Comentários de Fernanda Sofio para: Duas notas sobre o caráter ilusório da arte
03/05/12 10:34Caro Edgard,
Foi com muito apreço que li suas notas. Parece-me possível depreender uma definição da realidade de seus escritos, embora provavelmente não fosse essa a intenção, que é ser a realidade ficcional. Nesse sentido, não distinguem-se realidade e ficção, nem tampouco, pelo que pude compreender do seu escrito, a arte.
Troco em miúdos ao considerar cada nota em particular.
A partir da primeira nota, parece-me caber uma pergunta sobre o quê seria real (ou “mais real”, se isso tem sentido): as linhas desenhadas, a profundidade por elas criada ou a ilusão? Não há arte sem ilusão, parece possível depreender. Ou seja, cada produção artística faz parte de uma espécie de plano de realidade, se assim queremos designar, mas também poderíamos dizer, simplesmente, que consiste de uma ficção. A ideia é que, havendo vários planos de realidade, torna-se possível considerar cada um como uma ficção singular, no sentido de oferecer uma condição particular e respectiva ou, tomando uma palavra sua, uma perspectiva. A perspectiva é a realidade, mas também é a ficção de seu sujeito, nesse sentido.
A segunda nota também é reveladora, e levou-me à pergunta: em que consistiria não estarmos “mais apenas em nosso mundo real”? Para onde fomos então? Ora, você nos diz, fomos virtualmente para o Common, para os arredores de Londres. Sim, mas a rigor, o que significaria partir de nosso “mundo real”?
Aqui refiro Kafka, cujas parábolas são reveladoras quanto à transformação do homem em arte, que é a questão apresentada. O gênero literário escolhido por Kafka para contemplar o inerentemente irresolúvel – como, por exemplo, a transmutação do homem para o mundo da arte pela arte – é a parábola. “Sobre parábolas”, por exemplo, é um texto que é o que explica; e que contempla essa transmutação de homem em arte. De dentro da parábola, a personagem contempla a possibilidade de escapá-la, de maneira irônica, trágico-cômica e, também, brilhante. A irresolução é inerente à questão.
Portanto para que mundo a arte nos leva? Poderíamos pensar, de uma perspectiva psicanalítica, que o mundo deixado e o atingido não são tão diferentes assim: ambos são mundos de sentido humano.
Edgard, espero que minha nota haja feito jus às suas.
Um abraço,
Fernanda Sofio: psicanalista.
fernanda.sofio@usp.br
Concordo, Kafka será sempre um grande escritor, talvez um pouco evoluido para a sua epoca e por isso so mais trade foi reconhecido.