Mulher gincana
12/11/12 11:10Ao observarmos a situação das mulheres nos últimos cinquenta anos, percebemos mudanças importantes que abalaram os fundamentos do que se conhecia como natureza feminina.
A cultura traça posições, deveres e características; designa o que é esperado da mulher. Tais referências, muitas vezes, se apresentam como normas de conduta e retratam seu papel social.
A mulher durante os séculos XVIII e XIX era considerada uma eterna doente. A medicina da época acreditava em sua fragilidade inata, por isso recomendava não comer carne, não tomar sol e apenas 1 banho por mês, após a menstruação. A mortalidade feminina se igualou à masculina, mesmo estando no período das guerras napoleônicas. Os preceitos sobre a saúde e bem-estar, em nome de proteger a mulher, a matavam.
No inicio do século XX as mulheres sofriam de um distúrbio psicológico chamado histeria, seus sintomas simulavam, de forma inconsciente, paralisias, desmaios e ataques apopléticos. A psicanálise percebeu haver nessa estranha sintomatologia um sofrimento psíquico e um mecanismo de repressão que incidia sobre a sexualidade.
O movimento feminista, que já se organizava, tratou de lutar pela emancipação das mulheres e, com certeza, as duas grandes guerras contribuíram para que fossem trabalhar fora de casa e para ocuparem o espaço público. O resultado foi a grande transformação do papel da mulher.
As necessidades sociais e históricas criam um corpo ideológico que se infiltra em nosso comportamento, nos manipula e nos aliena. Mudanças nos ideais sociais colaboram para o surgimento de novos sintomas.
Há alguns anos escutei a expressão, mulher-gincana. Designa um tipo de mulher que vive angustiada por não dar conta de realizar, com perfeição, os inúmeros papéis a atribuídos a ela. Ser excelente profissional, mãe dedicada e atenciosa, bonita, esportista, culta, saudável, sensual, boa dona de casa e cozinheira e ainda, feliz – tudo isso ao mesmo tempo.
A mulher-gincana revela um tipo de sofrimento causado pelas novas e inúmeras injunções sobre a mulher, que vive a mãe, a esposa e a profissional de forma estanque, como se fosse uma série de canais que, a um simples toque, muda para uma programação diferente.
O que está em jogo é o grau de exigência a que a mulher se submete numa cultura que valoriza o sucesso. A impossibilidade de sustentar, ao mesmo tempo, os vários eus e papéis sociais provoca inquietação e angústia.
Institui-se a hegemonia da aparência como modalidade do feminino: corpo, beleza e saúde. Um corpo em forma, quase sempre vivenciado como aquém do que deveria.
A mulher da Belle Époque vienense e parisiense adoecia – a histeria e seus estranhos sintomas era o que dela se esperava. A mulher de nossa cultura ocidental procura ficar admiravelmente saudável. Quanto mais se ocupa e realiza mais corre o risco de se dispersar e se consumir. Essa é a gincana. Seu destino é estar presa e agitada ao mesmo tempo.
Adorei esse artigo.
Vi o retrato da vida de minhas filhas, mães e profissionais estressadas.
Eu consegui fugir dessa persona, porque sou um tanto sonhadora, e uso um escapismo estratégico para me manter lúcida e tranquila.
Mas é isso mesmo, as jovens mulheres tem que abrir os olhos e ver pelo que, de fato, vale a pena morrer.
Muito bom.
Yara
Parabéns Yara. A vida é isso mesmo, priorizar o que nos faz bem e o que nos é prioridade. Não o que nos dizem ser.
Ainda hj (13/11/2012) conversei com duas amigas do Pilates sobre as sombrias décadas do passado: Para qualquer problema ginecológico, as mulheres tinham o útero e os ovários extraídos. Essas extirpações afirmavam os médicos – “São para o seu bem e para a sua saúde”.
A medicina medieval, no que se referia a saúde da mulher, usava apenas uma palavra: útero. Nao se falava em mulher, se falava apenas em utero e tudo girava em torno disso!!!!