A adolescência hoje – Entrevista
28/01/13 10:03A adolescência é um momento de crise. Pode ser vivida como um drama. Os temas centrais são sexualidade, transformações corporais e a conquista da autonomia e da identidade. Mas, facilmente pode se transformar numa tragédia repleta de turbulência emocional e de transgressão. Convidei Celina Anhaia Mello, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, para uma conversa sobre a adolescência hoje.
Luciana: Há quanto tempo é analista de adolescentes?
Celina: Atendo crianças adolescentes e adultos há mais de trinta anos, minha clínica não se restringe ao atendimento de adolescentes, mas diria que os temas característicos da problemática adolescente, com todas as suas características de trangressão, busca de identidade, alteridade, aceitação corporal tem se tornado cada vez mais presente em todas as faixas etárias.
Luciana: O que mudou nessa trajetória e o que permanece imutável?
Celina: Diria que o tempo da adolescência se alargou. Tenho observado crianças por volta dos sete, oito anos de idade já vivendo conflitos e ansiedades inerentes a uma etapa posterior – “pulando”, por assim dizer, o período de latência caracterizada por ser uma etapa de preparo, de certa calmaria que prenuncia a turbulência do adolescer. Crianças fora de seu tempo de infância vivendo uma adolescência antecipada, sendo chamadas a uma participação social que difere da vida infantil onde a fantasia, o pensamento mágico e o lúdico deveriam predominar.
Desse modo se exterioriza uma precocidade do conflito adolescente provocando, muitas vezes, uma infelicidade nas crianças por não terem estrutura para responder a estes conflitos, mimetizando então o adulto. A infância, como período necessário de treino para o viver tende a se esgarçar em nossos tempos. Por outro lado, e talvez até como consequência deste salto sem preparo para o viver, os conflitos adolescentes perduram, se alongam, invadindo a vida adulta.
Luciana: Como descrever a adolescência?
Celina: A adolescência se caracteriza por ser este momento de passagem, de perda de um corpo infantil, de busca de uma identidade, de escolha sexual, de inserção em um mundo que se apresenta com novas exigências internas e externas. Um momento de vida turbulento e de características específicas, uma fase caótica de comportamentos estranhos que beiram muitas vezes a patologia, uma etapa crucial na história da estruturação da mente. Podemos considerar o adolescer como um segundo nascimento.
Para efetuar esta passagem o adolescente, que ainda não conta com a possibilidade de resolver simbolicamente muitas das equações vitais necessárias, recorre a experiência do fazer. O adolescente quando atua busca conhecer, aprender com a experiência. Privar-se desta experimentação pode causar sérias inibições na vida adulta, ou na vida adulta buscará fazê-las. Muitas vezes os adultos que se privaram destas vivências se sentem desamparados e buscam na análise uma chance de reviver as experiências perdidas. Enfrentar e viver estes desafios, inerentes ao adolescer, torna esta etapa de vida tão assustadora para os jovens e para os adultos ao seu redor. É nesse momento, de busca de um novo sentido para a vida, que podem ocorrer problemas e esta passagem reverter-se em graves patologias tais como depressão, suicídio, tóxico-dependências, anorexia, bulimia dentre outros.
Luciana: No que as meninas diferem dos meninos?
Celina: Os aspectos biológicos obviamente os diferenciam, por exemplo, as meninas tem que enfrentar o surgimento dos ciclos menstruais que representam a possibilidade de um vir a ser mãe, enquanto que os meninos se deparam com o aspecto muscular, a força, a potência, onde a primazia do fazer emerge mais fortemente. Como consequência destas mudanças corporais, as meninas se deparam mais com a interioridade e os meninos com o mundo externo. Em ambos a vivência é de um corpo que se transforma tornando-se constantemente desconhecido e incômodo. Ambos terão que encontrar formas de aceitação do próprio corpo, da sexualidade e identidade criando um espaço mental que dê sentido a este corpo emergente. Nos dias de hoje a ênfase colocada na aparência corporal, o culto ao corpo, tomou tamanha proporção, que torna este processo ainda mais penoso e passível de surgimento de sérios transtornos.
Luciana: Poderia nos contar por quais dramas, tragédias e comédias seus pacientes adolescentes passam?
Celina: São inúmeras as histórias que surgem na sala de análise, muitas divertidas, muitas assustadoras, que nos colocam em uma posição complicada onde, tal como os adolescentes, temos que nos inventar a todo instante e construir uma maneira própria e original de abordagem, buscando ser continente com firmeza e apontando os riscos sem nos apavorar.
Nesta tarefa de construir a si mesmos estão sempre as voltas com angústias profundas em relação ao binômio potência-impotência, ilusão-desilusão, identificação sexual, assunção da realidade. Os dramas relativos a aparência física, aos envolvimentos amorosos, ser BV, BVL (virgem de beijo e de beijo de língua), aceitação no grupo, fazer parte dos “populares”, as experimentações com álcool, drogas, mentiras inventadas para os pais enfim, inúmeras situações curiosas que por razões de sigilo não posso relatar.
O sono intenso e a necessidade de se refugiar no quarto em busca de um espaço de privacidade possível foram definidos com perfeição por um menino que atendo: “Vou pedir minha cama em casamento”.
Luciana: Qual é a melhor posição, se é que existe, para os pais de adolescentes?
Celina: Saber que esta etapa é necessária e crucial para o desenvolvimento de seus filhos e que precisa ser vivida em sua plenitude pode ajudar a enfrentar a ansiedade e o desconforto dos pais.
Os adolescentes vão desempenhar seu papel contestador e de rebeldia, enquanto aos os pais caberá colocar seus limites e estabelecer as regras, buscando flexibilidade e negociação dentro do que for possível. Ambos, pais e filhos terão de enfrentar este embate inevitável que, tanto melhor, se vivido num clima de compreensão.
Foi falado em adolescência antecipada, mas até quando vai a adolescência? Vejo a minha filha, com mais de 20 anos, e filhos de conhecidos, que estão com idades a partir de 18 anos, com atitudes e reações que parecem estar ainda na adolescência.
sim, de um lado antecipada, como afirmou a Dra. Celina, mas, ela também afirmou que, do outro lado, há uma prorrogacao ad eternum da adolescencia! que parece nunca terminar, ou seja, o periodo aumentou demais! Na minha opiniao é uma questao de mercado, vende-se mais produtos assim!!!