A arte de viver: um forma singular de levar a vida
09/08/12 15:36Essa pergunta/resposta foi publicada na revista da Folha no início de 2010.
Leitor: Sou casado, tenho três filhos, ela também é, e tem um filho. Não conheço sua família, ela não conhece a minha. Há mais de dez anos nos encontramos duas vezes por mês, na maior discrição. Somos felizes nesses encontros, mas amamos nossa família. Entendemos que se os nossos conjugues não souberem, não os estaremos magoando. Estamos errados?
Luciana: A Psicanálise não é um saber normativo, sua função é procurar revelar o que sustenta uma situação, um comportamento ou convenção social. Portanto, não estou na posição de julgar. Percebo um desagradável sentimento de culpa permeando sua pergunta. Você busca alívio. Pretende ser absolvido por uma autoridade cientifica. Quer que eu te ajude a se livrar do peso da culpa?
Nem o casamento nem a amante e nem os dois ao mesmo tempo, nenhuma posição é suficientemente satisfatória. E, renunciar a qualquer delas gera dor.
Acho que encontrou um jeito de aguentar seu cotidiano. Não é possível saber como seria não ter a amante, talvez tudo ficasse pior. É que muitos precisam de uma espécie de câmara secreta, nem que seja em fantasia, para fazer frente à realidade, por isso, alguns amores entram em combustão instantânea no contato com o oxigênio.
Esses encontros dão algum equilíbrio e prazer, mas, você não se sente livre para bancá-los – está dividido. Transgredir é gostoso, mas nem sempre faz bem. A arte de viver implica em encontrar uma forma singular de levar a vida. Mas, somente você poderá se autorizar a viver da forma como vem fazendo, é a sua pele que está em jogo.
Dica: Hollywood sempre pune os amantes, portanto recomendo o filme, Poucas Cinzas, de Paul Morrison (Inglaterra e Espanha), que apresenta a suposta ligação amorosa entre o pintor Salvador Dalí (1904-1989) e o poeta Federico García Lorca (1898-1936) na tumultuada Madri dos anos 20. Nunca é fácil assumir o próprio desejo, principalmente quando contraria o senso comum e desperta o preconceito – paga-se um alto preço. Fugir do que sentimos, custa mais caro ainda.
faltou a costumeira e ótima dica do livro relacionado a questão. please!
logo, logo, prometo!
Todos precisamos de transgressão na vida, pois dela tiramos a adrenalidade que nos mantém vivos. Acho que por isso tantos recorrem as drogas e bebidas, como descrito em um post anterior deste mesmo blog.
Nao acho que seja os amantes que Hollywood pune, mas sim a traicao…
Deve haver alguma raiz emocional muito profunda para essa dor, tao grande, tao dilacerante, tao mortal que eh a traicao do ser amado.
Veja, se pensarmos racionalmente… transar com outra mulher nao arranca pedaco, o tempo que ele dedica a ela nao eh tao grande a ponto de prejudicar sua familia (tanto que a mulher nem percebeu *ainda*) ou seja, fala a verdade gente, racionalmente, existiria algum problema em ter amante ??
acho que vc tem razao, pune-se a traicao e também a luxuria!
Julia V, se a pessoa realmente acredita que não está causando mal algum a ninguém (“racionalmente”), não haveria necessidade de fazer o ato de forma escondida.
O problema da traição não é sentir o desejo por mais de uma pessoa (que, concordo, pode ser explicado racionalmente sem problemas), é a ESCOLHA de realizar esse desejo de forma escondida após assumir um compromisso monogâmico com outra pessoa que não, talvez, não tenha os mesmos desejos.
Creio ser importante não confundir nessas discussões duas coisas distintas: (1) a traição em si (uma ESCOLHA que resulta em quebra de confiança); e (2) a possibilidade de vivermos relacionamentos abertos/poligâmicos (o que, e nesse ponto creio que concordamos, parece-me totalmente natural para os que assim escolham).
O cuidado que faço é para não generalizarmos sentimentos e desejos com base numa “racionalidade universal”. O que não te machuca pode machucar outra pessoa (a sua Razão pode ser diferente da Razão do outro).
Por isso acredito que a transparência total é o caminho mais justo para que, pelo menos, todos os atores envolvidos tenham a possibilidade de fazerem suas escolhas sabendo dos fatos.
Esconder algo de outra pessoa após assumir um compromisso de confiança (e trair é EXATAMENTE isso) é se achar o dono da verdade, é supor que sabemos com certeza o que o outro deseja ou sente. Algo bastante injusto a meu ver.
Tiago, bela colocacao! Uma ressalva: a transgressao é muito excitante para várias pessoas. A transgressao, como diria Bataille, revela as interdicoes também. Nao exite Cultura sem interdicao. Muitos, muitos mesmo, jogos amorosos ocorrem sob a égide da transgressao. Nao haveria tanta graca, para alguns, se tudo fosse permitido!Cada um de nós é uma categoria e cada um assume o que consegue – nossa economia psiquica é muito delicada e esquisita.
Tiago, concordo com suas colocacoes – eu mesma sou monogamica e ai de quem vier meter a colher no meu mingau – entretanto nao consigo nao me comover com o ser humano, no seu debate pulsátil e ao mesmo tempo pusilânime por AMOR e SEXO. Hoje vi na tv aquele filme “Tudo bem no ano que vem” de 1979 – filme lindo e bem humorado, onde duas pessoas casadas se encontram por mais de 25 anos (o leitor esta quase igual a eles). Aquilo nao eh amor ??
Nos debatemos e lutamos contra nossos desejos, a favor de nossos desejos, na corrente deles, nadando contra a corrente… fazemos o que podemos.
Nao sei se isso que o leitor faz com amante e esposa e sua familia eh moral ou nao… soh sei que “o pulso ainda pulsa”.
Sabedoria popular raramente falha:
“Quem não pode com mandinga,
não carrega patuá”
eu gosto de uma mais suja: passarinho que come pedra sabe o cú que tem!
Há um filme frances, maravilhoso chamado Uma Relação Pornográfica: um casal se conhece por meio de um anúncio, encontra-se em um café e vai para um hotel. Eles passam a se encontrar toda semana, até que descobrem que começam a se apaixonar um pelo outro. Exatamente o que não tem no filme é pornografia. Dessa forma, o titulo torna-se bastatante enigmático. Escrevi sobre o filme e pensei que o que seria pornográfico não seria justamente uma relação sem amor, um casamento que se mantém por outros motivos que não o amor? O filme é complexo, a temática complicada, justamente porque coloca possibilidades fora dos padrões habituais. Vale ver.
também vi esse filme. Pensei que eles se defendiam do amor, que é muito mais complicado e assustador do que o sexo. No filme há uma fantasia sexual compartilhada pelos personagens, foi o que os uniu, a gente nao fica sabendo qual é. Eles nao aguentam ou nao querem ultrapassar o que os uniu, o sexo!