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por Luciana Saddi

Perfil Luciana Saddi é psicanalista e escritora

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Psicanálise em sua qualidade literária – um exercício de clínica e teoria

Por Luciana Saddi
11/04/12 10:12

 

Esse texto é da psicanalista Fernanda Sofio, que, gentilmente, compartilha suas idéias com o Blog Fale Comigo.

 

Parto de terreno conhecido entre psicanalistas. É sabido que todo relato clínico apresenta uma perspectiva, um recorte, uma abordagem. Nesse sentido, nunca, e sempre, é o caso em si. Nunca, no sentido de o processo analítico ser múltiplo, e sempre, no de cada relato compor uma totalidade relativa a si mesmo; ou seja, de ser o relato possível.

A premissa para minha investigação, no entanto, é que a clínica psicanalítica se constitui por ficcionalização, analogamente à criação literária, e não por verdades ou prescrições. Nesse sentido, recorro à teoria do análogo, de Fabio Herrmann (2002: 27, 2006 & texto não publicado), como suporte para essas ideias. A proposta da teoria do análogo é de que a literatura de ficção constitui o denominado reino análogo da Psicanálise, o qual o psicanalista habita no trabalho clínico e ao criar teoria psicanalítica. De acordo com essa ideia, o psicanalista conduz um trabalho análogo ao do literato, no sentido de também produzir um trabalho interpretativo. A ficção literária pode ser pensada como uma espécie de matéria-prima da Psicanálise, como certa ferramenta de que o psicanalista faz uso.

Essa ideia é de fundamental importância, pois nesse sentido as teorias psicanalíticas assumem um novo (que é também velho) estatuto – o de serem ficcionais, e isso porque interpretativas. Novo estatuto, no sentido de não costumarmos pensar ou discutir o assunto dessa forma; velho, no de que foi assim que a Psicanálise foi concebida por Freud, ou seja, a força da teoria psicanalítica sempre esteve em sua qualidade interpretativa. Foi pela interpretação que puderam, tanto Freud como seus sucessores, trabalhar com pacientes de maneira criativa e produzindo efeitos. É o método interpretativo da Psicanálise que pode produzir distintas poéticas narrativas. Procuro pensar a Psicanálise[1] em sua forma, ou formas, literária(s), em minha tese de doutorado. (Sofio, 2010) Neste breve ensaio, tomemos um caso clínico que sugere a interligação entre Psicanálise e Literatura.

Os microcontos de Renato Tardivo (inéditos) não relatam a clínica de consultório, mas delineiam como que uma clínica da vida, pela observação, interação e interpretação do mundo. Afinal, se um relato não é o caso em si, o fato, mas a transformação daquele caso por via da interpretação, porque não assumir essa especificidade psicanalítica e narrá-lo, por exemplo, por meio de diversas poéticas, como conto, peça teatral ou outra declaradamente ficcional? Porque tem que nascer do consultório?

Primeiro microconto:

Foi-se o tempo em que encontrava os traços do pai. Hoje encontra apenas os traços do filho. No espelho rachado, rastros do passado envelhecem a esperança de, um dia, ainda encontrar o próprio traço.

Segundo microconto:

Ela é uma jovem empreendedora. Bem sucedida. Ele não trabalha menos. Talvez mais. Os dois correm. Sexta-Feira ensolarada. Ela conseguiu sair mais cedo do escritório. Trabalharia sábado. Faria aniversário domingo. Ele corre com a cabeça no aniversário do filho. Precisa fazer mais três entregas para pagar a festinha. Humilde mas colorida. Ela cheira a gasolina, disse uma amiga no escritório. Um perfume que usa desde a adolescência. Ele cheira a gasolina, diz sua mulher todas as noites. Gasolina da moto. Ela corre de volta para casa. Precisava fazer exercícios. Cruzamento. Em um encontro sem culpados, os dois selam a união. Vencem o tempo, juntos, eternizados no instante que ninguém (nunca) vê. De fora, lamentam a fatalidade. Alguns, mais sensíveis, choram. Coitados. Não sabem que os infelizes são eles próprios. Nós todos.

 

A Psicanálise entendida como forma literária, tal como estudo em minha pesquisa de doutorado acima citada, compreende narrativas construídas por interpretação. Narrativas psicanalíticas, orais e escritas, tomadas como poéticas, estariam sujeitas ao estilo, preferências e escolhas literárias do analista, não a critérios prescritivos, verdades inaparentes ou diagnósticos intransponíveis.[2]

Pai, filho, ela, ele, nós. Personagens de histórias clínicas, de microcontos psicanalíticos narrados pela voz de um narrador. Histórias em que pairam a passagem do tempo, a clínica da vida, o quotidiano, as relações humanas, de Freud aos nossos dias.

 

Referências

Herrmann, F. O análogo. Da clínica extensa à alta teoria: meditações clínicas. Segunda meditação. Texto não publicado.

_____________ (2002) A infância de Adão e outras ficções freudianas. São Paulo: Casa do Psicólogo.

_____________ (2006) O análogo. Revista Educação. Especial: biblioteca do professor: Freud, 1, 74-83.

Sofio, F. (2010) Literacura? Psicanálise como forma literária. Revista Brasileira de Psicanálise, 44(4), 149-55.


[1] Tem-se em mente a distinção feita por Herrmann, que usava Psicanálise com P maiúsculo ao referir-se à disciplina, ciência ou campo de pesquisa psicanalítico e com minúsculo ao tratar de processos interpretativos específicos, no sentido de uma psicanálise em particular, ou na forma do adjetivo “psicanalítico”.

[2] Esta ideia é explorada mais a fundo em minha pesquisa de doutoramento, cuja tese é de constituir-se a Psicanálise como forma literária.

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