O carro e a cidade: curar ou sarar?
11/07/12 10:08Nossa relação com os carros e com as leis de trânsito é complexa. Entram em jogo fatores como ódio à autoridade, agressão, potência sexual, impulsividade, rivalidade, sensações difusas de perda, pressão e até claustrofobia.
Alguns guiam da mesma forma que vivem, equilibrada ou loucamente. Outros se transformam em seres bárbaros só em ocasiões propícias, quando se sentem fortes e protegidos. Um sujeito aparentemente pacato pode virar um ogro ao dirigir. Uma mocinha delicada pode se tornar uma grossa que xinga, grita e fecha outros motoristas; uma pessoa equilibrada pode se tornar uma ditadora de lições de moral no trânsito. O carro, nesses casos, funciona como escudo protetor e arma.
O ritmo lento do tráfego e a forma quase caótica de organização do trânsito causam ansiedade e angústia. A falta de punição e de condições apropriadas para o transporte é perniciosa ao cidadão e à comunidade. As autoridades despeitam os cidadãos quando não oferecem alternativas viáveis e, minimamente, confortáveis para a locomoção diária. A impotência sentida todos os dias nos meios de transporte público e nas ruas de São Paulo contribue para o sentimento de abandono e revolta. Quando a lei não vigora e a ordem é injusta, cresce o “salve-se quem puder”.
A crescente onda de atropelamentos e acidentes envolvendo ciclistas e pedestres em São Paulo não pode ser considerada um fato isolado e, apenas, dependente da personalidade de seus principais agentes. Há que considerar também as condições sociais de produção desse tipo de crime: um produto multifatorial em que a organização do psiquismo e as características da sociedade e das cidades se entrelaçam. A cidade contemporânea se tornou um lugar de passagem, sem passagem. Perdeu a vocação de lugar de encontro e proteção.
Sessenta anos de propaganda sobre os benefícios do automóvel, sobre o status que ele confere e sobre a necessidade vital de se ter um não passam impunemente. Nos acostumamos à ditadura do carro, acreditamos que esse modelo de transporte era único, por isso se tornou hegemônico. O transporte público foi relegado à pobreza, porque vivemos numa sociedade elitista e numa cidade excludente. A propaganda em favor do carro, como principal meio de transporte em São Paulo, vem perdendo credibilidade. É o esgotamento desse modelo que causa ira. Aliás, vivemos vários esgotamentos. Modelos de vida e de consumo vêm sendo questionados em função da necessidade de preservação ambiental e de sustentabilidade. A realidade entrou em crise e essa crise se aprofunda com o passar do tempo.
Para rupturas dessa grandeza não bastam conchavos, negação e depois aceitação. Isto seria sarar, porém sarar sem curar é um convite para que as coisas piorem ainda mais. A cura é um processo, há que se expor o mal, há que cuidar e investigar. Ela gera transformação e ao mesmo tempo é um processo de transformação.
O psicanalista Fabio Herrman afirmava que:
“… se nossa Sociedade necessita de
alguma coisa, ela necessita de cura. Já se vê que, por cura, não entendo
meramente estabelecer acordos, fazer as pazes. Isto seria
sarar, talvez; porém, sarar sem curar é convite a que volte pior.”
A maior chance de alguém morrer no trânsito é sendo atropelado. E a maior chance é a de ser atropelado por uma moto, ou estando em uma moto.
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Carro é uma coisa absolutamente fora de moda. Nenhum paulista é bobo o suficiente para andar de carro pela Avenida Paulista. Vai de metrô, ônibus bicicleta, motocicleta ou a pé mesmo, porque é mais barato, mais rápido no porta a porta que leva em consideração o tempo para estacionar o desgraçado do carro. 70 pessoas num carro ocupam um quarteirão, um ônibus articulado leva as mesmas 70 pessoas. Quem pode dispensar o carro já dispensou faz tempo (o meu está parado há um mês na garagem). Só tem carro famílias que tem mais de três membros, tipo crianças, ou vão ter uma, e pensam no caso de emergências onde podem utilizar a mesmo como ambulância. Ninguém quer mais dirigir um carro, todo mundo se pudesse andaria de ônibus do tipo fretado, por exemplo, que é o máximo em conforto, porque nele dá para ir sentado, e ele espera a gente, não é a gente que o espera no ponto. Aposto que uma lei, cuidadosamente pensada, em que ônibus urbano não poderiam trafegar com pessoas de pé, lei que já existe para o ônibus rodoviário e para aqueles ônibus escolares amarelos para levar crianças no Canadá e nos Estados Unidos funcionaria. As crianças preferem muito mais andar de naquele ônibus escolar amarelo, do que pagar o mico de serem levadas de carro por um dos pais.