais laboriosa, porque há um longo caminho até que a criança chegue a eles. Já de início, entre os pais adotivos e a criança há outro casal de pais, os biológicos e uma história que pode incluir outras pessoas como funcionários de abrigos, pessoas intermediárias, etc… Frequentemente há diferenças físicas e culturais importantes, com as quais precisam lidar.

Os pais se perguntam como será o futuro de seu filho. Alguns se tornam muito exigentes com ele, tentando contrabalançar o sentimento de que “ele é diferente ou inferior por ser adotado”. O excesso de expectativa em relação ao filho pode criar sérios problemas no estabelecimento de sua autoestima. Nestes casos ele sente que nunca está à altura do que esperam dele.

Encontramos em certas pessoas as chamadas “fantasias de roubo”: embora a adoção tenha corrido pelos meios legais, os pais sentem como se tivessem roubado a criança de outros pais que poderiam aparecer para reclamar o filho e tê-lo de volta. Essas fantasias correspondem a fantasias inconscientes infantis de “roubar os bebês da mamãe” e de tomar o seu lugar, normais até certo ponto, mas que nestas pessoas foram mal elaboradas.

O medo de perder o filho, quando exacerbado, representa um entrave importante na sua criação. Os pais podem não dar à criança os limites necessários para sua educação em função do medo de que ela os odeie e os abandone no futuro, com sérios prejuízos à formação desta última. Eles podem também incrementar nela a angústia de separação, dificultando os vínculos, inclusive amorosos, que ela estabelecerá no futuro.

Em certas situações os pais procuram substituir um filho perdido por uma criança adotada, o que pode acarretar sérios problemas de identidade nesta última. Ela passa a sentir que seu lugar no mundo é o de outra pessoa com quem ela teria que se identificar, e não o espaço para que ela possa ser ela mesma.

Luciana: Mito ou verdade que a criança adotada é muito mais provocativa e mais mal comportada que o filho biológico?

Gina: Mito. Tanto crianças biológicas quanto adotadas podem ser provocativas e mal comportadas. Isso vai depender das condições em que elas foram criadas. Além disso, o sentimento de orfandade não depende apenas de uma vinculação genética. Há filhos que vivem com os pais biológicos e se sentem mais abandonados do que outros que foram adotados e estão tendo suas necessidades básicas atendidas de forma satisfatória.

Luciana: O que é fundamental dizer para os pais que adotaram um filho?

Gina: É importante que os pais adotivos se preparem de forma adequada para a adoção. Eles precisam ter examinado e elaborado suficientemente os motivos que os levaram a adotar uma criança.

Necessitam ainda ser informados sobre as peculiaridades do mundo psíquico da criança adotiva e ajustar suas expectativas à realidade. Se uma criança foi adotada tardiamente, por exemplo, e veio com uma história importante de abandono e de maus-tratos é muito provável que vá apresentar inicialmente dificuldades de concentração e de adaptação na escola. Poderá também fazer uma espécie de “teste de aceitação” com comportamentos provocativos, para verificar se sua adoção resiste à sua impulsividade.

Cada pessoa tem sua especificidade. Respeitar as características individuais de cada um abre lugar para a construção de um sentimento de identidade e de autoestima sólidos e positivos. A criança adotada, mais do que qualquer outra, se vê às voltas com a aquisição de um espaço no qual ela possa ser ela mesma ao mesmo tempo em que se adapta ao meio em que vive. Os pais devem estar atentos para que o fantasma de uma nova rejeição não impeça o processo de individuação. Para isto, respeitar e celebrar com sinceridade as características peculiares de seu filho é essencial.

O acompanhamento psicológico feito por profissionais capacitados permite um trabalho profilático, prevenindo em certa medida o desenvolvimento de problemas futuros. Quando os pais se sentem atendidos em suas dúvidas e angústias naturalmente apresentam mais condições para lidar com os desafios de criar o seu filho. Afinal, precisamos todos nos sentir “adotados de fato”…

 

 

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