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por Luciana Saddi

Perfil Luciana Saddi é psicanalista e escritora

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ARRASO

Por Luciana Saddi
20/11/12 10:45

Ela o encontrou por volta das sete da manhã, quando fazia cooper no parque. Ele estava passeando com o cachorro. Não podia deixar de atrair olhares femininos; alto, não mais de trinta, rosto anguloso, cabelos pretos, olhos claros. O verde azulado dos olhos com o antracito dos cabelos era de matar. Matou-a. Tinha tudo a seu favor. Corpo de atleta, mas de atleta simpático, daqueles que não precisam exagerar para criar um tipo. Ela odiava homens que de tanto malhar pareciam ter glúteos no peito e tinham andar arqueado por coxas hipertrofiadas. Ele andava leve, relaxado, seguro. Um homem, sem dúvida, mas que deixava sutilmente a sua parte feminina aflorar. O pouco de barriga que tinha o tornou definitivamente adorável. Um aconchego natural para o consolo da mulher, também uma fissura, uma fraqueza salutar. É que nenhum relacionamento sobrevive à perfeição; e esse toque de imperfeição plástica completava o charme. Assim era perfeito. Era sedutor, naturalmente. Naturalmente foi chegando. Ela, cativada, foi segurando. O jogo já estava decidido.

Às oito horas tomaram café juntos. Cada um contou a sua vida. Ele falava sem reticência, sem esse estúpido pudor masculino que torna os homens insondáveis, porque são incapazes de abrir suas almas. Ele, ao contrário, parecia à vontade, sem máscara, sem segredo guardado as sete chaves. Ficou seduzida. Era publicitário. Havia criado aquela campanha de combate ao trabalho infantil, que ela achara bárbara. Ficou fascinada. Nem reparou o quanto ele falava bem mais do que ela e que pouco perguntava sobre ela. Ela viajava, os dedos mexendo sem cessar nos saquinhos de açúcar. Deixava os lábios na boca da xícara, umedecia a língua no café, esfregava os joelhos um contra o outro. Sucumbiu.

Às nove horas trocaram beijos e telefones e endereços e às dez, ela mudou-se para o apartamento dele.

Conheceram os respectivos pais uma hora antes da cerimônia, marcada ao meio dia. Em seguida embarcaram para a lua de mel na Itália. O filho nasceu na volta, às duas horas da tarde. A família encantada, subjugada, as amigas de infância com lágrimas de emoção, os amigos de quadra com abraços desajeitados, todos dando o seu “é a cara do pai”, ele com sorriso até, ela com coração no céu. O menino era mesmo a cara do pai, cabelos pretos, olhos verdes. Um arraso.

Pouco depois das seis, ele encontrou uma outra mulher, por acaso, na academia. Às seis e meia, já era “a outra”. Acaso da paixão, ocaso da rotina, às sete horas rompeu o casamento, foi embora. Levou o cachorro. Ela ficou com a casa nova e o filho. Arrasada. Derrubada. Aniquilada. Jurando morte ao infame, pedindo o inferno para a espécie masculina, acalentando-se nos braços do menino.

No dia seguinte, refeita, almoçou com uma velha amiga, de passagem na cidade. Mostrou uma foto do garoto. Já com sete anos, irradiava uma beleza incomum.

¾ Meu Deus, querida! Como é lindo o teu filho! Você vai ver, daqui a alguns anos, vai deixar mulheres loucas!

 

Sorriu, cheia de orgulho e de amor.

¾ Vai, sim. Vai arrasar muitos corações.

 

Arraso, é um dos contos do livro, Equívoco, de Jean-Michel Lartigue, que será lançado no dia 27 de novembro, às 19h, na Médiathèque da Aliança Francesa, rua General Jardim, 182 – 1º and.

 

 

 

 

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