Depressão e refúgio autístico
30/01/13 12:23Pergunta: meu filho de 20 anos não se interessa por nada, não estuda e só sai da cama as quatro da tarde. Já bateu o carro duas vezes, guia feito um louco e não percebe. Creio que fuma maconha diariamente. Ele tem uma namorada, uma relação muito intensa e que já dura bastante tempo. Sei que não está bem, mas quando lhe proponho fazer terapia ele se recusa. Minha mulher e mãe dele não aguenta mais essa situação e quer expulsá-lo de casa. O que fazer?
Luciana: é muito difícil levar alguém a se tratar psicologicamente. Se fosse uma doença física seria menos complicado. Transformações no corpo seguidas de dor geram medo, o que move o sujeito em busca de médico. O medo e a dor são importantes aliados na adesão a qualquer tratamento.
Há mecanismos mentais que encobrem sofrimento e dispersam a angústia. Quando se trata de dor psíquica os mais necessitados são os que menos percebem o próprio estado de ruína mental. Esse é um dos paradoxos de meu ofício. Quem mais precisa de análise não se trata, se defende, projeta, nega, se torna arrogante e prepotente – não aceita ajuda nem reconhece haver um mundo mental interno. Faz os outros sofrerem e sequer nota as próprias emoções e afetos. Quem tem boa dose de saúde mental está apto a perceber a importância de enfrentar o sofrimento numa análise.
É possível que seu filho esteja abusando das drogas. Cada um reage a elas de diferentes maneiras, para alguns agrava ou dispara sintomas. É possível que ele tenha regredido para uma posição “meio autista” na vida – é uma reação frequente diante da pressão do crescimento. Ele era assim na infância? Fechado, brincava sozinho, quieto, evitava compartilhar emoções e fazer relações? Não sei se há uma fobia intensa encoberta pela defesa do isolamento. Não sei se há uma negação de angústia de separação no intenso grude com a namorada. Penso que se trata de defesas autísticas num quadro de depressão.
Para levar alguém a se tratar é fundamental despertar angústia, dor e medo – sem terrorismo. Ele é seu filho. Você pode lhe contar sobre suas aflições com a situação que observa. Pode lhe pedir ajuda para entender o que acontece com ele. Pode obrigá-lo a ir ao psiquiatra. Leve-o pela mão, ele não consegue ir por conta própria. Frequente com ele sessões de terapia de família até que o garoto possa sentir a preocupação que você sente por ele. São estratégias para despertar a consciência. Não custa tentar. Caso não resultem em nada peça ajuda para um analista que poderá orientá-lo com mais conhecimento de causa.
Jogando pedras
Por vezes, desarrazoado, vem o impulso
de me lançar da cadeira,
pular da ponte,
cair do galho
carregando pedra.
E meticulosamente largar esse inferno,
pisar outra lua
ir para o céu. Meter os pés no céu.
Os dois pés!
Inês Monguilhott (do livro inédito “De Mim”)
Aurea Rampazzo, coordenadora das oficinas de criação literária do Museu Lasar Segall, escolheu o poema para essa pergunta/resposta.
Dica: Filme, Esplendor da primavera, de Elia Kazan. Um dos mais lindos filmes da história do cinema. Trata-se de uma paixão impedida que leva um casal de jovens a separação. Ela diante da enorme dor e loucura irá fazer análise. Ele se refugiará na bebida e numa vidinha cheia de trabalho braçal. A depressão é aliada da covardia. Coragem pode rimar com decepção e fracasso, mesmo assim, significa: força inerente ao desejar.
Duas dicas de quem já passou por isso na situação de filho e hoje tem idade de pai. Primeira: seu filho já é afeito a drogas e não está bem. O que você acha que vai acontecer se chutá-lo de casa? Ele vai buscar conforto no que já conhece. Muito álcool e provavelmente drogas mais pesadas vão tomar conta e ele estará definitivamente perdido. Expulsá-lo de casa é certamente matá-lo. Segunda: a relação dele não vai durar. Digo, pode até durar mais, mas não vai dar em nada de bom, porque já é doente. A não ser que a namorada seja uma completa santa (o que, convenhamos, é das coisas mais raras deste mundo), ela vai sumir dele e a situação dele não vai ser boa. Minha dica nesse caso é, esteja ao lado dele pra dar suporte de verdade quando isso acontecer. VAI acontecer e ele vai precisar de alguém firme, e não por duas semanas, mas por bem mais tempo. Finalmente, um ponto pra você pensar: você teve o filho. Não é pra achar lindo quando ele é bebê, é pra vida toda. É pra encarar os problemas sérios que se tem na vida adulta também, não pra chutar de casa. Ele conta com vocês, e não é porque passou de uma aleatória idade-limite de 18 anos (ou qualquer outra que se imaginar) que está magicamente em condições de tocar a vida. Isso não existe. Teve o filho? É responsabilidade pra muito tempo e não é só alegria. Pelo contrário, pesa bastante, mas você escolheu carregar.