Poema
15/06/12 11:03Bancos Brancos
Lily a dona de casa explica
a Kurt, surdo e senil,
em minúcia cirúrgica, durante o chá
sua terceira tentativa frustrada de suicídio
e com um suspiro, delicada,
escolhe o próximo petit-four.
Erik, tres vezes divorciado, sem filhos,
enoja-se com a vulgaridade
do comercial de desinfetante sanitário.
Anuncia (mais uma vez) seu segredo:
Andrew,
que aí o deixou
não era apenas seu sócio, entende?
Eleanor lê com ferocidade
livros em tres idiomas
diferentes, abertos ao mesmo tempo,
pescados da caixa de doações, uma pérola
cada pesca.
Talha anotações urgentes com garfos, palavras cifradas
nos guardanapos, nos tampos de mesa.
Louis e Doug, gêmeos sem idade,
irmãos-de-armas, em abraço suado
dia ou noite
nunca deixam de divertir os médicos
com seu humor gordinho,
apesar das queimaduras de cigarro nas suas costas
desbotadas pelo tempo.
Lily olha fixamente janela afora,
nem uma palavra à sua filha suplicante
(ela nunca deu em nada, mesmo),
escarna a música insuportável de Erik
que ele toca em sua gaita imaginária.
Erik não desvia o olhar
da tela de TV, suas unhas feitas,
mãos cruzadas, dignas,
em seu colo, pensa
Lily é louca!
Eleanor enterra a cabeça
no ombro do marido,
pergunta dos parentes mortos e ri
e chora.
Ela sabe.
Ele beija sua testa e chora
baixinho também,
abre uma caixa de chocolate suíço,
lhe dá um, pedaço a pedaço.
Louis e Doug brincam de esconde-esconde
ancorados aos bancos brancos,
escondem e procuram seus corpos obesos
tapando os olhos,
repetem rimas do-que-é-o-que-é em uníssono.
Chacoalham,
os bancos,
gemem .
Vivian Schlesinger
http://vivianschlesinger.blogspot.com.br/