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por Luciana Saddi

Perfil Luciana Saddi é psicanalista e escritora

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Lamentar, enlouquecer de dor e chorar é importante para a elaboração das perdas

Por Luciana Saddi
15/08/12 10:05

O Luto é tão importante na história da civilização que as urnas funerárias datam dos primórdios do Homem e os rituais de enterramento são anteriores ao tabu do incesto. 

O luto é um estado psíquico tremendamente doloroso, está associado ao trabalho de elaborar a morte e as perdas.

Experimentamos perdas quotidianamente. Ao ler um livro agradável sei que o prazer da leitura irá durar até acabar de lê-lo. Quando acabar o livro terei que me separar dele. Perco o livro e o prazer. O deleite que experimentei ficará guardado apenas na memória, como lembrança. Uma dose de nostalgia pode aparecer.

Posso começar uma nova leitura, um novo livro substitui o anterior, outra dose de nostalgia pode se fazer presente, pois não posso experimentar os mesmos sentimentos que tive ao ler o primeiro livro. Os sentimentos que tive e o tempo que foram vividos não retornam, se foram. E, se acaso reler o primeiro livro extrairei dessa experiência outras emoções. Convivemos com o luto enquanto convivemos com a vida.

Procuramos, muitas vezes, a satisfação total. Nessa procura nos deparamos com um vazio sem fim. É impossível nos sentirmos totalmente completos por muito tempo. Cada novo amor traz a promessa de satisfação completa, por isso revivemos um luto a cada relação.

Nas perdas de relações significativas, como a morte de um ente querido, o trabalho de luto é mais intenso e penoso. Luta-se contra duas situações dolorosas ao mesmo tempo: a falta de quem se ama e o reconhecimento da inevitabilidade do próprio fim. A nostalgia se intensifica. A dor insuportável pode levar a reações de fuga da realidade, seguida por busca de triunfo pessoal, perseguições e acusações descabidas ou pode levar a um abandono de si mesmo, com pensamentos autocríticos intensos, além do agravamento da depressão e dos estados melancólicos, na tentativa vã de reviver quem já não mais existe.

A dor pode amenizar com o tempo, mas não é sábio generalizar crenças, pois o tempo da amenização varia de acordo com a qualidade da perda e com a dor imposta.  Algumas se intensificam no período que sucede imediatamente à perda e devem ser vividas assim. O tempo não é o fator que conta para sua diminuição. A dor diminui pelo lento trabalho de elaboração do luto.  

É preciso lidar com o vazio deixado pela ausência. Por isso, é imprescindível que se preserve um espaço para viver a dor da perda, espaço cada vez mais difícil de ser preservado.

Lamentar, enlouquecer de dor, falar e chorar são fatores importantes no processo de elaboração das perdas. Ficar “mal”, seja porque motivo for, contraria a exigência de excelência de desempenho imposta pela sociedade ocidental. Temos que parecer eternamente jovens, bonitos e bem sucedidos. Essa exigência nega o direito à tristeza e destrói o espaço para viver a dor da perda.

É mais fácil escutarmos de amigos que a vida continua, que devemos nos distrair, do que contar com sua disponibilidade para ouvir nosso lamento. Parece que no mundo em que vivemos foi decretada à proibição ao luto pela perda de um ente querido.

A possibilidade de compartilhar a dor com amigos próximos é importante. A cumplicidade e permissão para viver a dor da perda, sem a exigência de sua rápida diminuição é fundamental. Quem enfrenta a morte de alguém significativo em sua vida precisa encontrar a permissão para que a nostalgia aflore a ponto de machucar.

Sem sofrimento não é possível elaborar o luto pela perda de um filho ou do companheiro de uma vida.

Supera-se o luto quando a ausência imposta pela perda se transforma em presença ausente, em lembrança experimentada sem a dor dilacerante dos primeiros tempos.

 

 

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Entrevista Luciana Saddi