Por que vítimas de abuso impõem os mesmos sofrimentos a outros?
11/09/12 11:19Um menino pequeno bastante medroso é levado pelos pais ao analista para fazer um psicodiagnóstico. No instante em que o garoto entra na sala de ludoterapia, o cachorro do analista escapa de onde estava preso e pula pela janela para a sala de atendimento – fazendo uma visita inesperada.
Menino e cachorro se olham, o primeiro paralisa amedrontado. O segundo se deita. O analista observa que o garoto aos poucos sai da paralisia total e lentamente vai se colocando na posição do cachorro. Barriga no chão, braços para frente e pernas ligeiramente dobradas, como se ele fosse o cachorro deitado. O garoto vai se encachorrando, até que a transformação em cão se complete com lambidas nas mãos.
O menino usou um recurso para lidar com seu medo. Ele se transformou no que temia. O lema é o seguinte: já que não se pode combater o inimigo, una-se a ele. É comum vermos nos desenhos animados essa mesma lógica. E também nos filmes de terror, quando depois de uma enorme matança, o único sobrevivente da história assume a posição do agressor, após exterminá-lo.
A identificação é um processo psicológico em que uma pessoa assimila um aspecto, propriedade ou atributo de alguém e se transforma total ou parcialmente naquilo que assimilou. Esse processo ocorre desde o nascimento. A personalidade se constitui e se diferencia por uma série de identificações com funções e até com a aparência de quem amamos e de quem cuida da gente.
A menina veste as roupas e o sapato da mãe e brinca de se maquiar como ela. O garoto procura o pai ou o avó e tem nessas figuras um modelo para ser homem.
Ao longo da vida somos influenciados por pessoas marcantes. O que comumente chamamos de influência, pode ser entendido como identificação. No entanto, não é frequente observarmos quem ou o que nos originou, não apenas porque o processo é contínuo e há inúmeras pessoas nessa cadeia, mas também porque aspectos e atributos são integrados em nosso jeito de ser de tal maneira que não é possível afirmar de quem herdamos o que.
Mas como então ocorre um processo de identificação com o agressor ou com aquilo que causa sentimentos ruins, até mesmo repugnantes? Quantas vítimas de abuso sexual ou de maus tratos não impõem os mesmos sofrimentos a outros?
Parece que a intensidade do traumatismo obriga o indivíduo a uma estranha forma de defesa. Sem se dar conta ele imita o que o agride, muda de time e passa para o time do vencedor pagando caro.
A identificação com o agressor permite que esse processo de assimilação de identidade seja melhor observado. Uma espécie de corpo estranho passa a atuar na vítima da agressão – contra ela mesma ou contra os outros.
Esse mecanismo ocorre com mais freqüência quando não há ajuda de adultos ou responsáveis para interromper as situações de agressão ou de abuso. E expõe uma série de ações repetitivas, que odiamos observar nos outros, mas que realizamos contra nós mesmo e contra quem amamos.
Olá Luciana, tudo bem?
Muito interessantes as sua observações. Eu poderia, de certa forma, afirmar que um indivíduo que apanhou dos pais na infância, por exemplo, devido a essa identificação relatada, faria o mesmo com os próprios filhos? Haveria alguma maneira pra acabar com isso? Existe um processo de ‘desidentificação’ que permitiria se livrar dos mal tratos e não repetir com os filhos? Um abraço
Luciana, é muito bom contar com um blog em que de maneira leve vamos entendendo a beleza e a complexidade humana. Gostaria de ver discutido aqui algo sobre pessoas que não se interessam por sexo. Obrigada
Luciana, muito bom seu blog. Uma maneira leve de pensar a beleza e a complexidade humana. Gostaria de ler algo sobre pessoas que não gostam de sexo. Obrigada
nao conheco livros especificos sobre o assunto, mas vou dar uma resposta no blog, minha visao do tema, serve?