Hipocondria e outros coitados
06/02/13 10:07Internauta: Gostaria de entender porque as pessoas sentem prazer em ficar doentes. Já percebi isso na forma como elas falam do diagnóstico dado pelo médico. Pode me indicar algum artigo ou bibliografia sobre o assunto?
Luciana: sua mãe lhe dava mais atenção, cuidava melhor ou se dedicava mais quando você estava doente? Em situações de regressão narcísica como é a da doença, algumas pessoas se permitem usufruir de prazeres especiais, prazeres não consentidos na normalidade.
Doença rima com atenção, cuidado, mimo e, principalmente, com se sentir numa posição especial. Muitos gostam de ser coitadinhos. Os coitados não precisam se responsabilizar por nada nem por eles! Tira-se um enorme fardo dos ombros de alguém que não aguenta ser adulto. Por isso o estranho gozo observado na face dos hipocondríacos. Freud circunscreveu a hipocondria no campo das neuroses narcísicas, que depois se tornou o campo das psicoses – pessoas que se concentram nelas mesmas, nos seus funcionamentos físicos, no próprio relógio biológico, em suas dores e medos. Estão à beira da morte e para um moribundo tudo pode.
O médico passa a ocupar um lugar privilegiado, e é possível ocorrer uma relação especial, na fantasia ou não, entre o doente e o doutor – algo que remete ao íntimo ou incestuoso.
Há ainda outro ganho em ficar doente: a neurose de destino. Alguns acreditam que a qualquer momento a vida lhes dará uma rasteira. Vivem com medo de que um dia perderão tudo, quando a notícia de uma doença se impõe há alivio, pois essa fantasia alimentada há tanto tempo se concretiza, deixa de ser uma expectativa de ruina.
Outros são eternos guerreiros, me lembrei de um parente que sofreu ao longo de 10 anos várias doenças, cirurgias e condições graves, após cada episódio de internação voltava se gabando da superação da morte. Ele sentia enorme gozo, parecia querer mais e mais daquilo tudo. Haja onipotência! Algumas vezes é preciso tirar prazer do sofrimento para suportá-lo.
Um homem com uma dor
um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegasse atrasado
andasse mais adiante
carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares
ou coisa que os valha
ópios édens analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer, vai ser minha última obra
Aurea Rampazzo, coordenadora das oficinas de criação literária do Museu Lasar Segall, escolheu o poema para essa pergunta/resposta.
Dica: Sobre o narcisismo: uma introdução, O Problema econômico do masoquismo – ambos os artigos de Sigmund Freud.
Sem apelar para o sentido religioso do termo, o sofrimento gera muitas tentações. Talvez a maior delas seja a tentação de entregar seu destino às mãos de familiares, médicos, pastores ou padres, responsabilizando-os pelo sucesso ou fracasso de tratamentos, remédios, terapias e conselhos.
E ainda mais, obrigando-os a carregarem consigo a dúvida culposa: “Fizemos mesmo tudo o que podíamos por ele?”
Estou me tratando de um câncer, tenho boas perspectivas de cura, mas não atribuo a ninguém responsabilidade pela minha doença, nem sobrecarrego parentes e médicos com responsabilidades ou culpas. Se ficar curado, vou comemorar com todos eles, mas se vier a morrer, assim seja.
Faço a minha parte, eles me dão o suporte possível. É bom ter carinho nas horas difíceis, mas se alguém não pode vir, ou esquecer de telefonar, tudo bem.
Nem eu, nem ninguém precisa sofrer mais do que o inevitável e todos devemos buscar a alegria que for possível, nas circunstâncias de cada um.
Esse tema é muito interessante. No entanto, no primeiro parágrafo, fica-se com a impressão que a pessoa “escolhe” ser hipocondríaca por causa dos ganhos secundários. Aquele ! é extremamente desnecessário. Todos sabemos que o aparelho psíquico sofre influência do inconsciente, ninguém escolhe ter uma neurose X ou psicose Y. E autora não deixou isso claro. Parecia que estava dando uma bronca em uma “criança que faz birra” e não é esse o papel de uma psicanalista, mas sim de esclarecer.