E o que quer que eu faça vai se transformar para sempre naquilo que fiz.
22/03/12 10:28
Internauta: Tenho 31 anos e nenhum rumo na vida. Me formei em comunicação, mas não gosto da profissão, então resolvi ficar em casa e trabalhar como freelancer. Minha família tem dinheiro e nunca precisei trabalhar.
Aos 15 anos tive depressão e acho que não me curei totalmente. Nunca foi um assunto debatido em casa, o preconceito é grande. Estou me sentindo muito deprimida ultimamente, empacada na vida, sem vontade de fazer algo, mas com uma inquietação grande dentro de mim.
Adoro artes e sei desenhar, mas nunca levei a sério. Ano passado participei de uma oficina de artes e todos me elogiaram. Vi que meu trabalho é forte e bom. Tenho vontade de investir nisso, mas e a tal “força de vontade”? Quando me animo, penso em fazer música (coisa que sempre amei) e também fica tudo só no pensamento. Seria medo de falhar? Sempre fui gorda, mas agora estou enorme (quase100 kg) e isso me prende dentro de casa, o que acaba me deixando mais gorda ainda. Quero viver! Cansei de me prender em casa e sonhar e sonhar. O que posso fazer para acabar com minha apatia?
Luciana: Você deve procurar um analista, iniciar uma análise e discutir com esse profissional a possibilidade de tratamento medicamentoso com um psiquiatra. Pessoas talentosas e empacadas na vida merecem cuidados especiais.
Às vezes há medo, pânico, angústia e enorme dificuldade para realizar coisas triviais. Quando nos encontramos nesse estado de espírito é preciso, muitas vezes, que a família nos auxilie no tratamento. Não sei se você pode contar com alguém para te levar a uma consulta ou a uma série de consultas, até que se sinta mais forte, mas seria importante receber ajuda nesse momento.
Eu poderia tecer inúmeras considerações sobre a situação em que você se encontra. Poderia falar do infantilismo psíquico, do medo de crescer e do sentimento horrível de se sentir atrasada na vida. Mas acho que sua situação é bastante complexa e delicada. Sendo assim, minhas considerações, mesmo que pertinentes, são desnecessárias. Procure um profissional competente.
A vida na hora
A vida na hora.
Cena sem ensaio.
Corpo sem medida.
Cabeça sem reflexão.
Não sei o papel que desempenho.
Só sei que é meu, impermutável.
De que trata a peça
devo adivinhar já em cena.
Despreparada para a honra de viver,
mal posso manter o ritmo que a peça impõe.
Improviso embora me repugne a improvisação.
Tropeço a cada passo no desconhecimento das coisas.
Meu jeito de ser cheira a província.
Meus instintos são amadorismo.
O pavor do palco , me explicando, é tanto mais humilhante.
As circunstâncias atenuantes me parecem cruéis.
Não dá para retirar as palavras e os reflexos,
inacabada a contagem das estrelas,
o caráter como o casaco às pressas abotoado–
eis os efeitos deploráveis desta urgência.
Se eu pudesse ao menos praticar uma quarta-feira antes
ou ao menos repetir uma quinta-feira outra vez!
Mas já se avizinha a sexta com um roteiro que não conheço.
Isso é justo–pergunto
(com a voz rouca
porque nem sequer me foi dado pigarrear nos bastidores).
É ilusório pensar que esta é só uma prova rápida
feita em acomodações provisórias. Não.
De pé em meio à cena vejo como é sólida.
Me impressiona a precisão de cada acessório.
O palco giratório já opera há muito tempo.
Acenderam-se até as mais longínquas nebulosas.
Ah, não tenho dúvida de que é uma estreia.
E o que quer que eu faça,
vai se transformar para sempre naquilo que fiz.
Wislawa Szymborska, In.: Poemas, Companhia das Letras: 2011. Tradução: Regina Przybycien.
Poema escolhido por Ana Tanis, psicóloga, bacharel em letras e curadora de poesia desse blog.
Dica: No filme, Beleza Americana, de Sam Mendes a falta de sentido da vida é exposta cruamente. A questão é: como cada um de nós enfrenta ou se deixa arrastar pelo vazio? A beleza alimenta a alma ou a entorpece?
Sinceramente: a moça está precisando de auxilio e urgente. E de novas amizades também.
O ser humano tem dentro de si um vazio do tamanho de DEUS.